Parcela importante da esquerda parece ignorar a agressão russa na Ucrânia. Nem utiliza o termo ‘invasão’, como quer o Kremlin e enxerga em Putin e nas relações com os chineses uma alternativa ao imperialismo e algo progressivo na geopolítica internacional. Isso não se sustenta no mundo concreto e na teoria do marxismo revolucionário.
Até as vésperas da invasão tais setores negavam veementemente a intenção de entrar na Ucrânia, era uma ‘invenção da imprensa internacional’, mesmas palavras “mini czar”:
“A Rússia tem repetidamente rejeitado todas as alegações de que planeja atacar a Ucrânia, descrevendo-as como ‘ficção’. ‘As conversas sobre a próxima guerra são provocadoras por si mesmas. [Os EUA] parecem estar pedindo isso, querendo e esperando que [a guerra] aconteça, como se quisessem fazer suas especulações se tornarem realidade’, disse o embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia”. (https://bit.ly/3IJBjC0)
Além deste desrespeito à inteligência das pessoas, Putin proibiu o uso das expressões “guerra” e ‘invasão’ para se referir aos acontecimentos da Ucrânia. São “manobras militares” e visam combater o inimigo estadunidense e a OTAN, uma guerra preventiva.
Depois da invasão consolidada foi preciso justifica-la. Neste caminho, essa foi a síntese de Breno Altman – representante da defesa russa – em artigo na FSP no dia 1/3, isentando a responsabilidade da potência regional. Segundo ele, Putin foi empurrado para ‘ataque’ ou ‘crise militar’ e, enquanto destaca o poderio ucraniano, se cala sobre o arsenal russo.
Por aqui, há quem justifique a ação de Putin
Para Altman, a Rússia está correta em impedir o ingresso ucraniano na OTAN. E, ainda, um tanto ufanista, diz que “a crise ucraniana conclui um período histórico no qual a hegemonia norte-americana era tida como incontestável. Depois de 30 anos, a ordem unipolar agoniza sob os pés de uma Rússia reerguida”. (https://bit.ly/3Ca4lbJ)
Em texto no site Opera Mundi, de 22/2, ele sugere que “o Estado burguês russo tem contradições de fundo com a ordem imperialista, pois seu desenvolvimento colide com os interesses das potências imperialistas ocidentais”. E essas contradições são a base política que aproxima Putin “com a República Popular da China, com Cuba e com governos progressistas da América Latina, ainda que não partilhe a mesma perspectiva socialista reivindicada por essas outras experiências”. (https://bit.ly/3IJ3kK1)
O autor não consegue, do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, mostrar algo de progressivo na ação de Putin em aliança com chineses. Sabemos que a história do capitalismo é marcada por disputa entre países e blocos por fatias do mercado mundial, mas a questão de fundo é o que essa ação de Putin favorece os trabalhadores? Quais seriam as nossas migalhas?
Opinamos que nada. Essa guerra não é nossa!
Os textos de Altman são parciais, embora tenham o mérito da sinceridade.
Voltando ao tema da Guerra, ao defender a tática defensiva ou preventiva, Altman desconsidera que a Rússia não foi atacada militarmente pela Ucrânia e que a invasão russa atinge civis.
Segundo Putin, a Ucrânia nem pode ser considerado como Estado Nacional, pois foi uma invenção leninista. Além de atacar Lênin (defendia a autodeterminação do povo ucraniano) ainda retoma a ideia czarista reacionária e chauvisnista de “Grande Rússia”. Isso é progressivo? Para o projeto do “mini-czar”, a Ucrânia deve ser parte da Rússia.
Ao fim e ao cabo Altman saúda a invasão e vê com otimismo o fortalecimento de um regime autoritário que coloca o mundo à beira de uma crise mundial e com ameaças de utilização das armas nucleares. O resultado é o isolamento russo e o fortalecimento da OTAN como “polícia do mundo”, algo que concretamente, se volta contra a classe trabalhadora mundial.
A política imperialista não pode ser um argumento a favor de Putin, pois na prática está reproduzindo o mesmo método. Há coerência em usar o inimigo como referência?
Putin representa a extrema-direita
Por fim, há a argumentação sobre os grupos neonazistas na Ucrânia como justificativa para a invasão. De fato, existem e são organizados como grupos paramilitares e alguns próximos ao poder de Estado. No entanto, tiveram aproximadamente 2% dos votos nas últimas eleições ucranianas, uma influência bem abaixo da extrema direita de outros países da Europa. A guerra poderá, curiosamente, fortalecer tais grupos que utilizam forte discurso russofóbico. Com essa lógica é que formaram os batalhões paramilitares e atraíram militantes.
Neste caso, aliás, cabe lembrar que Putin é de extrema direita e é referência para Marine Le Pen (França), Nigel Farage (Reino Unido) e Heinz-Christian Strache (Áustria), até Donald Trump. A postura de apoio e hesitação de Bolsonaro, aliás, não é por acaso.
Putin combate os Direitos Humanos, é homofóbico, defende os “valores morais da família” supostamente cristãos, etc., ou seja, é o contraponto das conquistas dos movimentos sociais em várias partes do planeta, mesmo nos limites das democracias burguesas.
Não é uma boa aposta para o futuro da humanidade. Putin cumpre um papel reacionário neste conflito, bem diferente da ilusão desses setores da esquerda.
Só uma coisa é certa: a classe trabalhadora mundial sairá perdendo, pois Putin, OTAN, governo ucraniano, Estados Unidos (e outros) disputam que vai explorar mais.