Os sinais da crise são cada mais fortes
Em relação ao desempenho da economia capitalista mundial os sinais não são bons. É o que indicam os vários dados, como produção industrial, produtividade, comércio, etc. Não é objetivo despejar um monte de números, mas há alguns que são importantes para a compreensão do tamanho do problema que vamos enfrentar no próximo período.
Em relação ao crescimento do PIB, comparando os anos de 2021 com o de 2022, a média mundial cai de 6% (2021) para 3,2%. Economias como dos Estados Unidos, Zona do Euro, China, Reino Unido, Índia puxam a fila dessa tendência. Em algumas delas, como China, Estados Unidos e Reino Unido a queda é de mais de 50%. São dados do “insuspeito” FMI.
O Banco Mundial tem índices menores ainda. De todo modo, há um consenso na burguesia mundial que a economia mundial está prestes a entrar em um período recessivo importante no ano que vem. A dúvida entre eles é a profundidade da crise e quantos países seriam atingidos.
Fruto de uma combinação dos danos econômicos da política de “covid zero” e o agravamento da crise no mercado imobiliário que representa 25% do PIB chinês, a China (que é capitalista), o motor do crescimento da economia mundial durante muitos anos, entrou em forte desaceleração com consequências importantes para os demais países do mundo.
Inflação: quem perde são os mais pobres
Combinada com as baixas taxas de crescimento há o problema da inflação, mais um elemento de desestabilização econômica.
O ano de 2022 foi marcado pela retomada da inflação em vários países do mundo, principalmente nos países ricos. Na zona do Euro é a maior desde que formou o bloco. Em novembro a média foi de 10,6%. Isoladamente: Itália (11, 8%); Alemanha (10,4%); Portugal (10,1%); Países Baixos (13,6%), Eslováquia (13,3%), Eslovênia (11,5%), Grécia (11,1%), Bélgica (10,5%) e Espanha (10,3%). Nos Estados Unidos a inflação é a maior em 40 anos. Alguns países da periferia do sistema, como Argentina e Turquia, têm inflação acima de 80%. Venezuela chega a 300% por ano.
A burguesia e seus analistas procuram dar como explicação para a inflação o aumento do consumo das pessoas, o salário dos trabalhadores e gastos públicos. Como se vê, procuram jogar a responsabilidade sobre as costas dos trabalhadores. Mas como é possível, se o povo está cada vez mais empobrecido?
Na questão da inflação, a guerra da Rússia contra a Ucrânia deve ser considerada pelo elevado grau de dependência da Europa em relação ao gás russo. E não só o gás. O preço dos metais, dos alimentos e dos fertilizantes foram muito influenciados. O problema da inflação na verdade tem causas múltiplas – até mesmo as medidas anti-inflacionárias adotadas pelos governos. Os Estados Unidos é um bom exemplo de como a situação é mais complicada do que parece, pois não têm nenhuma dependência do gás russo e mesmo assim está com inflação mais alta dos últimos 40 anos.
A realidade é que esse processo inflacionário tem como causa o que Michael Roberts (marxista estadunidense) chama de “oferta insuficiente”, principalmente na área de energia e alimentos, mas também de outros produtos e áreas econômicas. Essa baixa oferta decorre dos problemas econômicos causados pela pandemia que interrompeu produção e transporte de mercadorias pelo mundo.
Soluções que causam mais problemas
A preocupação da burguesia mundial não é sem razão, uma vez que a baixa oferta de produtos é um dos sintomas dos graves problemas que o sistema enfrenta, como a baixa produtividade, entraves na circulação de produtos, aumento de custos de produção, etc. Como são problemas que não se resolvem com política fiscal e nem monetária – as únicas armas de que dispõem-, a tendência é da inflação se manter em níveis elevados na maioria dos países.
O capitalismo é um sistema no qual um problema é reflexo de algum desequilíbrio numa parte e por sua vez vai ter consequências em outras pontas do sistema. Nesse caso específico das consequências da alta da inflação é a “estagflação”, ou seja, baixas taxas de crescimento econômico, combinadas com a inflação. Com isso diminui investimento na produção, as taxas de lucratividade diminuem, cai a produtividade, etc. É um movimento “estrutural” do sistema, não tem muito por onde fugir.
Os governos – reacionários ou progressistas- então adotam medidas que passam longe de resolver o problema. A maioria tem se apoiado no aumento da taxa de juros para reduzir a procura por mercadorias. Ora, se a inflação tem como causa a “oferta insuficiente” (de alimentos, energia, etc), de que vale atuar sobre a procura? Outra contradição dessa solução é que o aumento da taxa de juros implica em redução da atividade econômica, ou seja, a possibilidade de recessão só aumenta.
Então recorrem o que sempre almejam em qualquer situação: mexer nos salários e direitos. É a velha balela de que aumento de salário causa inflação. Marx já destruía essa tese há mais de 150 anos demonstrando que o aumento dos salários é para recompor os aumentos que já ocorreram, não tem como causar inflação.
Um detalhe político importante: os bancos centrais do mundo inteiro estão, direta ou indiretamente, controlados por bancos privados. Tudo que proporem, defenderão seus interesses. Junto com o aumento da taxa de juros logo vêm argumentos para impedir gastos públicos e outras medidas que só visam o Estado ter mais dinheiro para… pagar juros maiores aos especuladores. No Brasil podemos citar as reformas neoliberais e o teto de gasto público como exemplo dessas políticas anticlasse trabalhadora.
Em 2022, a maior onda de greves na Europa nos últimos 30 anos
Nos últimos anos milhões de trabalhadores do mundo enfrentam várias dificuldades, como a pandemia, as quarentenas, problemas ambientais, precarização do trabalho, salário em queda e a inflação. É uma realidade em todo o mundo, nos países da periferia do sistema e também nos países considerados desenvolvidos.
São todos elementos de uma profunda crise econômica e social que está em pleno desenvolvimento que, a depender dos capitalistas vai, mais uma vez, ser jogada sobre a classe trabalhadora.
A inflação corroendo o poder de compra empurrou milhares de trabalhadores europeus para a luta por direitos e aumento salarial. No Reino Unido foram os trabalhadores dos transportes sobretudo os metroviários de Londres; trabalhadores de comunicações também se mobilizaram por aumento salarial.
Na Alemanha foram os portuários, trabalhadores de hospitais e os metalúrgicos de IGttal (dois milhões de sindicalizados) se organizaram e conquistaram um aumento de 6%. Na França foram os petroquímicos e na Bélgica também os trabalhadores em transporte.
Na Espanha também ocorreu um importante levante de categorias operárias incluindo trabalhadores de uma planta da Mercedes Benz na cidade de Vitoria. Na Bélgica também ocorreram lutas importantes pela recomposição salarial. Trabalhadores dos transportes, Educação pública e aeroportuários foram a linha de frente. Até em países de pouca tradição de lutas sindicais, como Noruega e Dinamarca, também ocorreram mobilizações de petroleiros e aeroportuários, respectivamente.
2023 promete mais greves
E as lutas seguem nesses últimos dias do ano. Em várias cidades da Europa houve manifestações. Em Bruxelas, teve uma manifestação com 15.000 pessoas exigindo aumento dos salários. Trabalhadores dos transportes públicos também protestaram pelo mesmo motivo. Na Itália foi greve geral no setor dos transportes, contra o orçamento de 2023 do governo de extrema-direita de Giorgia Meloni que não prevê recompor os salários corroídos pela inflação. Na Inglaterra, trabalhadores dos transportes ferroviários realizaram greve geral de 48 horas.
E as direções
O problema da direção do movimento dos trabalhadores continua atual. De um lado, as lutas ainda não têm forças para o desenvolvimento de uma consciência de classe e formar uma nova vanguarda pela esquerda e, de outro, o velho aparato burocrático sindical continua ativo, atrasando e dividindo e desmobilizando as lutas.
É um vazio importante na luta de classes e as burocracias e burguesias se aproveitam para imporem limites nas lutas, sempre priorizando as negociações e os acordos com os patrões. É uma realidade no Brasil, Argentina, Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Inglaterra, ou seja, um problema mundial.
Isso é uma demonstração da força e a potencialidade dessas lutas, pois enfrentam de cara dois inimigos.
Outro problema é a chamada “saída eleitoral” para as crises. A falta de uma alternativa anticapitalista para as crises econômica e social do capitalismo também é um problema complicado desses tempos. Sem essa alternativa, a polarização fica entre setores burgueses, denominados “progressistas” e “conservadores”, mas ambos gestores do capital.
Com isso oferecem as promessas eleitorais como saída e, para canalizar o descontentamento que existe com as condições de vida. Esse foi o caminho para Brasil, Colômbia, Chile, Espanha, Portugal, entre outros.
De certo desse processo é que as promessas eleitorais vão para debaixo do tapete e os planos capitalistas seguem em aplicação, às vezes suavemente e outras de forma drástica.