A instabilidade política atinge em cheio a América Latina. Isso quer dizer que as burguesias dos países estão com muitas dificuldades para governar e impor seus projetos econômicos.
Manifestações gigantescas e radicalizadas no Chile e Equador contra as medidas econômicas; a crise política no Peru (disputa entre dois setores de direita, dissolução do parlamento pelo Presidente e tentativa de golpe parlamentar das forças fujimoristas); derrota eleitoral do reacionário Uribe na Colômbia; derrota do liberal Macri na Argentina. E no Uruguai e na Bolívia a direita se fortalecem eleitoralmente. Na Costa Rica há a luta de estudantes e professores com ocupação de prédios para retorno da gratuidade e contra a cobrança da “taxa simbólica de manutenção”, mecanismo de privatização das universidades públicas
A instabilidade política atinge não só os governos de direita e liberais, mas também aqueles que se intitulam de esquerda e aplicam os mesmos planos liberais contra os direitos da classe trabalhadora. É o caso da Frente Ampla no Uruguai (que vai ter que enfrentar o candidato da direita no segundo turno) e de Evo Morales na Bolívia (que enfrentou um golpe organizado pela direita que o acusa de fraudar as eleições – veja artigo nesse jornal).
A tendência é a instabilidade continuar porque nem a burguesia e nem a classe trabalhadora têm condições de impor seu projeto, são muitas contradições. E se por um lado a luta da classe trabalhadora abre espaço e avança, as forças da direita se mostram bastante ativas.
As riquezas da América Latina estão sendo expropriadas
A situação econômica e social da América Latina é explicada pela forma com que o capitalismo se desenvolveu na região, ou seja, não é só o neoliberalismo uma trágica faceta dessa dominação.
Temos petróleo, minerais, água doce em abundância, terras agriculturáveis, parque industrial, etc. o suficiente para o povo ter uma vida decente, sem o risco da pobreza extrema.
O problema é que no desenvolvimento do capitalismo no mundo, coube à América Latina o papel de fornecer matéria prima e produtos agrários para os países industrializados. E isso significa que boa parte das riquezas produzidas aqui são desviadas para os países ricos.
E a classe trabalhadora é duplamente explorada, pois precisa garantir lucro para a burguesia latino-americana e para a burguesia imperialista. É essa a causa primeira de tantas pessoas serem pobres no nosso continente.
Levam as riquezas e sobra a pobreza
Cada país e cada uma dessas mobilizações têm suas particularidades, mas há alguns elementos comuns a esses processos que ajudam a explicar as causas da instabilidade e que serviram de impulso para a indignação popular:
- Praticamente todos os países latino-americanos estão em profunda crise econômica com taxas de crescimento em queda, endividamento, desindustrialização, etc.
- Para tentar resolver a crise, aplicam planos econômicos ditados pelo FMI que levam ao aprofundamento da retirada de direitos dos pobres para garantir os privilégios dos ricos. Com isso, a crise social também aumenta. Com o aumento da pobreza e do desemprego aumentam também favelas, pessoas em situação de rua, falta de serviço público. E quando há trabalho é cada vez mais precário com menos direitos e salários menores, etc;
- Há falta de perspectiva principalmente para a juventude, setor em que estão as maiores taxas de desemprego e estão os piores empregos como na área de telemarketing. Não sem razão vemos na linha de frente dos movimentos os jovens enfrentando a repressão.
Contra o sistema… capitalista!
Nós, Emancipação Socialista, avaliamos que há uma profunda crise da subjetividade da classe trabalhadora, em que o elemento mais importante é a ausência da consciência de classe e consequentemente da consciência socialista, ou seja, o trabalhador/a não se reconhece enquanto classe e o socialismo não aparece como alternativa.
São várias causas, mas há uma que se aplica bem na situação política latino-americana: o papel desempenhado por governos que se dizem de esquerda e até socialistas (como o petista ou o de Maduro), mas aplicam planos econômicos com o mesmo conteúdo dos de Macri na Argentina ou Piñera no Chile. Para a população se tomam as mesmas medidas, são as mesmas coisas.
No entanto, essas mobilizações trazem algo novo ao dizer que estão também lutando “contra o sistema”. Enxergam como sistema os privilégios, a corrupção, a desigualdade, o desemprego, a falta de futuro e o não ter voz na sociedade em que os espaços democráticos são cada vez menores.
É um pouco confuso nesse momento, mas carrega o potencial do nascer de uma consciência anticapitalista na medida em que venham a compreender que esses governos não são de esquerda e sim capitalistas, ou seja, a luta contra governos é também contra o sistema contra o qual lutam, o capitalismo.
Um processo contraditório
As mobilizações populares são sem dúvida um sopro de esperança para a classe trabalhadora latino-americana derrubar essas políticas econômicas que só causam miséria e têm sido tão fortes que os ricos e seus governos tremem.
Mas, não podemos desprezar a força e a capacidade de reação da classe dominante do continente.
Todo processo de luta que, mesmo de longe, ameasse seu domínio (e seus privilégios) é respondido com força. As manobras políticas (como a Constituinte que Piñera tenta no Chile) e os golpes de Estado (como na Bolívia) carregam forte repressão policial (igual em todos os países) e são algumas formas utilizadas. E, sem falar, as ligações estreitas com o imperialismo estadunidense.
Outro elemento importante a ser considerado é a existência de grupos de direita e extrema-direita (muitos com conotação religiosa fundamentalista – católica e evangélica) com influência nas massas da população. É o caso, por exemplo, do líder golpista na Bolívia que atua como “enviado de Deus”.
Para onde vai o Chile?
Um aumento nas tarifas do transporte metroviário de Santiago e a contundente resposta dos estudantes do Ensino Médio (que destruíram estações do Metrô na capital do país no dia 17 de outubro) fizeram com que uma onda de protestos violentos se estendesse para outras cidades do Chile.
A resposta do presidente ultraliberal Sebastian Piñera aos protestos foi imediata: no dia seguinte, decretou Estado de Emergência nas principais regiões do país; enviou forças do Exército chileno (os temíveis carabineiros) para reprimir os distúrbios e impôs o Toque de Recolher na Grande Santiago, algo que não acontecia desde 1987, no final do governo do ditador sanguinário Augusto Pinochet.
Ao mesmo tempo em que reprimia, Piñera fez um chamado ao Pacto Social com a oposição burguesa ao seu governo e anunciou um pacote de medidas “sociais” para tentar amenizar os efeitos da crise econômica como: a) combate ao aumento do custo de vida; b) combate à desigualdade de renda (1% da população detém 26,5% do PIB) e aos efeitos nefastos da capitalização financeira da Previdência sobre a aposentadoria, que tem levado vários idosos ao suicídio (recebem menos de R$ 900 das Administradoras dos Fundos de Pensão sem conseguir comprar até remédios) e, segundo dados estatísticos, tem levado Funcionários Públicos, ao se aposentarem, receber cerca de 1/3 do que ganhavam quando estavam na ativa.
As medidas de Piñera pretendiam, supostamente, congelar a elevada tarifa de eletricidade, aumentar o salário mínimo, majorar em US$ 30 as pensões dos mais pobres e criar um seguro de Saúde estatal em caso de catástrofes. Tudo em vão: nem a repressão e nem os Pacto e Pacote social de Piñera fizeram retroceder os protestos.
No dia 20 de outubro, supermercados, shoppings e cinemas ficaram fechados em Santiago e os 20 portos mais importantes do país paralisaram. No dia 21, as escolas não abriram em 42 das 52 comunas da região metropolitana de Santiago e em toda a província de Concepción.
No dia 23 de outubro, iniciou-se uma Greve Geral de 48 horas, convocada pelos principais sindicatos, a Federação Universitária, a Coordenação contra a aposentadoria privada, a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), a União Portuária do Chile, o Colégio de Professores, a Federação de Trabalhadores do Cobre (FTC), todos reunidos no Coletivo Unidade Social.
A participação dos trabalhadores das minas de cobre (principal ramo de atividade econômica chilena) foi um salto de qualidade e até os caminhoneiros (um dos setores responsáveis pela derrubada de Salvador Allende em 1973 junto com Pinochet, as FFAAs e a CIA) paralisaram as atividades e exigiam o fim do pedágio nas redondezas de Santiago.
Entre outras reivindicações, a Greve Geral apontou para a renúncia do bilionário Piñera (cuja fortuna é estimada em 2,7 bilhões de dólares); revogação do Estado de Emergência e retirada dos odiados carabineiros das ruas; supressão dos projetos de lei que prejudiquem o povo chileno como no caso das pensões e da Reforma Tributária; implantação de um pacote de medidas de emergência (acesso gratuito e de qualidade à Educação escolar e universitária e melhorias na Saúde pública, que registrou em 2018 a morte de 9.724 pacientes que aguardavam tratamento); por uma nova Assembleia Constituinte, que possibilite um modelo de desenvolvimento nacional, em superação ao neoliberalismo.
Em seguida à Greve Geral, veio a multitudinária manifestação de um milhão de presentes na capital do país, no dia 25 de outubro. Esses números seriam equivalentes a 12 milhões de manifestantes em Brasília, tomando por base a proporção da população chilena com a população brasileira.
No dia seguinte à manifestação, Piñera pediu a renúncia de todos os seus ministros. Agora, acena com a possibilidade de um Congresso Constituinte, proposta que tenta se aproximar da Assembleia Nacional Constituinte defendida pelas entidades populares, mas mostra o quanto é limitada essa bandeira e quanto é uma utopia reacionária acreditar em um modelo de desenvolvimento nacional em contraposição ao neoliberalismo, sem superar o capitalismo.
Enquanto isso, a repressão governamental segue: os números oficiais até início de novembro apontam em 21 mortos, 2.429 feridos, 5.400 detidos e 180 lesões oculares, vítimas de arma de fogo. A grande imprensa brasileira mantém um silêncio constrangedor, rompido somente com a transferência do jogo final da Taça Libertadores da América entre Flamengo X River Plate de Santiago para Lima, Peru.
Afinal, para a grande mídia – repetindo as palavras do ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, professor universitário no Chile, na época de Pinochet – até pouco tempo, o Chile era a Suíça da América do Sul. Ao fecharmos essa edição, uma nova Greve Geral sacudiu o país e novamente um milhão de pessoas foram às ruas. Resta a pergunta: o que está acontecendo com a “Suíça dos trópicos”?
Equador: o que não avança retrocede
O Equador vivenciou na primeira quinzena de outubro intensas manifestações que colocaram contra a parede o governo de Lenin Moreno, depois que anunciou um pacote de medidas neoliberais para servir de contrapartida a um empréstimo de 4,2 bilhões de dólares junto ao FMI. Dentre as medidas anunciadas tinham a redução de salários, diminuição nos dias de férias e, a mais polêmica, o corte de subsídios nos combustíveis, que vigora no país há mais de 40 anos, o que provocou uma elevação nos preços de 123%.
A rebelião de trabalhadores, estudantes e, sobretudo, indígenas tomou as ruas das principais cidades do Equador e obrigou o governo a se transferir da capital Quito para Guayaquil, depois que os manifestantes tomaram a Assembleia Nacional. Os protestos organizados provocaram o fechamento das principais estradas do país e receberam uma dura repressão do governo, que totalizou em mais de mil presos, centenas de feridos e sete mortos.
A CONAIE – Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador passou a apoiar as manifestações que transbordavam as suas estruturas e tinham grande apoio popular. No dia 9 de outubro uma Greve Geral ocorreu no país e os manifestantes passaram a exigir a queda do governo de Lenin Moreno. Foi eleito com o apoio do ex-presidente Rafael Correa, mas com este rompeu e passou a se aliar aos Estados Unidos e chegou até entregar Julio Assange, fundador do Wikileaks, às forças de repressão britânicas quando se encontrava em asilo político na embaixada equatoriana em Londres.
Lenin Moreno passou a atacar Rafael Correa e Nicolas Maduro de tentarem desestabilizá-lo, no que ganhou o apoio de Trump, Bolsonaro, Macri e outros presidentes de direita da região. Conforme as forças militares e a polícia nacional reprimiam o povo na rua, milhares de trabalhadores marchavam em direção à capital Quito dando demonstrações de que não pretendiam recuar. As imagens que nos chegavam, pela mídia tradicional ou pelas mídias alternativas, eram de um intenso processo de lutas com muita participação popular. As manifestações foram tão intensas e grandes que chegaram a circular pela Internet vídeos em que setores das forças de repressão deixavam de obedecer aos seus superiores e nitidamente defendiam o povo, ou seja, chegou a se caracterizar uma verdadeira quebra na hierarquia militar.
A revolta popular no Equador mostrou que quando o povo sai às ruas consegue obrigar os governos a recuarem de suas tentativas de intensificar ainda mais a exploração da população. O exemplo que fica é que a aliança do povo trabalhador, estudantes e indígenas, que já derrubou outros presidentes no país andino, pode estabelecer uma força que a própria repressão organizada de um governo, submisso às classes dominantes locais e aos interesses imperialistas, não pode conter.
O governo foi obrigado a recuar do corte de subsídios aos combustíveis numa reunião televisionada da qual participaram as lideranças da CONAIE. A disposição que as massas populares nas ruas tinham de derrubar o governo, infelizmente não foi levada pelas principais lideranças. As jornadas de outubro equatorianas foram vitoriosas porque demonstraram a capacidade de luta do povo e obrigaram o governo a voltar atrás em medidas impopulares, mas poderiam ter avançado com a queda do governo de Lenin Moreno.
Como o que não avança retrocede, as perseguições aos ativistas equatorianos prosseguiram após o fim dos protestos, sendo muitos acusados do crime de “rebelião”. Ainda, o governo voltou ao seu objetivo de cumprir as exigências do FMI e enviou para a Assembleia Nacional o pacote da Reforma Tributária que prejudica a classe trabalhadora equatoriana e beneficia os ricos.
A disposição de luta do povo equatoriano, os métodos empregados e a reação do governo estão bastante recentes em nossa memória para que nos preparemos contra esses ataques de medidas ultraliberais. Mais ainda, precisamos prestar atenção na necessidade de avançar nessas lutas quando a classe trabalhadora se levanta, sob pena de permitir que nossos algozes se reorganizem e voltem a atacar como ocorre agora no Equador.
Argentina: peronismo vence eleição, mas não é alternativa
A Argentina é mais um dos países da América Latina em que podemos observar os caminhos percorridos por governos de direita, que dizem adotar o diálogo com a população trabalhadora, mas na verdade, a apunhalam.
São governos que insistem em promessas eleitorais que jamais serão cumpridas e mandatos autoritários que buscam retirar até direitos básicos da classe que precisa trabalhar para sobreviver, independentemente do nível de repressão para isso. Ou seja, os governos capitalistas de direita necessitam intensificar as forças repressivas para manter privilégios burgueses.
Isso, por si só, já deveria ser o suficiente para não permitir a reeleição ou que se elegessem em novos cargos públicos. Muito menos, ter o mandato cumprido até o final.
Um governo trágico para a população mais pobre
Maurício Macri é um exemplo: Prometeu, em 2015, 0% de pobreza; incentivo à indústria e ao comércio para criar emprego; redução da inflação (do valor da cesta básica); etc.
E chegou ao final do mandato, em 2019, com cerca de 35% da população abaixo da linha de pobreza; desindustrialização (+ de 14 mil empresas fechadas e 200 mil desempregados); desemprego acima de 10%; inflação acima de 50% ao ano com aumentos estrondosos em serviços públicos (luz – 2200%; água – 1100%; gás – 2040%). Além de privatizar quase todos os serviços e aumentar a dívida pública (com um último empréstimo de $ 57 bilhões do FMI, que exigiu como garantia os cortes nas verbas da Educação, Ciência e Saúde).
Macri, durante seu governo, enfrentou a insatisfação e a resistência da população trabalhadora em várias ocasiões e avançaram em 2019: em maio, a sexta Greve Geral com a unidade das Centrais (contra a política econômica do FMI para beneficiar setor financeiro) e protestos pela legalização do aborto; em agosto/setembro, manifestações de rua (contra a fome e exigindo medidas de emergência alimentar); em novembro, Greve nacional de Professores (contra atraso de salário e repressão aos protestos); etc.
Um governo totalmente atrelado aos mais ricos e que para manter os interesses, os privilégios e os lucros capitalistas intensificou a exploração sobre os mais pobres, o que está expresso nos números acima e nas lutas ocorridas durante seu governo.
Essa situação econômica do país, mesmo com apoio de Bolsonaro/Trump e com um número de votos, no segundo turno, acima das expectativas, não permitiu que Macri se reelegesse.
Voltam os peronistas, mas a política econômica é a mesma
Com a eleição de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, peronistas, ditos de centro-esquerda tem-se a ilusão de que essa crise econômica e a grave situação do país se resolverão. Mas, as mudanças devem ser muito poucas e pontuais, pois no geral os projetos econômico e político de Fernandes e Cristina são muito parecidos.
Já apontando o caminho que seguirão, de diálogo com todos os setores da burguesia, reafirmaram logo após o resultado das eleições que não romperão com a política econômica e vão manter o compromisso de pagamento da dívida pública, mesmo tendo que voltar ao FMI.
E se em mandatos anteriores (2003-2015) de governos Kirchneristas as políticas assistencialistas favoreceram uma parcela pobre da população, não resolveram o problema da pobreza e o número de pobres aumentou em 5 milhões (segue hoje com 6 novos pobres a cada minuto).
Mesmo se declarando contrários às políticas neoliberais, as mantiveram mesmo de “forma adequada”, por exemplo, com subsídios às empresas, política que levou ao aumento do déficit no Orçamento público (chegou a 7% do PIB). Também falharam na política de controle da inflação, especialmente dos alimentos.
Enfim, a situação pela qual passa a classe trabalhadora argentina é resultado da aplicação de uma política que sempre priorizou banqueiros e ricos. Desde os anos 90, com governos peronistas e radicais (União Cívica Radical), a implementação das privatizações, a retirada de direitos, a desindustrialização, etc. levaram ao aumento da miséria, do desemprego e da inflação, etc.
Peronismo não é alternativa para a classe trabalhadora
A eleição da chapa peronista, resposta ao desastre da gestão Macri, não pode ser encarada como uma vitória da classe trabalhadora, pois diante da crise do capital o que podemos esperar desse governo é apenas a insistência na tentativa de conciliação com a burguesia para intensificar a exploração sobre a classe trabalhadora.
Assim, a única possibilidade de reverter a situação econômica da Argentina é a organização da classe trabalhadora para impor um programa econômico que acabe com o desemprego, a miséria, garanta um plano de obras públicas, etc.
Para isso, as principais centrais sindicais (CTA e CGT) devem romper o pacto que fizeram pela governabilidade e organizar a luta unitária da classe trabalhadora junto com desempregados e juventude por emprego e pelo fim da pobreza. E não só para enfrentar as medidas de retirada de direitos, mas também para arrancar pelas mãos o que lhe é de direito: uma vida sem miséria.
Rechaço ao Golpe de Estado na Bolívia
Desde a última eleição presidencial na Bolívia, terminou no último dia 20 de outubro, com a vitória e reeleição pelo quarto mandato de Evo Morales, a população começou uma jornada de manifestações de ruas em várias cidades, a favor e contra esse resultado.
Os enfrentamentos apresentam alto nível de radicalidade com casas, de importantes lideranças do MAS (partido de Evo Morales), sendo incendiadas. Diante de tamanha força, a própria Polícia Militar e as Forças Armadas se rebelaram para não reprimir as manifestações organizadas pela direita.
Evo Morales, pressionado, aceitou uma auditoria da OEA que afirmava irregularidades nas eleições. Ele e todos em sua linha sucessória (vice-presidente, presidente do Senado, etc.) renunciaram e abriram espaço para a oposição de direita encontrar uma “saída institucional” para o golpe.
Nesse momento, a senadora Jeanine Añez, a segunda vice-presidente do Senado, sem contar com os votos do Congresso por falta de quórum, se autodeclarou Presidente da Bolívia.
Essa medida contou com o apoio de golpistas desde as Forças Armadas, que garantiram seu acesso ao Palácio Queimado, até Camacho que a acompanhou na tomada do Palácio. Ainda assim, dizer que “não houve golpe” é discurso de todo golpista e apoiadores, embora o golpe esteja escancarado.
A Bolívia foi um dos países que mais cresceu na América do Sul no último período, média de 5% ao ano. Longe de ser um governo de esquerda, o modelo econômico de Morales abriu espaço para empresas multinacionais em vários ramos da economia, como o rico setor de gás e petróleo.
Vemos que a revolta contra Evo Morales – que está sendo dirigida por um setor empresarial reacionário, vinculado ao imperialismo e às igrejas neopentecostais – tem como objetivo oferecer melhores condições às multinacionais e ao imperialismo para atuarem mais livremente na região, principalmente nesse momento em que sofrem um revés com a derrota de Macri (na Argentina) e com as fortes mobilizações populares no Chile e no Equador.
É fundamental a mobilização de apoio e solidariedade ao povo boliviano no enfrentamento ao golpe reacionário.
Diante da renúncia de Evo Morales, que se recusou a resistir, cabe aos organismos da classe trabalhadora e dos camponeses assumir o controle do país, pois é a única classe que tem legitimidade por produzir a riqueza e fazer o país funcionar, enfrentar as Forças Armadas e a direita e organizar em cada local de trabalho os comitês de defesa. Essa é a única saída que pode interessar a classe trabalhadora, que precisa ser construída pela base dos movimentos.
Como no Chile e no Equador, precisamos nos rebelar
Tudo parece normal, a burguesia e seus governos seguem aplicando seus planos contra os trabalhadores, as pessoas aceitando ser exploradas como se fosse a coisa mais natural de todos os tempos, no entanto, de repente as pessoas não aceitam mais a situação e se rebelam.
E quando há lutas, abre-se um tempo de mudanças. Criam-se formas de organização dos explorados, os governos e os poderosos são obrigados a recuarem e, principalmente, abre-se a possibilidade de derrubar esse sistema responsável pelas misérias e sofrimentos do povo.
A pobreza e a miséria no Brasil
Muito diferente daquilo que os governos (Dória, Bolsonaro, etc.) dizem, a situação da classe trabalhadora está cada vez pior. Os problemas sociais se avolumam, uma política econômica voltada para manter os privilégios dos ricos, ataques aos direitos democráticos, entre outros tantos problemas.
- Falta emprego para 27,5 milhões de pessoas. Esse é o total de pessoas desempregadas (12,5 milhões), desalentadas (4,7 milhões) e de pessoas que trabalham menos do que precisam, como jornada parcial ou intermitente (10,3 milhões).
- aumento da pobreza: Mais de 52 milhões de pessoas (25% da população brasileira) estão abaixo da linha da pobreza, ou seja, vivem com menos de 420 reais por mês. Na extrema-pobreza estão 13,5 milhões de pessoas, vivendo com menos de R$ 145,00 por mês. Mais de 38 milhões são pretos ou pardos.
- empregos precários: Trabalho intermitente e com jornada parcial e MEI (Micro Empreendedor Individual – veja no jornal anterior) são a maior parte dos empregos gerados no último período no Brasil, ou seja, com menos direitos ou mesmo sem direitos.
As formas de trabalho precarizados são muitas: 25% das pessoas empregadas, mas sem carteira assinada. Outros 35,3% são trabalhadores por conta própria (camelôs, pedreiros, trabalhadores por aplicativo, etc.) com a imensa maioria na informalidade e renda muito baixa.
Estar empregado também não significa estar fora da linha da pobreza, pois 13,2 milhões de pessoas mesmo trabalhando, recebem menos de 420 reais por mês.
- falta de serviços públicos: A ausência do Estado em Saúde, Educação, transporte e falta de uma política de moradia para acabar com as favelas e com pessoas em situação de rua contribuem decisivamente para o aumento da miséria do povo brasileiro.
Essas são apenas parte dos problemas sociais que a classe trabalhadora enfrenta no país. E são problemas similares e que têm levado o povo de outros países para a rua. E por que não há no Brasil um levante contra todos esses abusos?
A necessária construção das mobilizações
Mesmo o capitalismo dando muitos motivos para explosões e rebeliões sociais não é sempre que elas ocorrem. Se as massas trabalhadoras não sentem confiança para a luta, suportam o sofrimento até encontrarem forças para lutar.
Também não podem ser “previstas”. Só as revoluções conscientes – quando há organização da classe trabalhadora de forma consciente e com organismos de poder estruturados – podem começar com “data marcada”, mas mesmo assim são imprevisíveis no seu desenvolvimento, pois dependem de vários fatores como a disposição das massas populares em seguir adiante e o papel das direções do movimento.
No entanto, serem imprevisíveis não quer dizer que as condições para ocorrerem não possam ser construídas. As denúncias das causas da miséria, apresentar aos trabalhadores propostas para acabar com as crises e a organização na base dos movimentos são algumas formas para construir as lutas da classe trabalhadora e ajudar no desenvolvimento de uma consciência de que a luta é o único caminho para as mudanças reais.
Tem alguns obstáculos, mas vai acontecer
Há muitos fatores a serem considerados para chegar ao ponto de a classe trabalhadora perder o medo, as ilusões nos governos e na classe dominante e saírem às ruas.
Como vimos acima, razão para se rebelarem não faltam. Mas, no caso do Brasil, há alguns obstáculos que precisam ser superados.
O peleguismo das principais direções sindicais que, além de não organizarem a mobilização traem quem está lutando, estão comprometidas com a gestão do capital e com a governabilidade.
A força que a direita conseguiu nos últimos anos também deve considerada, pois tem conseguido desviar a atenção principalmente de setores médios da classe trabalhadora.
E por outro lado, ainda não há no campo da esquerda anticapitalista, agrupações com força para mobilizar a classe trabalhadora.
Mas, é como se esses obstáculos não existissem quando a raiva do povo explode. E muitas vezes é por algo que ninguém imagina, como foram as manifestações em 2013 no Brasil com forte repressão policial; quando um camelô botou fogo em seu corpo em uma feira na Tunísia e deu início a Primavera Árabe, que derrubou vários governos na região ou contra o aumento das passagens em 4 centavos de dólares no Chile. É a chamada “gota d’agua” que faz derramar a água do copo.
Mais cedo ou mais tarde, pelas condições sociais e o aprofundamento da crise econômica, esse processo de mobilizações vai chegar ao Brasil e tem tudo para ser num patamar superior superando tanto essas direções pelegas como a direita.