No último período, muitos ativistas honestos despertaram interesse pelo stalinismo e suas variantes (maoismo, castrismo, etc.) acreditando que o chamado “Socialismo Real” seria uma alternativa ao sistema capitalista decadente.
Precisamos recuperar a história de correntes políticas na luta de classes mundial e sua colaboração com o imperialismo, os métodos de perseguição, assassinatos de revolucionários, campos de concentração, traição às muitas revoluções como, por exemplo, a Revolução Espanhola de 1936, etc.
A recente polarização sobre os protestos em Cuba (com apoio ao regime) e o silêncio sobre a restauração da Economia de Mercado (patrocinada pela burocracia castrista) são expressões e continuidade do stalinismo.
No Brasil, o crescimento da Unidade Popular Pelo Socialismo (defesa explícita de Stálin e do modelo cubano como referencial socialista), o crescimento editorial de Domenico Losurdo (1941-2018) e a audiência de Jones Manuel (PCB em “nova” guinada e, de fato, sem nunca romper com o stalinismo) nas redes sociais são expressões do ressurgimento do stalinismo no país.
Os chamados neostalinistas que, seguem o que Stálin e seus seguidores fizeram na ex-URSS, continuam falsificando a História, distorcendo e mentindo sobre seu papel na contrarrevolução na Rússia em luta revolucionária (destruição de soviets, burocratização do partido, as perseguições, etc.), traição de revoluções (como o desarme das resistências grega e italiana no pós-guerra para cumprir o acordo de divisão da Europa com o imperialismo), dentre outros.
Portanto, resgatar os fatos históricos é fundamental para afirmarmos uma alternativa anticapitalista – que não passe novamente por um “socialismo” burocrático e repressor de um punhado de dirigentes parasitas privilegiados – e socialista em que a democracia plena seja exercida pela classe trabalhadora.
Stálin: dirigente da Revolução Russa de 1917 à chefe máximo da burocracia
Josef Stálin ingressou no Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) em 1899. Na cisão do POSDR, entre bolcheviques e mencheviques se alinhou aos primeiros. Participou na Revolução de 1905, foi preso várias vezes e exilado. Entrou no Comitê Central bolchevique em 1912 e em 1917 foi o terceiro mais votado, atrás somente de Lênin e Zinoviev. Conhecido por pouco habilidade escrita e oratória, teve papel secundário na insurreição de outubro.
Com Zinoviev e Kamenev foram contra transformar a Revolução burguesa em Revolução operária. Defendiam que primeiro na Rússia desenvolvesse o capitalismo e somente depois estaria colocada a tarefa da Revolução operária. Assim, defendiam o “apoio crítico” ao governo burguês de Kerensky. Esse posicionamento foi derrotado por Lênin, que junto com a base de trabalhadores do partido aprovaram o caráter operário (anticapitalista) da Revolução. Trótski e importante grupo de operários fortaleceram a posição de Lênin no partido.
Os cinco anos de Guerra Civil (esmagou a contrarrevolução burguesa), a crise econômica e social, fome, desemprego, etc. criaram um ambiente hostil que permitiu o fortalecimento da burocracia pequeno-burguesa no interior do partido, do Estado e de centenas de milhares de burocratas, que passaram a agir na preservação de seus privilégios materiais.
Após a morte de Lênin e se apoiando nessa burocracia, Stálin ganhou projeção e foi eleito Secretário-Geral do partido. Começou impor várias mudanças para enfraquecer o poder direto da classe operária como a indicação de diretores das fábricas pelo partido (apadrinhados), a dissolução dos soviets, indicações de aliados políticos no aparato do Estado e das Forças Armadas, perseguição à Oposição, inclusive, com o assassinato da maioria de membros do Comitê Central que havia dirigido a Revolução.
Lênin, adoentado, no texto chamado de seu “Testamento político”, já havia alertado para o processo de burocratização e do perigo que Stálin representava. Como medida propôs a ampliação da Direção do partido, o ingresso dos melhores trabalhadores do partido nas fábricas e apontou Trotsky como o seu sucessor. No entanto, na cúpula do partido, Stálin contou a princípio com a colaboração de Zinoviev e Kamenev para isolar Trotsky, principal defensor da internacionalização da Revolução.
Stálin: “socialismo em um só país” e derrotas de várias revoluções
Essas mudanças tiveram consequências, não é possível colocar todas aqui. E recomendamos pesquisas sobre o processo chinês; a questão agrária e coletivização; o controle sobre a Internacional Comunista; a orientação de romper a aliança com a social-democracia na Alemanha para enfrentar o nazismo; dentre outras.
A necessidade de expansão da Revolução para outros países, principalmente ricos, sempre foi considerada pelos bolcheviques como fundamental para a consolidação da Revolução na Rússia. Mas, aproveitando de derrotas em outros países como a Revolução Alemã, Stálin passou a defender a teoria do “socialismo em um só país”, o que negava a teoria internacionalista do marxismo resumida na frase de Karl Marx “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”.
Isso significava não apoiar a luta revolucionária no mundo, orientando os partidos a fazerem acordos com as burguesias locais. Foi assim na China, de 1925-27, com a revolução operária e organismos soviéticos, ao invés de estimular e apoiar, a orientação stalinista foi de apoiar Chiang Kai-Shek, nacionalista burguês, que ao chegar no poder esmagou os operários revolucionários.
Na Alemanha, a partir do fortalecimento do nazismo no início da década de 30, num zigue-zague e linha ultraesquerdista houve a recusa de Frente Única operária entre trabalhadores comunistas e social-democratas, com a afirmação de que os social-democratas eram piores que os adeptos de Hitler. Essa não é a única causa da vitória dos nazistas, mas certamente contribuiu muito. O resto da história já sabemos.
Na Revolução Espanhola houve outra traição stalinista. Ao seguir orientação da III Internacional controlada por Stálin, o PC espanhol apoiou o governo burguês de Negrin, defendeu uma linha política para fortalecer a República e deixar a Revolução socialista para outro momento, deixou à mercê os militantes do Partido Operário Unificado Marxista (POUM), os trotskistas e os anarquistas. Essa divisão facilitou a vitória do General Franco na Guerra Civil, ajudado pelos nazistas e fascistas.
A mesma linha de capitulação a governos de Frente Popular foi aplicada na França com o apoio ao governo de Léon Blum. Em 1936, ocorreram várias greves com ocupações de fábricas. Em mais uma vez, o PC francês seguiu as orientações de Moscou, sabotou esse processo e não impulsionou a luta da classe operária francesa, política que contribuiu para a derrota do movimento operário e, em seguida, para a ascensão de Marechal Pétain, aliado dos nazistas.
Para coroar tantas traições o acordo assinado Molotov-Ribbentrop, no Pacto de não Agressão entre Hitler e Stálin, redundou na invasão nazista à Polônia em 1939 e iniciou a barbárie da II Guerra Mundial. Acordo que desmoralizou o movimento operário internacional e foi descumprido, em menos de dois anos depois, por Hitler, com a invasão nazista à URSS.
A memória de uma Revolução ainda recente e as conquistas alcançadas possibilitaram a resistência heroica do povo soviético, a expulsão do invasor nazista em 1943 e a mudança da correlação de forças, que possibilitou a derrota do nazifascismo em 1945.
O resultado dessa política foi a insistência em apagar a tradição revolucionária internacionalista, ensinamento do marxismo, pois não se constrói uma sociedade socialista se não for uma luta mundial, única forma de acabar com a dominação da burguesia.
Fim da III Internacional, “coexistência pacífica” com imperialismo e novas traições
Com o fim da II Guerra Mundial os países imperialistas e a ex-URSS negociaram uma “nova ordem mundial” com os Tratados de Ialta e Potsdam. Um pacto contrarrevolucionário entre Estados Unidos, Inglaterra e URSS. Foram estabelecidas as zonas de influência soviética e as do imperialismo. Stálin também se compromete com o fim da III Internacional e em orientar os Partidos Comunistas a não tomarem o poder na Itália, França e Grécia. Na Iugoslávia, Tito foi criticado por “conferir um caráter comunista a uma guerra nacional”. Nesse acordo, a Alemanha (com um dos proletariados mais importantes do mundo e sob controle do exército soviético) é dividida a fim de salvar o capitalismo na Alemanha Ocidental.
A tese de “coexistência pacífica” entre os dois campos foi incorporada por todos os Partidos Comunistas do mundo (implicava em não desenvolver lutas revolucionárias) e por direções como Tito na antiga Iugoslávia, Mao na China, mais tarde Ho Chi Min no Vietnã e Fidel Castro em Cuba.
E seguiu balizando também novas traições de Partidos Comunistas como o PCB no Brasil, que apoiou o governo nacionalista burguês de João Goulart. Como aconteceu na França, no Maio 1968, quando o Partido Comunista pactuou com o presidente De Gaulle (escondido na Alemanha) e salvou a V República.
Na conta das traições stalinistas e das consequências da política de “coexistência pacífica” com o imperialismo estão a recusa em impulsionar o avanço do processo revolucionário chileno e apostar em uma via “pacífica, lenta e gradual” para chegar ao socialismo. Os “Cordões Industriais”, formas de organização operária de base, foram deixados “à própria sorte”.
Na Revolução dos Cravos, em Portugal 1974, o forte Partido Comunista Português, fiel seguidor de Moscou, serviu de contenção à radicalização e fez parte, inclusive, dos governos provisórios de caráter burguês.
Na Revolução Nicaraguense em 1979, a última “Revolução Clássica”, quando poderia e deveria avançar para a reforma agrária e nacionalização da economia optou-se por entregar o poder para a velha burguesia, via eleições. O apoio e participação dessas direções “neostalinistas” no Acordo de Contadora (negociou a entrega de armas pelas guerrilhas de El Salvador, Guatemala) e junto ao castrismo (área de influência) enfraqueceram os movimentos revolucionários do continente.
“Nova versão” do stalinismo
Uma característica ainda atual do stalinismo é ser sem dizer que é. Aparece sob várias outras formas como “não precisava matar Trotsky” e “é preciso entender Stálin no seu tempo”. E em meio aos textos aparecem frases como “Stálin derrotou os nazistas”, o que despreza o papel da resistência do povo russo. Outro argumento utilizado é o que Stálin “levou um país agrário à exploração da Lua”. Sem dúvida foi um grande salto que ocorreu, apesar de Stálin.
Como sabemos a propriedade privada é o grande entrave da humanidade e somente deixando de existir possibilitará saltos gigantescos no avanço de uma sociedade socialista. Portanto, a história nos mostra que a socialização dos meios de produção (controle e democracia operárias) e o espalhamento da Revolução pelo mundo são imprescindíveis para uma nova era da humanidade. Mas, o stalinismo e a burguesia mundial, até aqui, conseguiram privar a humanidade desse feito.
A política de “coexistência pacífica”, desenvolvida pelo stalinismo, foi um processo que contribuiu para a grande derrota de restauração capitalista nos “Estados de economia planificada burocrática”, no fim dos anos 1980 e início dos 90.
Com a crise estrutural do capital, cujas vísceras do sistema foram expostas em 2008, a política stalinista continua a produzir grandes derrotas. Ora, com a política isolacionista como a desenvolvida pelo Partido Comunista da Grécia (KKE) durante a luta da classe trabalhadora contra o governo do Syriza e de Aléxis Tsípras (ao convocar suas próprias manifestações, não lutar pela Frente Única para incidir sobre os partidos reformistas e, assim, disputar a direção majoritária movimento operário). Ou como no Chile em 2019, onde todos os protestos e Greve Geral foram congelados pela reação democrática e pelo processo de Assembleia Constituinte, com o apoio do Partido Comunista Chileno.
Direção stalinista e ativistas simpáticos ao stalinismo
Em resumo: O stalinismo não foi e não é uma alternativa para derrotar o sistema capitalista, por continuar reivindicando traições históricas, forma de Estado burocrático (vide Cuba) com sua lógica e a estrutura teórica (defesa permanente de Frentes Amplas, controle burocrático do aparato, ilusões na democracia burguesa, etc.).
Esses graves problemas não estão diretamente relacionados à base de ativistas e novos militantes, são resultados diretos das direções dos partidos e organizações stalinistas. Portanto, seguimos marchando com militantes sinceros e honestos nos combates, mas, ao mesmo tempo, fazendo o debate do que representa o stalinismo na história da luta de classes: um desvio forçado de um processo revolucionário que poderia ter mudado a história da humanidade.
Resta-nos aprender com essas lições da história e construir uma verdadeira alternativa de esquerda para trabalhadores e explorados, baseada na perspectiva da Revolução Socialista e de construção do socialismo como necessitar ser: democrático e antiburocrático.
Os Processos de Moscou
Para consolidar o poder, a burocracia esmagou grande parte da geração que fez a Revolução. Em 1927 Trotsky, Zinoviev e Kamenev, que formaram a Oposição Unificada com outros comunistas históricos, foram perseguidos no partido que ajudaram a construir. Trotsky foi expulso em 1929. Zinoviev e Kamenev, para sobreviverem, capitularam. Em seguida, Bukharin também foi perseguido.
De 1936 a 1938, Stálin promoveu um expurgo. Foram mortos 950 mil a 1,2 milhão de soviéticos, com 98 membros da direção do partido. Da velha guarda bolchevique, que dirigiu a maior Revolução da história, somente sobreviveu o próprio Stálin, o seu braço direito Molotov e Alexandra Kollontai (já não vivia no país, era embaixadora nos países escandinavos). Trotsky, a mando de Stálin, foi assassinado em 1940 no México.