Comecemos pelo óbvio: a alimentação é, junto com a água, essencial para a vida. É algo básico para a sobrevivência. E por que tantas pessoas, nessa sociedade, não têm acesso a esse essencial e básico?
Como se pode comemorar o aumento da produção de grãos e do desenvolvimento da tecnologia no campo enquanto latifundiários e grandes indústrias faturam alto no momento em que grande parcela de trabalhadores e trabalhadoras morre também de fome no país.
Um problema como esse é de gestão governamental ou estrutural, consequência do capitalismo?
Além da pandemia, a fome insiste
A divulgação de resultados da pesquisa “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, organizado pela Rede PENSSAN, somente expôs os números de algo que temos presenciado no dia a dia: o aumento do desemprego, da população em situação de rua e de pedintes são alguns exemplos.
No Brasil, são 117 milhões de pessoas com algum tipo de dificuldade em ter alimento adequado, ou seja, próximo de 55% da população brasileira. Desses, 73 milhões de pessoas em insegurança alimentar leve (incerteza quanto ao acesso no futuro e qualidade inadequada); 24 milhões de pessoas em insegurança alimentar moderada (privação severa de acesso) e outros 19 milhões com insegurança alimentar grave (relatos de quem passa fome). Portanto, são crianças, jovens, adultos e idosos sem a garantia de ter algum alimento durante o dia.
Essa é a situação de nossa gente no contexto da pandemia, mas que já vem piorando nos últimos anos.
A fome é parte de um projeto econômico
É verdade que houve o agravamento da situação econômica com a pandemia, mas o problema da fome já é antigo em nosso país e desde 2014 a população sente a sua piora e a das condições de vida.
Essa piora tem como principal causa, no Brasil, o aprofundamento das medidas neoliberais aplicadas por governos capitalistas nas últimas décadas (PSDB, PT, MDB, etc.) e que resultaram em mais desemprego, na diminuição da renda e no corte de políticas públicas.
Milhões de pessoas em insegurança alimentar no Brasil |
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Tipo de insegurança alimentar |
2017-2018 |
2021 |
Leve |
56 milhões |
73 milhões |
Moderada |
18,6 milhões |
24 milhões |
Grave |
10,3 milhões |
19 milhões |
Com Bolsonaro e todo o seu governo essas medidas se aprofundam ainda mais, intensificam a miséria e, junto com a pandemia, aumentam o extermínio de uma maior parcela da classe que sobrevive de seu próprio trabalho, que já não tem o básico e a cada dia está ficando sem o essencial.
O próprio IBGE já reconhecia esse problema antes da pandemia. Os dados de 2017-18 já indicavam quase 85 milhões de pessoas em insegurança alimentar, distribuídos: 56 milhões com insegurança alimentar leve; 18,6 milhões com insegurança alimentar moderada e 10,3 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave.
Entendemos que as consequências da pandemia são parte desse projeto econômico pois, como temos dito, tem muito dinheiro no país e está sendo usado para manter, proteger e privilegiar os ricos enquanto não temos leitos suficientes nos hospitais que atendem a classe trabalhadora.
Além disso, são trilhões de reais entregues aos banqueiros e especuladores como pagamento de juros (quanto mais paga, mais a dívida cresce), como reservas internacionais depositadas em bancos dos Estados Unidos e bilhões de juros aos banqueiros brasileiros pela “sobra de caixa” (o que não conseguiram emprestar) depositada no Banco Central.
Enquanto isso, sequer aumentam a taxação sobre a riqueza dos ricos que pagam menos impostos que os pobres.
A fome no Brasil é estrutural
Quando tratamos da miséria no Brasil vemos que, durante toda a nossa história, o povo brasileiro conviveu e convive com a fome que se manifesta das mais diversas formas: nos altos índices de mortalidade infantil, nos severos casos de subnutrição, etc.
Como simbologia dessa história o geógrafo Josué de Castro, na década de 40 do século passado, chamou de “homem-caranguejo” as pessoas que buscavam a sobrevivência nos mangues de Recife. E, nos anos 90, ainda no Nordeste, ressaltou a vida dos chamados “homens-gabiru”, pessoas muito abaixo da estatura média (nanismo) em decorrência da subnutrição.
Nas grandes cidades a fome e má alimentação também se manifestam de diversas formas inclusive em problemas de saúde, baixa aprendizagem, violência, etc. Muitas vezes são amenizadas por ações de solidariedade das pessoas com distribuição de alimentos, roupas, etc. e são importantes. No entanto, não acabam com a fome de fato, pois a fome de hoje volta amanhã. Acabar mesmo com a fome no país (e no mundo) não depende de ações individuais ou imediatas, mas de distribuir a riqueza para quem a produz, ou seja, a classe trabalhadora. Só assim teremos uma vida decente, sem fome e sem miséria.
A condição econômica e social da classe trabalhadora no Brasil e na América Latina – imposta pelo capitalismo e suas classes dominantes – se baseia na superexploração da força de trabalho, quando o salário (ou renda), em muitos casos, sequer é suficiente para alimentar a família.
Reformas Trabalhistas (tiraram direitos) e Previdenciárias (cortaram aposentadorias), fim de programas sociais, cortes de verbas, destruição da Educação e Saúde, etc. são partes desse mesmo modelo econômico implementado no país durante toda sua história.
Portanto, afirmamos que a miséria e a fome são partes da condição histórica e é estrutural no Brasil, ou seja, produtos do capitalismo. E são agravadas a cada governo com a intensificação da exploração e com o envio da riqueza, por nós produzida, para os países imperialistas.
Nos governos do PT também houve fome
Em recente discurso Lula disse que, no seu governo, todo trabalhador comia picanha e tinha tirado o Brasil do “Mapa da Fome”. Mas, sabemos que não foi assim, não condiz com a realidade.
Reconhecemos a importância de algumas políticas públicas como o Bolsa-Família, programa de apoio ao pequeno agricultor, etc. para que parte da população tivesse acesso à alimentação. No entanto, esse problema não se resolveu e a fome segue destruindo vidas.
Programas como esse não mexeram, nem se propunham a mexer, na estrutura econômica do país, ou seja, nas causas dos problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora brasileira:
Primeiro, continuou existindo quem passa fome. E o critério (utilizado pela própria ONU) para sair do “Mapa da Fome” é que menos de 5% da população não ingiram as calorias recomendadas.
Os dados da PNAD (IBGE) de 2013, no período de governos petistas, apontavam a existência de 7,2 milhões de brasileiros com insegurança alimentar grave (passando fome!) e existiam 52 milhões em alguma situação de insegurança alimentar (sem acesso diário à comida de qualidade e na quantidade satisfatória), representando 22,6% dos domicílios do país, quase 1 em cada 4 casas.
Dessa forma, mesmo oficialmente estando foram desse Mapa, milhões de pessoas continuavam sem nada para se alimentar.
Segundo, esses programas foram temporários (o número de famintos voltou a crescer), não atacaram as causas da fome na história brasileira, dependiam de aprovação no Orçamento anual, foram sustentados naqueles níveis durante o crescimento econômico (entre 2003 e 2013 com exceção de 2009) em que os preços de commodities (petróleo, soja, milho, etc.) eram recordes no mercado mundial. De lá para cá esses preços caíram muito. Soja e petróleo, por exemplo, estão com os preços mais de 30% abaixo do que eram praticados em 2011. Mesmo sob Dilma, programas como Bolsa-Família sofreram cortes no Orçamento enquanto o número de desempregados seguiu aumentando.
Terceiro, esses programas sociais impulsionados pelos governos petistas não reduziram o alto lucro de empresários e banqueiros. A famosa declaração de Lula de que “banqueiros nunca lucraram tanto” é bem real. O Bolsa-Família representava 0,5% (isso mesmo, meio por cento!) do PIB. Em 2015 só 0,4% do PIB (fonte: CNMT/CUT).
Foram valores tão irrisórios que serviram para expandir, por um período, o acesso à alimentação e outros programas sociais que, diante de tanta riqueza, a burguesia não se colocou contra. Ao contrário, apostou na possibilidade de acomodação política de setores mais pauperizados. E as reclamações ficaram por conta da classe média, que incapaz de entender a razão de sua decadência econômica, passou a colocar a culpa nos pobres com sua fome.
O problema é mundial e é causado pelo capitalismo
O que acontece no Brasil segue a tendência mundial de aumento do número de famintos nos últimos anos. Segundo a FAO (Agência da ONU para Agricultura), nos últimos 5 anos, mais de 60 milhões de pessoas entraram no grupo de insegurança alimentar grave e não ter garantia de alimentação diária.
No total, em 2019, haviam 750 milhões de pessoas passando fome e ao considerar a insuficiência alimentar moderada, esse número pula para 2 bilhões de pessoas. São quase 1/3 da humanidade, como se fossem “10 Brasis”. Nesse mesmo ano, 31,7% da população da América Latina e do Caribe passavam por insegurança alimentar moderada ou grave.
A mesma FAO alerta que a pandemia fez agravar esse quadro e 3,3 bilhões de pessoas poderão perder o acesso aos meios de subsistência.
A atual produção de grãos pode alimentar a população mundial
O sistema capitalista tem muitas contradições: Produz riqueza na mesma proporção que produz pobres; constrói novas mercadorias destruindo o meio ambiente, etc. Na Agricultura também é assim, pois produz 2,5 bilhões de toneladas de grãos, enquanto temos bilhões de pessoas sem alimentação suficiente.
Essa discrepância tem várias explicações. Algumas: a produção é para lucrar e não para atender o necessário consumo; o desperdício é para fazer elevar os preços; a criação e o controle de patentes (só um pode produzir determinado produto) deixaram os preços mais altos, deram às empresas multinacionais o direito sobre as sementes e dificultaram o acesso de pequenos agricultores; a prioridade dos governos em financiar a produção do agronegócio e dos latifundiários dificulta a pequena produção, que historicamente atendeu o mercado interno e garantiu comida na mesa do trabalhador. Também destacamos a especulação imobiliária com uma enorme quantidade de terras destinada à valorização e ao lucro.
Mas, para fazer essa atual produção de grãos zerar a miséria e a fome precisamos de uma Reforma Agrária que distribua as terras para trabalhadores rurais e suas famílias plantarem; que quebre as patentes de empresas multinacionais, como Cargil e Monsanto, para controlarmos as sementes e permitir o acesso dos pequenos agricultores; que dê apoio financeiro à produção de orgânicos para permitir maior acesso aos alimentos e melhor qualidade.