Fomos uma das primeiras organizações da Esquerda Socialista a identificar um processo de fortalecimento e ampliação das ideias reacionárias junto a setores de massas. Primeiro, de forma mais difusa, sob a liderança “da direita esclarecida”, anticomunista e contra os movimentos sociais, mas que atuava pela institucionalidade. A eleição de 2014 com Dilma ganhando por pequena margem de votos é um dos marcos para a formação de “uma ideia coletiva” com ataques aos nordestinos, aos comunistas, agressões homofóbicas, o “vai pra Cuba”, entre outras formas de expressão. O impeachment da Dilma é a melhor demonstração de como essa Direita procurava agir por via institucional, ainda que por manobras. Lembrando que nessas eleições o agronegócio, as Igrejas e deputados e senadores apoiados pela indústria das armas tiveram um grande crescimento com um congresso nacional dos mais reacionários;
É importante destacar que avanço de ideias ultraconservadoras é parte de um processo mundial, tanto em países imperialistas quanto da periferia do sistema. Trump nos EUA, Aurora Dourada na Grécia, Alternativa para a Alemanha, Le Pen na França, governos da Hungria e da Polônia, Democratas suecos de inspiração neonazista e agora Giorgia Meloni na Itália, além de vários países na América Latina com a extrema direita próxima de ganhar as eleições no Peru, Chile, Colômbia, crescimento eleitoral na Argentina e no Brasil. Esses exemplos são dos setores mais radicais, alguns defendendo abertamente posições nazistas, mas não se pode esquecer que a “direita institucional” tem muito peso também;
Esse processo ficou mais explícito e ganhou a atenção da maioria dos militantes e intelectuais de Esquerda a partir da eleição de Bolsonaro em 2018, que mostrou uma força social poucas vezes vista no Brasil, a ponto de muitos militantes e organizações temerem o fechamento do regime, o que não ocorreu, não por falta de vontade de Bolsonaro, mas por não ter encontrado apoio na grande burguesia e no imperialismo. Ou seja, se em um primeiro momento a direita apelou para as instituições para questionar a reeleição de Dilma e em seguida o impeachment, a partir do governo Bolsonaro passa a defender expressamente medidas antidemocráticas, como o fechamento do STF, ampliar poderes de Bolsonaro, o retorno da Ditadura Militar, etc. É uma atuação aberta;
A eleição de 2022 tem dois marcos: o primeiro é a crise econômica e social que se profundou no país. Já vem de muito antes, mas a pandemia acelerou vários dos efeitos; o segundo é a extrema-direita procurado se consolidar, ampliar suas forças e a presença no parlamento. Numa primeira análise podemos dizer que conseguiram se desvencilhar – ainda que parcialmente- da responsabilidade da crise desviando a causa das crises para a pandemia e a guerra na Ucrânia e o segundo, independente de Bolsonaro ser eleito ou não, explicitamente houve um fortalecimento eleitoral com a eleição de vários expoentes do reacionarismo, como Damares, Salles, Magno Malta, Moro e um longo etecetera. A expressiva votação em candidatos como Zema em Minas, Tarcísio em São Paulo, Onyx no Rio Grande do Sul e Castro no Rio de Janeiro retrata até com mais exatidão esse processo de fortalecimento da extrema-direita;
Assim, podemos dizer que o conteúdo do voto, nessas eleições, foi um voto conservador e em uma parte importante também reacionário, de apoio explícito às ideias reacionárias. A consequência é que, ao menos nesse primeiro momento, saem fortalecidos os setores golpistas, a extrema-direita e com um congresso com força para completar o ciclo de ataques aos direitos sociais e trabalhistas. Mesmo parte significativa dos votos em Lula estão ancorados em suas alianças à direita. Outro elemento que reforça essa caracterização é votação pífia da esquerda anticapitalista (PSTU, UP e PCB). Os eleitos pelo PSOL, com pequeno crescimento, foram setores mais “light” dos partidos e a representação do identitarismo não classista. Guardando as especificidades e diferenças profundas entre esses partidos, predomina um voto mais conciliador.
Precisamos aprofundar o estudo da realidade brasileira para compreendê-la em sua totalidade, mas os indícios são de que, a partir do resultado primeiro turno, podemos afirmar que houve um salto de qualidade na inserção da extrema-direita junto às massas, demonstrando que já há um enraizamento maior do que tínhamos detectado. É mais forte em alguns setores como no Neopentecostalismo, regiões com predominância lumpen (como as controladas pela milícia no Rio de Janeiro), os extratos superiores da pequena burguesia, agronegócio e grandes proprietários agrários, setores policiais e até das Forças Armadas. E, qualitativamente diferente de 2018, está mesmo relacionado ao atraso da consciência e adesão às ideias reacionárias;
Nesse processo, até mesmo a “direita institucional” perdeu relevância (PSDB, MDB…). Seu desempenho eleitoral foi muito abaixo dos votos na extrema direita. A derrota em São Paulo e a votação apertada do PSDB no Rio Grande do Sul, a quantidade de votos em Simone Tebet são expressões desse processo. Não é por acaso que há uma relocalização de parte desse setor, como Rodrigo Garcia em São Paulo que pulou para o barco do bolsonarismo. Nesse sentido é possível detectar a polarização entre Bolsonaro e Lula deixando pouco espaço para os demais partidos e candidatos. É uma polarização no marco da gestão do capital.
Reconhecendo que a classe trabalhadora via em Lula a única possibilidade de derrotar Bolsonaro, a reafirmação da existência de posições classistas e revolucionárias era uma necessidade. Pelo próprio desenrolar do debate se mostrou o quanto era fundamental demarcar a posição anticapitalista no processo eleitoral, demonstrar que a esquerda não se restringe ao lulo-petismo.
É preciso reconhecer que são posições extremamente minoritárias na sociedade e principalmente nos setores mais pauperizados da classe trabalhadora. Um resultado que se agravou pela posição sectária dos partidos legalizados (PSTU, UP e PCB) que optaram por se construírem em detrimento de apresentar uma proposta programática unificada para debater com a classe trabalhadora, propostas como não pagamento da dívida pública, reforma agrária, Petrobrás 100% estatal, entre outros pontos. A divisão fragilizou ainda mais a esquerda anticapitalista, pois, num universo de 156 milhões de eleitores, juntos, só conseguiram próximo de 100 mil votos na seguinte ordem: UP, PCB e PSTU.
A realidade mostrou o erro histórico da direção desses partidos, um erro que isola ainda mais as posições socialistas revolucionárias. Foi correto, mesmo com todas as contradições, chamar o voto em uma dessas três forças, incluído as candidaturas solidárias da CST pelo PSTU.
Esse cenário é a demonstração de como a questão da consciência de classe é um elemento importante e tem impactado na realidade. A base material para esse processo é a profunda crise econômica-social que coloca em debate as saídas. De um lado, a democracia burguesa já deu mostras de sua incapacidade de solucioná-la e cada troca de governo novas desilusões. De outro lado, há a crise de alternativa socialista (momento histórico que a humanidade não enxerga o socialismo como alternativa) que objetivamente é um obstáculo para a ação dos revolucionários na realidade. A extrema-direita foi muito hábil em identificar e incorporar a ideia de “antissistema” e, diante da busca por alternativas, a extrema-direita conseguiu esse lugar;
A realidade concreta é cheia de contradições e entendê-las é fundamental para poder intervir nela e modificá- la. Uma organização que não entende a realidade a partir de suas contradições inegavelmente terá uma política ou sectária ou oportunista, dois lados de um mesmo erro metodológico. O resultado eleitoral nos colocou diante de uma situação que não gostaríamos e muito menos é a ideal. Lembrando Marx: “Os homens [seres humanos] fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
Estamos em uma conjuntura marcada pela possibilidade de Bolsonaro se eleger para mais um mandato de 4 anos e com mais força no congresso nacional. Uma vitória de Bolsonaro vai fortalecê-lo para medidas ainda mais duras contra a classe trabalhadora. Mesmo considerando todas as críticas a Lula e a seu projeto político de gestão do capital, a vitória de Bolsonaro representará uma derrota para a classe trabalhadora, afetando as lutas futuras. É essa realidade que precisamos responder.
A formação das alianças no segundo turno aponta como será um segundo governo Bolsonaro: uma aliança do que tem de mais reacionário no Brasil. Ronaldo Caiado, Zema, Onyx Lorenzoni, Rodrigo Garcia, Ratinho Júnior, Claudio Castro, Igrejas neopentecostais, agronegócio, etc. É uma frente inimiga da classe trabalhadora.
Não temos nenhuma ilusão em Lula e nem em seu projeto político de conciliação de classe, mas, nas condições atuais, a derrota eleitoral de Bolsonaro depende da vitória de Lula no segundo turno. Nesse momento a prioridade é derrotar esse governo responsável por milhares de mortes na pandemia, pelos ataques à Educação Pública e em luta constante para acabar com as já restritas liberdades democráticas.
É considerando esses elementos que Emancipação Socialista, nesse segundo turno, declara Bolsonaro não! Derrotar Bolsonaro e a extrema-direita: voto crítico em Lula e em São Paulo, contra Tarcísio de Freitas: voto crítico em Haddad! Enfrentar Bolsonaro com organização: formar comitês de base nos locais de trabalho e estudo. Impulsionar as mobilizações e construir uma alternativa de luta e socialista. Contra Bolsonaro: revogação das reformas, contra o desemprego, redução da jornada de trabalho sem redução do salário, etc. Tomemos as ruas!