A pandemia que aflige a humanidade expôs ainda mais a extrema desigualdade da sociedade capitalista. O índice de morte nas regiões mais pobres é imensamente superior ao dos bairros elitizados. Ser de uma classe social ou de outra, mais do que nunca, tem determinado quem deve morrer ou viver.
E as medidas e ações adotadas pelos governos, para salvaguardarem a classe social burguesa, intensificam a desigualdade, a exploração e a miséria. É o que vem acontecendo também na área da Educação.
Nas primeiras semanas da pandemia, com parcial isolamento e suspensão das aulas em todas as redes, o governo impôs uma MP para flexibilizar os 200 dias anuais de aulas determinados pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), mas manteve a obrigatoriedade do cumprimento da carga horária de 800 horas anuais.
Isso intensificou em alguns níveis de ensino e impulsionou em outros (nas redes públicas de ensino básico) a implementação de práticas de Ensino à Distância (EAD). Em Minas Gerais, por exemplo, a rede pública iniciou logo em 18 de maio. A maioria dos estados pelo país adotou, de alguma forma, mais cedo ou mais tarde, essa prática.
Essas ações não amenizaram a lacuna deixada pela inviabilidade de aulas presenciais. E já demostram que são um fracasso. No estado de São Paulo, por exemplo, dos 3,6 milhões de estudantes da rede pública estadual, menos da metade acessa plataformas criadas durante a pandemia e, em alguns cidades, chega a 10 e 15%. No Paraná, de acordo com professores, apenas 30% de estudantes aproximadamente estão assistindo as vídeo-aulas e entregando as atividades propostas no aplicativo.
Também no estado do Rio de Janeiro a imposição do EAD pela SEEDUC, SECTI e Secretarias Municipais explicita não só o quão profunda é a desigualdade social, como também a precarização da escola e do ensino públicos, principalmente nas periferias da capital, na Baixada Fluminense e no interior do estado, onde está grande parte da classe trabalhadora e da população pobre. Até hoje, alunos da rede estadual aguardam o tal chip de celular para acessar a plataforma Classroom e 79,2% sequer receberam a apostila da SEEDUC. Conforme o 2º Dossiê Sobre Aulas Remotas (enquete realizada pela Associação dos Estudantes do Rio Janeiro – AERJ) 23,9% dos estudantes não possuem wi-fi em casa e 80% dos estudantes não têm acesso à internet.
Em estados como Ceará e Rio Grande do Sul os relatos de estudantes e professores não apresentam quadro diferente.
Não é difícil de entendermos esse fracasso: 20% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet. Isso corresponde a 17 milhões de casas ou 42 milhões de pessoas. Dentre essas, 7 milhões são estudantes que estão em escolas públicas. Em 2018, segundo o Conselho Gestor da Internet no Brasil, “nas classes D/E”, 85% das pessoas somente acessaram a rede através de celulares.
Isso, por si só, inviabiliza qualquer proposta de eliminar os prejuízos para uma Educação pública, gratuita e de qualidade durante a pandemia. Além disso, acentua assustadoramente as desigualdades ao acesso.
Essa situação foi reforçada depois de o Conselho Nacional estabelecer normas através das quais os Sistemas Estaduais de Ensino poderiam contabilizar as atividades on line como carga horária letiva. Não tardando e, pelo menos, 16 Estados declararam colocar essa proposta em prática. O resultado disso é que os estudantes não tiveram maior acesso às aulas/conteúdos e não terão depois do encerramento do isolamento.
Um desvendar até desnecessário sobre as condições de vida
Além de tudo isso, as precárias condições de moradia de grande parcela dos estudantes inviabilizam também condições mínimas de estudo e concentração pedagógica. Consideramos, ainda, que aproximadamente 35% (2.230.956) das residências são coabitadas ou têm adensamento excessivo, isto é, espaço físico pequeno/apertado para cada um dos habitantes da residência.
Soma-se a isso que essas famílias são as que se encontram em situação de profunda pobreza, com maiores dificuldades para, inclusive, satisfazerem as necessidade humanas básicas.
Uma breve olhada sobre as escolas públicas estaduais
Frente a tudo isso, ainda há a situação estrutural e de funcionamento básico das escolas públicas estaduais, maior rede em número de estudantes. No estado de São Paulo, por exemplo, um dos estados mais ricos da federação, muitas dessas escolas não têm janelas e tetos com manutenção, não têm a higiene necessária, não têm banheiros em condições de uso (falta até papel higiênico), não têm bebedouros, possuem salas superlotadas, etc.
No que diz respeito à categoria docente das redes públicas de ensino, não houve nenhuma formação, preparação desses trabalhadores para lidar com plataformas virtuais, não receberam nenhum equipamento tecnológico (modem, notebook, tablet) para trabalhar em casa, não tiveram nenhum acréscimo financeiro para suprir o consequente aumento das contas de luz e internet. Tiveram toda a sua rotina de trabalho alterada com aumento da jornada de trabalho, além de serem cobrados pela Secretaria de Educação, irresponsável, que exige resultados positivos mesmo sabendo que os professores não conseguirão dar respostas à ausência on line de grande parte dos estudantes. E no estado do Rio de Janeiro não é nada diferente, o governo inclusive cogitou cortar o vale transporte e de alimentação, mas recuou temendo reação da categoria. É o verdadeiro “EAD gambiarra”.
Tem quem ganhe com o EAD
As grandes corporações burguesas, que incidem sobre a Educação pública no Brasil, reconhecem os limites do EAD nesse contexto e não abrem mão de seus investimentos, que dizem ser, “sem fins lucrativos”. Diversos institutos educacionais – como a Fundação Lemann e o movimento “Todos pela Educação” – têm como perspectiva avançar sobre a Educação pública, controlar de forma ampla todo o processo pedagógico, se apossar dos recursos financeiros públicos e controlar também o próprio regime de trabalho de professores e servidores do setor.
Como as escolas públicas (os professores, funcionários e os estudantes) ainda não estavam preparadas para EAD, quando a pandemia atingiu o país, essas fundações se ofereceram rapidamente como parceiras dos governos, estabeleceram “convênios”, ofertaram “soluções” e disponibilizaram aplicativos e “tecnologias”.
O grupo de pesquisas Colemarx, da Faculdade de Educação da UFRJ, divulgou que uma das propostas do Banco Mundial e da OCDE para o momento atual é flexibilizar o uso de recursos públicos da Educação para adquirir “pacotes educacionais” de fundações. No caso do Brasil, considerando somente o Fundeb, já são R$ 56 bilhões.
Um exemplo é a plataforma criada pela Fundação Lemann e outras fundações, Rede Escola Digital, utilizada por 20 redes estaduais até agora. E, embora afirmem ser “sem custos” a adoção dessas tecnologias, que substituem as experiências e as práticas docentes acumuladas, levam à “dependência” (até na preparação de uma aula) e à necessidade óbvia do recebimento de recursos financeiros públicos.
Após alguns meses de pandemia e com duras consequências em todos os setores públicos, podemos dizer que a Educação pública está sendo profundamente atacada com a aplicação do EAD, desde a questão do ensino-aprendizagem, do Teletrabalho, do desvio dos recursos financeiros públicos, até a entrega de dados e informações pessoais – de professores e estudantes – para empresas de aplicativo.
A entrega de dados e informações, conforme denunciado nessa última semana (15/06) pelo The Intercept Brasil, é uma demonstração do papel dos governos e do que desejam fazer com a Educação e os serviços públicos.
Nesse caso, a empresa, IP.TV, ligada a políticos bolsonaristas e acusada de participar de rede de prostituição de menores, é responsável pelos aplicativos ligados à Educação (de menores) que já atuam em São Paulo, Paraná, Amazonas, Pará.
O governo de São Paulo, por exemplo, diz ter recebido dessa empresa a doação do aplicativo Centro de Mídias SP (autoavaliado em R$ 3 milhões), utilizado no EAD, nesse momento.
No entanto, para que tal aplicativo seja acessado, os governos entregam dados e informações, mas não fazem o cadastro e muitos estudantes e professores não conseguem acesso. Quando conseguem acessar, precisam concordar com as políticas de privacidade e autorizar o acesso de dados dos próprios aparelhos pessoais e de conexão.
A entrega de informações, inclusive de menores de idade sem autorização de responsáveis, de bancos de dados de órgãos públicos, a oferta e aceite pelo governo desse tipo de relação são questões que também estão por trás da aplicação do EAD.
O projeto da burguesia para Educação pública é o lucro e adaptação ao desemprego
Dessa forma, podemos entender o projeto da burguesia e suas propostas de EAD para a Educação pública. E o momento atual, com a limitação da mobilização política, tem sido a oportunidade para os governos destruírem todo o caráter público da Educação básica no Brasil e entregarem para a iniciativa privada, conforme já ocorreu em outros países. Com essa intenção, sob a liderança da Unesco, já foi lançada, durante a pandemia, a “Coalizão Global pela Educação” para impulsionar políticas de EAD.
As propostas de EAD, além de afetarem o ensino-aprendizagem, também representam uma grande ameaça às condições de vida e de trabalho dos docentes. Sua implementação no ensino superior representou, ao longo dos últimos anos, uma situação de precariedade e, até, de fechamento de postos de trabalho sem precedentes. Muitos professores são bolsistas, não têm qualquer estabilidade, têm remuneração inferior e carga de trabalho extenuante. Além disso, não têm em geral qualquer autonomia pedagógica, com materiais e conteúdos vindos de cima para baixo.
Tudo isso está sendo imposto, nesse momento, de forma ainda mais avassaladora na Educação pública básica, o que atinge a classe trabalhadora de conjunto.
O uso de “pacotes educacionais prontos” para EAD tira por completo a autonomia do professor e coloca em discussão até a sua “necessidade” no processo de trabalho, como no caso da empresa EAD Laureate, que substituiu professores estáveis não por outros mais baratos e precarizados, mas por computadores.
Embora os professores preocupem-se com o acesso dos estudantes à Educação, muitos não são favoráveis ao EAD. Porém, são obrigados a aderir sob assédio velado ou explícito com ameaças de suspensão de salário ou abertura de processo administrativo. Nesse momento, de pandemia, existe uma pressão de governos e gestões de universidades e escolas para o retorno às aulas, mostrando até mesmo desumanidade e desrespeito à vida. Esse tema será desenvolvido num próximo texto.
O projeto de Educação pública gratuita tem que ser o da classe trabalhadora
Certamente, sob outras condições, o uso da tecnologia poderia amenizar, mesmo que de forma bastante limitada, o problema da interrupção das aulas presenciais. Contudo, nas condições da sociedade capitalista encontradas pela classe trabalhadora, principalmente nesse momento de pandemia, o avanço dessa tecnologia tem representado apenas a manutenção da lucratividade com produtos e para empresas; a entrega do dinheiro público para a iniciativa privada e a adaptação da Educação pública (que atende os filhos dos trabalhadores) a um mundo do trabalho dominado pelo desemprego e pela precariedade.
Esse brutal ataque à classe trabalhadora e a seu direito à Educação pública, gratuita e de qualidade necessitam ter respostas urgentes, inclusive nesse momento de pandemia.
Necessitamos também construir urgente de um projeto educacional anticapitalista que não aprofunde as desumanidades, que seja pela vida e não pelo lucro, que contribua para a organização da classe trabalhadora cotidianamente para as lutas contra as desigualdades sociais, por moradia, emprego e pelo direito a todos os serviços públicos com qualidade.
Não ao EAD!
Investigação imediata das empresas de aplicativos na Educação! Fim do uso de aplicativos pagos e privados!
Suspensão do calendário anual escolar!
Fim do ENEM!
Replanejamento das atividades escolares, referentes ao período de pandemia, de forma democrática com toda a comunidade escolar/acadêmica!
Não ao retorno às aulas durante a pandemia!
Dedetização de todas as escolas, institutos, universidades e bairros!