Nas últimas semanas, exemplarmente, a morte de duas mulheres trabalhadoras da imprensa mais uma vez choca quem acompanha a longa agonia do povo palestino. No dia 12 de maio foi assassinada a jornalista palestino-americana da rede al-Jazeera Shireen Abu Akleh, quando forças israelenses dispararam deliberadamente contra ela com um tiro na cabeça enquanto cobria ataques do Exército israelense na cidade de Jenin, no norte da Cisjordânia ocupada. Destaca-se que a jornalista vestia um colete escrito “imprensa” e mesmo assim foi baleada por trás, indicando que estava tentando fugir enquanto as forças israelenses atiravam e não havia qualquer combate ativo na região. Trata-se de uma morte deliberada visando impedir as informações sobre chacinas israelenses, criticadas mesmo na imprensa burguesa.
Vinte dias após, foi a jornalista Ghufran Harun Hamid Warasneh, com um tiro no peito, quando se dirigia para o seu primeiro dia de trabalho na área jornalística, na cidade palestina de Hebron (Cisjordânia ocupada). Em ambos os casos as tropas de Israel dificultaram a chegada das equipes médicas, demonstrando ser um modus operandi.
Esses trágicos exemplos representam uma fração da tragédia global da ocupação israelense estabelecida desde 1948 (ver cronologia especial que complementa esta matéria no site da Emancipação Socialista – colocar link). Desde então, milhares de palestinos foram expulsos de seus territórios. A perseguição nazista e os milhões de judeus mortos na Guerra facilitaram a propaganda do sionismo (setor mais reacionário do judaísmo)- de que os judeus precisavam de um lar e ele era no lugar onde os palestinos moravam há milênios.
Mas logo Israel tornou-se um Estado reacionário e com forte apoio das potências imperialistas que financiam um amplo sistema de segurança para garantir sua sobrevivência enquanto Estado.
Israel é um Estado que se impôs pela guerra e que se estabeleceu em meio a esse cenário. Assim, mobiliza todas as suas capacidades e recursos militares para garantir a sua soberania ultrarreacionária. É a 18ª força armada mais poderosa do mundo (dados do Global Firepower em 2022), apesar de suas reduzidas dimensões territoriais, e destina às despesas militares mais de 5% de seu PIB, aproximadamente 23 bilhões de dólares por ano. Tal poderio bélico foi construído como forma de se impor pelo poder-força, combinando recursos financeiros internos com contribuições dos países imperialistas, como os Estados Unidos. Tal apoio se dá com o objetivo de colocar Israel como “representante do imperialismo na região”. Apesar dos conflitos constantes é o representante colonialista e imperialista que mantem sob o chicote do capital os povos que cercam o antigo território palestino.
A classe trabalhadora após a Nakba
Nakba é um termo árabe que significa “catástrofe” ou “desastre”. É utilizado para se referir a ocupação da antiga Palestina e a expulsão do seu povo através do plano sionista de um Estado judeu em conluio com as principais potências, inclusive do stalinismo. O chamado bloco soviético empenhou seu apoio à causa sionista do Estado judeu na prática ate o início da década de 1950.
Cerca de 156.000 palestinos permaneceram no que se tornou Israel em 1948, os quais tinham seus movimentos controlados e as autoridades israelenses regularam rigidamente seus movimentos e empregos fora de suas aldeias. Fato bastante desfavorável à organização da classe e, obviamente, à vida sindical, amplamente controlada pelo Estado judeu.
A lógica reacionária e ultra repressiva aos não judeus (milhares de pessoas consideradas como não-cidadãs ou cidadãos de segunda classe no território israelense) tem como objetivo impedir a organização da classe trabalhadora, tanto a israelense quanto a árabe-israelense. Assim, a Nakba dispersou e enfraqueceu a classe trabalhadora (árabe-israelense) ao mesmo tempo em que Israel se consolidava como estado pró imperialista e reacionário.
Ressalte-se que mesmo no Egito, um dos opositores históricos à formação do Estado de Israel, as greves se tornaram efetivamente ilegais no período no qual Gamal Abdel Nasser governou: tal restrição se aplicou à Faixa de Gaza controlada pelos egípcios nas décadas de 1950 e 1960.
Os trabalhadores nos territórios ocupados desde 1967
Apesar da crise brutal e dos constantes ataques militares, os palestinos seguiram como uma parcela importante da força de trabalho nos territórios ocupados. Após a ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza (consequência da guerra árabe-israelense de 1967), dezenas de milhares de palestinos desses territórios passam a trabalhar em Israel e, dramaticamente, parte destes acabam trabalhando na construção de novos assentamentos judaicos e a consequente dispersão e limpeza étnica dos palestinos.
A quantidade de trabalhadores só cresceu nas décadas seguintes. Somando os ‘permitidos’ e os ‘sem permissão’ supõe que são aproximadamente, um terço da força de trabalho assalariada palestina.
As condições de trabalho eram precárias e com poucos direitos sindicais e sociais, inclusive muitos recebiam menos de um salário mínimo legal, mas fazer greve para remediar isso estava fora da normalidade institucional.
No final dos anos 1970, as quatro principais facções políticas palestinas – Fatah, a Frente Popular para a Libertação da Palestina, a Frente Democrática para a Libertação da Palestina e o Partido Comunista – tinham como principal política a luta de libertação nacional, pois para a maioria destes dirigentes a ocupação era um problema maior do que o capitalismo, algo como primeiro a luta pelo Estado palestino e depois a luta de classes.
Mesmo com essa situação ocorreram várias greves na Cisjordânia até o final da década de 1980, com destaque aos trabalhadores da educação. A Primeira Intifada de 1987-1991 teve muitas greves -equivalentes a uma greve geral- na Cisjordânia e na Faixa de Gaza como parte da luta contra a ocupação reforçando as reivindicações dos trabalhadores palestinos.
Em janeiro de 2021, oitenta trabalhadores palestinos entraram em greve na fábrica Yamit, fábrica de filtros de água no parque industrial Nitzanei Shalom, onde todos os proprietários são israelenses. Haviam se organizado como um sindicato de esquerda israelense independente chamado Maan, o único sindicato disposto a se organizar nesta situação politicamente difícil. Nesse território as leis trabalhistas israelenses não protegem os trabalhadores palestinos, pois seu local de trabalho não é “tecnicamente” em Israel, o que significa mais exploração. A paralisação foi uma espécie de “aperitivo” para a greve geral palestina de 18 de maio do mesmo ano.
Em um dos materiais de divulgação o tema da luta contra a ocupação tem muita força: “Aqui, de toda a Palestina ocupada, lhe pedimos que se una à nossa greve geral e dia de ação na terça-feira, 18 de maio. Partindo de Jerusalém e se estendendo por todo o mundo, pedimos seu apoio para manter este momento de resistência popular sem precedentes. Enquanto os bandos colonialistas e a ocupação israelense continuam uma campanha de violência e limpeza étnica contra o nosso povo em Sheikh Jarrah, Gaza e mais além, continuaremos nosso levante popular até que conquistemos a libertação de nossas terras e de nosso povo”.
Além da greve geral, estava colocado mais um dos tantos embates entre Israel e Hamas.[1] No dia 10 de maio mais de duzentos palestinos haviam morrido em função de bombardeios israelenses contra Gaza. Dias antes o Hamas lançou foguetes contra Israel como resistência aos planos de expulsão de palestinos em Jerusalém Oriental e por ataques israelenses à mesquita Al-Aqsa. Mais uma ação que pode ser qualificada como ‘terrorismo de Estado”.
No dia da greve, as ruas ficaram desertas nas áreas de maioria árabe em Israel e nos territórios ocupados. Segundo a direção da greve, mais de 90% dos negócios não abriram em bairros árabes na cidade de Haifa. Na Cisjordânia, houve adesão em cidades como Hebron, Jenin e Nablus. Palestinos num clima de unidade se reuniram em praças para agitação e criticar as políticas do governo colonialista israelense.
Foi uma demonstração importante da possibilidade de uma luta ampla e que unificou os territórios e as diversas facções palestinas mesmo em um contexto bastante difícil
Os trabalhadores na Faixa de Gaza
A Faixa de Gaza é um território palestino localizado a oeste de Israel, na fronteira com o Egito. Marcada pela pobreza e superpopulação, tem 1,7 milhões de habitantes e está lotada de favelas em uma área de menos de 40 km de extensão. A vida é duríssima.
Em 1967, a região foi tomada por Israel na Guerra dos Seis Dias e, em 2005, entregue aos palestinos para fazer parte do Estado da Palestina. Mas, até hoje a autonomia de Gaza é relativa porque boa parte das fronteiras, territórios aéreos e marítimos estão sob controle israelense.
Com a vitória eleitoral do Hamas em 2006, as restrições impostas por Israel à população de Gaza ficaram ainda mais duras, com bloqueios que dificultam o abastecimento de produtos básicos, como remédios e comida, para a população mais pobre. Além disso, há cortes de energia frequentes e faltam serviços básicos como saúde.
A economia local está em frangalhos. Também há restrições para atividades como agricultura e pesca. A taxa de desemprego ultrapassa os 40%: cerca de 20% de seus habitantes vivem em situação de profunda pobreza sendo que a renda por habitante se situa em torno de 1.400 dólares/ ano.
Diante dessa situação muitos trabalhadores acabam indo trabalhar em Israel, desempenhando trabalhos de menor remuneração, atuando como entregadores, pedreiros ou atendentes em comércios e restaurantes mesmo tendo formação superior. Sem direitos trabalhistas e com salários que variam entre US$ 78 e US$ 218, bem abaixo que um trabalhador israelense ganha, mas acima do que se ganharia em Gaza. Cobertura contra acidentes – importante para quem se desloca por grandes distâncias para trabalhar-, apenas se seu empregador concordar em pagar pelo seguro, o que raramente acontece.
A partir de 2019, o sionismo voltou a conceder permissões para homens casados com mais de 26 anos que atendam a certos critérios de segurança, afinal, os palestinos são importantes para girar a roda do capitalismo judeu. Nos últimos meses, as autoridades israelenses emitiram 12.000 autorizações que se somam aos mais de 133 mil palestinos atualmente nesta situação: seus ganhos sustentam uma população de mais de meio milhão de pessoas fora das fronteiras israelenses. 92% da economia palestina depende de pequenos negócios e de trabalhadores palestinos que trabalham em Israel.
Mesmo antes da crise pandêmica, esses milhares de trabalhadores estavam sujeitos às discriminações das ‘autoridades’ como a famigerada “permissão de movimento”. Nos pontos de entrada para Israel, onde milhares tentam cruzar diariamente, sofrem humilhações e quando entram não gozam dos mesmos direitos dos israelenses. Há ainda os intermediários israelenses e palestinos – máfias que os forçam a pagar taxas astronômicas para conseguirem autorização para simplesmente atravessarem a fronteira.
Na pandemia, o governo israelense continuou permitindo a entrada destes trabalhadores em seu território. Ao mesmo tempo, houve a intensificação do monitoramento e da repressão. São verdadeiras fronteiras de apartheid que não apenas segregam palestinos de israelenses judeus, mas também privilegia palestinos jovens e capazes, teoricamente mais produtivos.
A luta dos trabalhadores e do povo palestino alijados de suas terras e dignidade só pode ser vitoriosa com a derrota política do Estado israelense. Mas, há um problema, pois as lideranças tradicionais como a direção da OLP e da ANP,[2] abandonaram a mobilização de massas armada como métodos centrais de enfrentamento contra a ocupação priorizando acordos, negociações e compromissos com os sionistas (a maioria nunca cumpridos).
Um ou dois Estados?
A saída socialista e revolucionária deve ser a construção de um Estado laico, democrático e que congregue o proletariado multiétnico no território da Palestina, onde todos possam viver em paz, independentemente de sua religião, origem étnica ou posição política. Tal visão está ligada estrategicamente a constituição de uma Federação Socialista entre os povos da região, propostas que pressupõem derrotar a potência militar israelense.
Para haver alguma possibilidade de mudança na realidade é preciso fortalecer todas as formas de luta contra a ocupação israelense e apoiar o direito legítimo à resistência do povo palestino contra as forças israelenses e fortalecer a unidade dos trabalhadores articulados ao movimento antissionista que existe em Israel.
O Partido Comunista de Israel, o Centro de Informação Alternativa, o Movimento Filhos da Terra são organizações que contam com a participação de israelenses contrários à ocupação e a favor de um Estado palestino. Será preciso lutar, ao mesmo tempo, pela construção deste Estado multiétnico abrindo condições mais favoráveis a isso e também superando politicamente a OLP e a ANP favoráveis a organização de dois Estados, como definido pela ONU em 1947.
O Hamas surgiu nos anos 1980 como uma organização de orientação islâmica (sunita) e atualmente possui atuação na Faixa de Gaza. Assim, apresenta um serviço social, que procura dar apoio a palestinos em necessidade, e um braço político, que governa a Faixa de Gaza e tem forte presença legislativa. Também possui um braço armado, o qual realiza ações militares contra Israel. Os países imperialistas consideram tal organização como “terrorista”.
Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é uma organização política formada em 1964 com o objetivo de lutar pela independência da Palestina que teve um papel centralizador dos vários movimentos de resistência clandestinos utilizando tanto da luta armada e de massas (organizou a Intifada, por exemplo) como da diplomática. Já a Autoridade Nacional Palestina (ANP) surgiu em 1993. A partir dali a ANP constituiria um poder independente que representaria a identidade nacional palestina. Instalada em Gaza e Jericó, depois de ter sido determinada a autonomia destes territórios em relação a Israel pelo Acordo do Cairo, a ANP não tem autonomia plena nos territórios e sofre o cerco constante do sionismo.