Uma profunda crise social na América Latina
Na América latina, são 28 milhões de desempregados e desempregadas (OIT), na extrema pobreza são 86 milhões e em situação de pobreza 201 milhões (CEPAL). São 60 milhões de pessoas passando fome. Outras 267 milhões estão em “insegurança alimentar” (sem garantia de ter o que comer).
A juventude não consegue emprego, aproximadamente 25% está desempregada e dos que estão empregados, 60% está na informalidade, sem nenhum direito trabalhista. As mulheres também são mais atingidas pelos efeitos das crises: enquanto a taxa geral oficial de desemprego é de 9,2%, para as mulheres é de 11,3%. Povos originários e aqueles que vivem em regiões periféricas do continente também estão entre os que mais sofrem com essa situação.
De uma maneira geral podemos dizer que o capitalismo é o responsável por essa situação, mas é importante identificar as especificidades, como é o caso das várias formas de transferências da riqueza produzida no Continente para os países ricos, como o histórico do pagamento da dívida pública, as remessas de lucro e o controle sobre minérios e petróleo.
Nas regiões agrárias dos países, onde grandes proprietários de terras e o agronegócio dominam as plantações para exportação, a fome é uma realidade cotidiana para milhões de famílias.
Há ainda o colapso dos serviços públicos, fruto das privatizações que o neoliberalismo impôs nos países do nosso continente, dificultando e até impossibilitando o acesso a atendimento médico, educação, transporte, etc.
É uma realidade para a imensa maioria do povo, mas para um punhado de pessoas, a situação é bem confortável. São os ricos, banqueiros, empresários e latifundiários, todos aqueles que vivem da exploração do trabalho alheio, escancarando uma absurda desigualdade social. Enquanto a população é de aproximadamente 650 milhões de pessoas, o número de bilionários (patrimônio com mais de 1 bilhão de dólares) é de apenas 104 bilionários, com um patrimônio de mais de 500 bilhões de dólares.
Um processo de questionamento das políticas neoliberais
Esses dados sociais são resultados de anos de aplicação dos ajustes e planos econômicos ditados pelo imperialismo, através do Banco Mundial, FMI, BID, etc. Governo após governo os direitos sociais foram retirados e o Estado foi apropriado por grupos econômicos (principalmente financeiros como os bancos), restando pouco espaço para políticas públicas de atendimento às necessidades sociais.
E nesse sentido que, nos últimos anos, presenciamos várias rebeliões populares, como no Peru, Bolívia, Costa Rica, Honduras, Chile, Equador, Colômbia, etc. Nesses dias, inclusive, o povo do Equador novamente se levanta contra o caos social a que estão submetidos. É uma resposta a todos esses problemas que atingem os pobres do continente latino americano.
Essa é uma situação que se estende a praticamente todos os países e até mesmo àqueles governados por essa “esquerda institucional”, pois também aplicaram os mesmos planos econômicos exigidos pelo mercado, ou seja, planos de ajustes contra a classe trabalhadora.
Essas lutas e mobilizações na prática se enfrentam com os planos neoliberais que são aplicados por esses governos, inclusive por aqueles ditos de esquerda, como por exemplo, na Argentina que a insatisfação vai se refletindo no revezamento entre governos de direita e da “esquerda institucional”.
Outro elemento importante é que a maioria das mobilizações tem a juventude como protagonista, o que se explica pelo sentimento de desesperança com um futuro igual ou pior que o presente.
Essa também é a explicação para o que acontece na Colômbia. Depois de décadas aplicando a fundo os planos neoliberais, surge um amplo processo de mobilização, greves e enfrentamento contra as forças policiais, levando a um desgaste inédito desse modelo econômico. A impossibilidade das forças políticas tradicionais atenderem essas demandas abriu espaço para a eleição de Petro, pois o povo “não aguentava mais” a mesma política econômica.
As raízes sociais da Eleição de Petro e Francia
Nós revolucionários não vemos nas eleições uma saída para os problemas sociais do mundo. Só a Revolução Socialista poderá de fato criar condições para mudanças reais em favor da classe trabalhadora.
Mas, também sabemos que, por várias razões, a classe trabalhadora ainda não está convencida da necessidade da Revolução e por isso ainda tem ilusão de que este ou aquele candidato vai resolver os problemas. O resultado tem sido frustração atrás de frustração.
Dentro desse nível de consciência, em geral, as pessoas procuram se manifestar pelas eleições. Mesmo que achemos limitado, é preciso entender as razões de a classe trabalhadora se expressar dessa forma e, enquanto esquerda, darmos a batalha para que a consciência avance.
A Colômbia é um país mergulhado numa crise social, com desemprego em 12,9% (para a juventude é de 21,1%), empregos muito precários com mais taxa de informalidade superiores a 40%, inflação anual perto de 10% (alimentos subiram 23%), graves problemas sociais no campo principalmente com a alta concentração de terra (52% das terras pertencem a apenas 1,5% da população) e muitas improdutivas, o que faz com que precise importar alimentos.
A forte presença do tráfico de drogas e os vários grupos paramilitares ligados à extrema-direita (financiados pelo tráfico e pela extrema-direita estadunidense) obriga os colombianos a conviverem cotidianamente com a violência contra a população em geral, mas principalmente contra militantes do movimento social urbano e camponês.
Foi esse quadro que, primeiro desembocou nas mobilizações populares de 2019 e depois constituiu um movimento eleitoral que elegeu Petro e Francia.
E agora, vai mudar mesmo?
Recentemente foram eleitos Boric no Chile, Pedro Castillo no Peru, Luis Arce na Bolívia, todos com o mesmo perfil político de Petro, ou seja, defendendo a possibilidade de ter algum controle sobre o capital e de que é possível ter um capitalismo “mais humano”.
Entendemos perfeitamente a alegria da população colombiana por ter derrotado um governo de direita e diretamente responsável pela crise econômica e social pelas quais a classe trabalhadora colombiana passa, mas não depositamos nenhuma ilusão nesses governos, simplesmente porque é impossível atender aos capitalistas e ao povo ao mesmo tempo.
E as primeiras declarações de Petro, de que fará um governo “do diálogo, do amor e sem ódio e vingança” e que “não expropriará empresas” e “respeitará a Constituição” já deixam explícito que não vai enfrentar a velha estrutura econômica da Colômbia de privilégios aos burgueses e latifundiários.
E com isso também não vai atender as reivindicações do povo, pois diante de qualquer concessão, a burguesia vai resistir. São situações que terá que escolher um ou outro, entre acabar com os problemas sociais ou manter os privilégios dos ricos.
Até esse momento são os mesmos dilemas dos governos de “esquerda institucional” dos países citados acima e, também até esse momento, optaram por manter tudo como antes.
De nossa parte fica a confiança de que o povo colombiano vai manter sua disposição de luta e se organizar para arrancar suas reivindicações, pois é a única linguagem que esses governos entendem.