Desde o Brasil Colônia Estado e religião-religiosos sempre se misturam na política brasileira. Serviu para justificar o massacre dos povos indígenas pelos colonizadores, alegando que os nativos não tinham alma, a evangelização forçada dos indígenas pelos jesuítas como forma da Igreja Católica “ganhar novas almas”, a participação de religiosos como Frei Caneca na Revolução pernambucana (1817) e na Confederação do Equador (1824) ou o papel desempenhado pelo Padre Feijó para conseguir a unidade do território nacional frente às diversas revoltas seccionais. Uma dessas revoltas foi aquela considerada a maior revolta dos escravos do Brasil Império, a “Revolta do Malês”. Ela aconteceu em Salvador, em 1835, mobilizando 600 escravos pela liberdade. A maioria dos revoltosos era muçulmana, mas muitos eram adeptos de religiões de matriz africana.
Nos primeiros anos da República s revoltas de Canudos e do Contestado também tiveram religiosos como lideranças. As duas grandes revoltas do período (na Bahia, a Guerra dos Canudos -em 1896-1897- e no Paraná e Santa Catarina, a Guerra do Contestado -1912-1916) tiveram semelhanças entre si, como o messianismo de Antônio Conselheiro em Canudos e do monge José Maria no sul do país. Outro ponto convergente foi o massacre feito pela “República Velha” e seu exército: mataram 25 mil em Canudos e oito mil na revolta do Contestado.
Com a “República Nova” e em seguida com a ditadura do Estado Novo, Getúlio Vargas resgatou a figura de Tiradentes (líder revolucionário da Inconfidência Mineira que foi enforcado e esquartejado) para afirmação do nacionalismo varguista. Tiradentes, na propaganda do governo, era apresentado com uma imagem semelhante a Jesus Cristo.
1964: A Marcha de Deus com a Família
O Golpe de 1964 também foi marcado pela combinação de política e religião: as marchas “da Família com Deus pela liberdade”, sob a liderança de ultradireitistas católicos e da burguesia pró-imperialista, dirigiram setores da classe média com a histeria anticomunista e contra o suposto ateísmo dos militantes de esquerda.
Na resistência ao Golpe de 1964, entretanto, setores progressistas do clero católico tiveram um papel fundamental nas manifestações de massa de 1968. Posteriormente, religiosos dominicanos se vincularam à luta armada como apoio logístico à Ação de Libertação Nacional de Carlos Marighela. Desse grupo, Frei Tito se suicidou em 1974, por conta dos transtornos mentais causados pelas torturas que sofreu.
1978: das CEBs à contraofensiva ideológica dos setores de extrema-direita católica, dos pentecostais e neopentecostais.
No processo de redemocratização do país, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), junto com as Pastorais da Terra e Operária, tiveram atuação progressista na retomada das greves e dos sindicatos, na fundação do PT e da CUT, do MST e na ocupação de terras e lutas populares. Nessas lutas um novo mártir surgiu: Padre Josimo Morais Tavares, assassinado em 1986, em Imperatriz do Maranhão.
Com a cruzada conservadora e antiesquerda do papado de João Paulo II, as CEBs e as Pastorais foram desarticuladas. Processo combinado com a queda do Muro de Berlim e dos Estados “burocráticos” no Leste Europeu e o fortalecimento do neoliberalismo no mundo. Outro fato importante foi a ação do Vaticano estimulando a liderança do católico praticante Lech Walesa, defensor da restauração capitalista na Polônia.
Como expressão da barbárie capitalista, surgiu uma imensa massa de miseráveis, subempregados e trabalhadores superexplorados, comunidades carentes de serviços públicos, etc.
Como a esquerda se desvinculou dos movimentos sociais e da base e não se constituiu como alternativa à ofensiva capitalista, as Igrejas pentecostais, neopentecostais e a extrema-direita Católica (Canção Nova, Carismáticos, Centro Dom Bosco, etc) ocuparam o vácuo e se consolidaram principalmente nas periferias. O assistencialismo foi um dos elementos que ajudou a alavancar o chamado Mercado da Fé.
Com isso, ao longo de três décadas, se consolidaram como um importante bloco político elegendo parlamentares em todos os níveis. A maioria dos eleitos são da extrema-direita e têm como base política as pautas conservadoras. Apresentaram candidatos presidenciais em 2014 (Pastor Everaldo, preso), em 2018 (Cabo Dacciolo) e agora Padre Kelmon. Bolsonaro se apoiou nesse setor tanto para se eleger em 2018, quanto agora na tentativa de reeleição.
Chama a atenção a estrutura empresarial dessas igrejas controlando centenas de emissoras de rádio, canais e vários programas de televisão, arrecadação milionária, enfim, uma máquina de fazer dinheiro, domesticando as pessoas e enriquecendo pastores e outros religiosos.
Como enfrentar a extrema-direita religiosa?
Um dos grandes desafios para a esquerda anticapitalista é encarar a religião e as igrejas como “problema político”, preservando o direito e a liberdade aos cultos religiosos, mas ao mesmo tempo combater a política de extrema-direita que se protege sob o manto religioso. É um fenômeno muito complexo e difícil que precisará ser superado, pois se tornou um obstáculo entre os revolucionários e o proletariado. Também é urgente porque, segundo dados do IBGE, mais de 30% da população é evangélica e outros tantos católicos que estão cada vez mais próximos dos pastores, padres e bispos charlatães.