A luta do povo negro nos EUA
Após a retomada das lutas do povo negro nos EUA, principalmente na cidade de Fergunson em 2014 após a morte de um jovem pela polícia e da morte do negro George Floyd, também pela polícia, (desta vez o policial foi filmado com o joelho em seu pescoço que o asfixiou), foram motivos para a criação do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) que sacudiu o país e irradiou mobilizações pelo mundo. Estas lutas denunciaram diversos assassinatos de pessoas negras de forma violenta e principalmente por ação de policiais.
Por um lado, o debate identitarista que trata sobre a representatividade negra, tomou maiores proporções, pois ressalta a importância de se mostrar mais pessoas negras, suas demandas e realidades como forma de evidenciar essa parte da sociedade que historicamente é negada esse espaço. Entendemos que ainda que seja importante essa ocupação de espaço, ela por si só é limitada, pois pode e é rapidamente absorvida pelo sistema capitalista, que “empodera” algumas figuras públicas negras e colocam a ideia que de qualquer pessoa pode chegar lá (e a falácia meritocrática permanece).
Por isso, entendemos que o racismo é estrutural ao sistema capitalista que impulsiona essa desigualdade para existir (ainda que faça propaganda ao contrário), e não realiza mudanças profundas na sociedade para enfrentar de fato, o racismo. Assim, mesmo que coloque figuras negras em locais de destaque, não altera a organização de nossa sociedade, em que a maioria da população negra possui os empregos menos remunerados, a mais baixa escolaridade, a maior parte da população carcerária, a maior taxa de mortalidade, principalmente por armas de fogo e são as maiores vítimas de ações policiais.
A luta do povo negro impacta em Hollywood
Essa contextualização é necessária para embasar nossa análise do filme, mas antes disso precisamos contextualizar como Hollywood sentiu o impacto das mobilizações do povo negro nos EUA.
Em 2016 a maior premiação do cinema, o Oscar, foi denunciado pelo movimento de artistas #OscarSoWhite (OscarTãoBranco em tradução livre), que apontava que por dois anos seguidos, a premiação só indicou atores e atrizes brancos entre os mais de 20 indicados nestas categorias, o que fez a organização da premiação ampliar as pessoas que escolhem os vencedores, que eram em sua maioria, homens brancos. Mobilizou de tal forma que em 2017, o filme vencedor da principal categoria, Melhor Filme, foi Moonlight, com a questão do povo negro como foco principal da película.
Além disso, muitos gêneros de filmes também começaram a dar destaque para a questão racial: há muito tempo, o diretor Spike Lee faz filmes com essa temática, principalmente em dramas como “Faça a Coisa Certa” (1989) e “Infiltrado na Klan” (2018), no gênero terror, Jordan Peele mostrou destaque com filmes como “Corra!” (2017) e “Nós” (2019), nos filmes de ação e super-heróis, tivemos esse destaque com “Pantera Negra” (2018) e agora “Pantera Negra: Wakanda para Sempre” (2022) e até filmes brasileiros recentes trazem essas questões como “Marighela” (2019) e “Medida Provisória” (2020).
Já os filmes épicos que tentam resgatar momentos históricos, o destaque sempre foi para eventos ocorridos na Europa com heróis homens e brancos como Mel Gibson em “Coração Valente” (1995) e Russel Crowe em “Gladiador” (2000).
Um filme para resgatar e retomar a luta do povo negro
“A Mulher Rei” (2022) que é inspirado em uma história real que ocorreu no continente africano (e foi gravado lá) com uma atriz negra e de grande prestígio como Viola Davis no papel principal chama a atenção.
Ao mostrar um lado da nossa história mundial, sobre como a sociedade no continente africano (nesse caso, o Reino de Daomé, hoje o atual Benim) se estruturava enquanto um povo e lidava com os colonizadores (que no filme é retratado pelos portugueses) que chegavam para escravizar esse povo e faziam negociações com seus líderes, é necessário que seja contada, que se mostre as diversas e complexas nuances daquela realidade.
O filme, ainda que resgate essa questão e outras, como as Agojie, o agrupamento de mulheres guerreiras que defendiam o reino, cai na armadilha do personalismo e o foco individual na história da personagem principal, Nanisca, que traz motivações individuais para todas as ações: enfrenta o inimigo que lhe causou mal no passado, protege a guerreira iniciante pelo passado que se descobrem em comum, com dramas cansativas ao filme, deixando em segundo plano, as motivações coletivas de seu grupo em se defender dos europeus que vinham escravizá-los.
Assim mesmo que o filme seja importante pelo seu papel de cumprir de informar a existência do processo de escravização do povo africano e os danos que isso causou na história da humanidade, o faz de forma limitada sob uma perspectiva identitarista, sem apontar de fato, a lógica de destruição do povo negro para o interesse mercantil.