O trabalho remoto chegou para ficar e, na verdade, não surgiu agora. Há décadas já era visto como um privilégio de executivos e altos funcionários com cargos especializados. Reuniões virtuais, que envolviam cérebros fisicamente distantes uns dos outros, pareciam um luxo inacessível à maioria da classe trabalhadora, ocupada com atividades relacionadas à produção da vida material.
Já refletíamos sobre essas mudanças no mundo do trabalho, mesmo antes da pandemia, por percebermos o movimento contínuo de descaracterização da ideia de coletividade, de desfiguração de muitas categorias profissionais, etc. O também chamado de home office afasta, do local de trabalho no dia a dia, o trabalhador de seus iguais. Em alguns locais (empresas, instituições públicas, etc.), quando ocorre todos os dias ou, por exemplo, a cada duas semanas já é suficiente para não juntar mais os funcionários de um mesmo setor.
Problema semelhante enfrentam os professores, independentemente de aulas virtuais, pois os períodos de trabalho são diferenciados numa mesma instituição: há docentes com 10, 20 ou 40 horas/aulas semanais; outros não vão todos os dias aos mesmos locais de trabalho mas, em contrapartida, dão aulas em mais de uma instituição. Assim, alguns não se encontram nunca.
Podemos considerar, então, que a pandemia de Covid-19 apenas antecipou um mundo em que o trabalho virtual predomina em alguns setores ou é um coadjuvante importante. Vejamos o comércio. Lojas físicas fecharam por meses no mundo todo. O desemprego, no caso brasileiro, foi incontrolável. Os sites de vendas, porém, seguiram firmes com menos funcionários e gerando lucros para os patrões. Restaurantes fizeram o mesmo e muitos, sem tradição de entregas, apelaram para os aplicativos garantirem o nome dos estabelecimentos e os lucros dos donos.
Com a questão de precisar esvaziar os ambientes, muitas atividades estão se perpetuando na modalidade online e para a classe trabalhadora isso gera muitos problemas.
Alguns dos problemas aumentados e enfrentados pela classe trabalhadora
Primeiro, atinge usuários que precisam ter internet à disposição e saber usá-la. Idosos, pessoas com dificuldades econômicas e baixa escolaridade encontram enormes entraves para solicitar serviços, fazer compras ou marcar consultas. E, muitas vezes, tornam-se dependentes de terceiros. No caso de escolas públicas estão sendo realizadas parcerias com empresas de tecnologia privadas. E, como os governos estão insistindo para que o ensino permaneça híbrido, a conta dessas parcerias será paga pela população, mesmo com o imenso contingente de estudantes em exclusão digital.
O segundo problema é o desemprego. Muitos trabalhadores/as estão sendo mandados embora. Um exemplo é uma gravação de voz, com opções de números para serem teclados, substituir uma telefonista. Por um site pode ser feito reclamações. Num restaurante, com o cliente fazendo seu pedido por tablet dispensa o garçom; cardápios online diminuem atendentes; delivery reduz a necessidade de limpeza dos ambientes físicos; etc. Há duas décadas e meia, com a introdução de caixas eletrônicos percebemos a redução em massa do número de bancários. Hoje, há ainda uma forte pressão para que as operações bancárias aconteçam majoritariamente via celular e tem-se a difusão do PIX, por exemplo.
O terceiro problema é o aumento da extração de mais-valia. O trabalhador é assediado por constantes ordens enviadas por e-mails, whatsapp, listas internas, etc. e sem respeitar o local, horário e a jornada de trabalho. Cada trabalhador/a tem dispensado muito mais tempo ao seu trabalho, sem conseguir diferenciar momentos privados de atividade laborais.
Esse trabalhador gasta mais com luz, internet, manutenção de máquina, refeições, organização de estrutura do ambiente para trabalhar (banheiro, cadeira, mesa, ventilação, limpeza, etc.) e, dessa forma, gasta mais com o que a empresa deixou de gastar. Não ocorreu aumento de salário e nem auxílios para reposição de todos os gastos.
Além de todos esses problemas estarem relacionados, um trabalhador/a em home office faz tarefas que outros trabalhadores/as, agora desempregados/as, estariam realizando em suas jornadas de trabalho como limpeza, alimentação, segurança do prédio, etc.
Para os patrões os ganhos seguem com menos gastos, exploração com maior pressão e até mais lucros. Além disso tudo, com a tranquilidade em saber que tiram o sono dos trabalhadores que, anestesiados em suas casas ou absorvidos pelo home office, se sentem distantes de desesperados desempregados/as, de precarizados ou dos/as expostos à farsa do empreendedorismo e da uberização que desagregam também na luta de classes.
Assim, defendemos que o desenvolvimento tecnológico deva ser acompanhado de imediatas redução da jornada de trabalho e geração de novos empregos a fim de que a maioria da população desfrute de seus benefícios. Na sociedade capitalista, essa riqueza produzida pela classe trabalhadora tem sido utilizada para o aumento da exploração e até contra as nossas próprias vidas. Somente numa sociedade socialista a tecnologia servirá ao bem-estar de toda a população.