Nota conjunta das organizações Ofensiva Socialista e Emancipação Socialista
A entrega de mercadorias está na moda em tempos de pandemia, quando a recomendação oficial é que as pessoas fiquem em casa.
O isolamento social, para ser efetivo mesmo, tem incluído o pacote completo: home office, pagamento de contas pelo app do banco, compras de mercado, de farmácia e de restaurante com entrega em domicílio e em geral realizadas online. Pronto! Quem segue à risca as orientações, tem o pacote e fica em casa acompanhando pela Net ou pelo Google o desenrolar dos acontecimentos tem o passaporte de sucesso validado na quarentena.
Caso você se encaixe na categoria antropológica “pessoa” com esse passaporte acima, o diálogo se dirige. Sendo uma “pessoa”, você, certamente, tem um emprego, mora sozinho ou com até três familiares e tem condições de dividir os espaços de seu doce lar de modo a respeitar a individualidade de todos os habitantes.
Do outro lado, a entrega que chega à sua porta tem um ser humano da mesma espécie que você, também sujeito à contaminação por coronavírus, com a seguinte diferença: Não está em isolamento, foge da onda de desemprego que assola o país com a pandemia ou, num passado nada remoto, já não encontrava emprego formal. Partiu para um trabalho “sem compromisso de horário ou dias”, sem vínculo empregatício, “totalmente livre”, porém, sem nenhuma segurança de retorno financeiro ou de sua sobrevivência.
Caso você esteja com a entrega de uma pessoa dentro de sua bag, pedala em meio aos carros por longas jornadas diárias, você, indivíduo do modo de produção capitalista, ocupa um local destinado historicamente aos distribuidores de riqueza material, mas da riqueza não se apropria: um trabalhador, em meio a toda essa classe trabalhadora em movimento
Alienação Batizada ou Empreendedorismo
O mecanismo da luta de classes como motor da História, responsável pela sucessão de modos de produção, foi desvelado por Marx e Engels em seus estudos. Para fazer parte do capitalismo, o trabalhador precisa: Primeiro, estar alienado politicamente e não ser representado pelo Estado, que atende aos interesses da classe dominante. Segundo, também estar alienado economicamente sem possuir os meios de produção e nem os instrumentos para que seja realizada.
O fenômeno da uberização, no entanto, consiste em uma remodelação da alienação econômica, pois agora o trabalhador, visto como um micro empeendedor, é obrigado a pagar pelos instrumentos de trabalho que utiliza, como se houvesse um acordo entre partes iguais (trabalhador e donos das plataformas de tecnologia).
Os Entregadores de aplicativos, entretanto, reconhecem que são a parte frágil dessa associação. O documentário Vidas Entregues – dirigido por Renato Prata Biar e lançado no final do ano passado no Rio de Janeiro – tratou do drama desses trabalhadores, empurrados para essa ocupação pelo desemprego e em busca de projetos de vida, sempre envolvendo um emprego estável.
Em depoimentos marcantes, os entrevistados explicam como lidam com as diversas regras impostas pelas empresas. Em caso de cancelamento de pedido, por exemplo, uma empresa pode deixar com o Entregador o lanche e outra prefere descontar todo o valor em seu pagamento.
O trabalhador que pedala para os aplicativos é, em geral, negro, recém-desempregado, tem entre 18 e 22 anos, mora na periferia e ganha em torno de R$ 936,00 por mês. Sua jornada diária de trabalho é extenuante, não apenas por chegar até a 10 horas, mas também pelos riscos que envolve. Entregadores pedalam entre os carros, não sendo incomum envolverem-se em acidentes. Não recebem indenização quando machucados, nem são remunerados se adoentados. E adoecem mesmo: lombalgia, espasmos musculares, contraturas. São problemas decorrentes do esforço físico elevado e da dificuldade de equilibrar o peso da carga na bicicleta.
O estresse não fica por aí. Podem ficar até duas horas esperando uma corrida. Pela lógica aprendida com o marxismo, podemos concluir que essas duas horas não pertencem ao trabalhador e são de quem o contratou. Porém, não há vínculo empregatício explícito. Esse tempo não é remunerado, embora fique à disposição da empresa. Por isso, o Ministério Público de São Paulo compreende como possível o reconhecimento desse vínculo em suas investigações.
O instrumento de trabalho não fornecido pelas empresas que arregimentam esses trabalhadores disfarça ainda mais o contrato da força de trabalho e a extração de mais valia. Cada empresa tem um acordo: uma bag pode ser vendida por R$ 60, pode ser fornecida sem custo em troca do cadastro na empresa ou ter o valor de R$ 80 descontado conforme os ganhos do Entregador.
Em todos os casos, é bem evidente a relação extremamente desigual em que o capitalista dita as regras do jogo e o empregado oferece seu bem mais precioso que é sua força de trabalho e, ainda, oferece ao mesmo tempo os próprios instrumentos com os quais será explorado, nada de empreendedor.
Trabalhadores de todos os APPs, Uni-vos!
A mentira de que “quem oferece sua força de trabalho em condições tão precárias é um empreendedor” já não vem sendo mais bem aceita por grande parte da classe trabalhadora. Nesse período de pandemia ficou mais uma vez evidente que aqueles que não possuem emprego formal estão entregues à própria sorte, muitas vezes sequer conseguem acesso ao auxilio emergencial de míseros R$ 600 devolvidos pelo governo federal. A verdade é que todas as facilidades foram reservadas aos patrões, pois podem demitir parte dos funcionários e reduzir seus salários. Boa parte destes novos desempregados recorrerão ao espectro da uberização para sobreviverem.
Na quarta feira, dia 1° de julho, os trabalhadores de aplicativos farão sua primeira greve. Já se formou um movimento, Entregadores Antifascistas, que compareceu no ato de 7 de junho em São Paulo e está se organizando na luta por direitos, para enfrentar fascismo e o racismo cotidiano. O líder do movimento organizou um abaixo-assinado em que exige álcool em gel e alimentação, por isso foi bloqueado das plataformas. A solidariedade que esperam dos clientes é que acessem os APPs e avaliem com a pior nota neste dia.
O Coletivos Ofensiva Socialista e Emancipação Socialista saúdam a organização dos trabalhadores Entregadores de APPs. Só com a força de toda a classe trabalhadora unida será possível a construção de uma sociedade sem a cruel exploração do homem pelo homem que marca a humanidade há milênios em todos os continentes. Que um dia todos os seres humanos se vejam livres da realidade de fome que acomete parte da classe trabalhadora.
“Você já imaginou a tortura que é andar com fome carregando comida nas costas?” A desigualdade social simbolizada nessa frase de um Entregador, que viralizou há alguns dias, retira a dignidade de maioria da população na sociedade capitalista. Um mundo sem miséria, com a riqueza necessária produzida e repartida igualmente será obra construída pelos próprios trabalhadores/as: Todo apoio à Greve de Entregadores em 1° de julho!