Dirlene Marques – professora de economia da UFMG, aposentada, feminista e militante dos movimentos sociais.
2013…Período intenso e vivido, pela esquerda, com muita esperança, tensão e alegria. Um aprendizado gigantesco. E, agora, mesmo passados 10 anos, as análises são muito diferentes. Vivenciei manifestações potentes, como, as de 1968, a luta da anistia, as diretas já, as eleições presidenciais de 1989. Mas, nada se compara a 2013. Tudo era novo e grandioso.
Estive presente desde a primeira manifestação em BH. No início, éramos milhares depois, dezenas de milhares depois, centenas de milhares. O que aconteceu em BH, se reproduziu por todas as grandes cidades do Brasil.
Quem dirigia? Ninguém e todo mundo. O protagonismo era de milhares de pessoas, de dezenas de movimentos que em meio à manifestação, em assembleia, decidiam como continuar.
E a composição? A população pobre, ligada aos movimentos por terra, teto e trabalho, sempre esteve presente nas manifestações, junto com suas organizações. Então, era diferente, com a presença massiva da juventude negra, pobre, periférica.
E as palavras de ordem? Faixas maiores diziam “Não é só por 20 centavos” ou, “Tarifa Zero” tais, a faísca para desencadear as lutas por direito à cidade. Centenas de cartazes, levados pelos manifestantes, mostravam a enorme diversidade das lutas, algumas já organizadas e, outras não, explodiam coletivamente. Cartazes, como, “saúde e educação padrão Fifa”, “Água e energia”, “asfalto”, denúncia da carestia e violência policial. Dezenas de categorias pedindo melhoria salarial, manifestantes denunciando as opressões de gênero, raça, classe, Lgbt e cartazes contra a corrupção.
A imprensa desorientada, procurando lideranças para falar pelo movimento. Lideranças antigas, reconhecidas pela imprensa, já não davam conta da grandiosidade do momento.
Como analisar essa efervescência, 10 anos depois?
Fico estarrecida quando vejo a “esquerda” institucional dizer que foram mobilizações articuladas pela direita, para desestabilizar e derrubar um governo do PT que, na sua perspectiva, estava indo muito bem. Ou, mesmo, que eram financiadas pelos EUA (sic).
Como militante social, sou pessimista na análise e otimista na ação. E, faço a análise do lado do povo explorado e oprimido deste país.
O reajuste das passagens foi a faísca para desencadear o levante popular, na luta pelo direito à cidade. Desta vez, fazendo emergir todas as insatisfações presentes na sociedade, avançando na denúncia da inutilidade do regime de representação política, que nem tocava nas questões da superexploração do povo.
O movimento desnudou a aparente estabilidade da política de conciliação de classes dos governos petistas. Os cartazes diversos, espalhados na multidão dos manifestantes, vão expressar as lutas já existentes, e as novas, que vão ter visibilidade.
Vivenciávamos um levante popular que, no Brasil inteiro, levou milhões de pessoas para as ruas, colocando na pauta política centenas de direitos não atendidos. E o Estado social-liberal conservador, por seu turno, questionado pela luta popular.
Não foi um levante da direita. Foi a explosão da insatisfação quanto a um projeto de conciliação de classes, que partia do pressuposto de que atender ao capital e às manifestações mais agudas da miséria absoluta, resolveria o problema do povo, numa sociedade de superexploração, como é a brasileira. A política desenvolvimentista, com as grandes obras e o agronegócio, atende a necessidade do capital, gera milhares de empregos de baixos salários, trazendo enormes contradições, já manifestadas nos diversos territórios.
Para a esquerda institucional era impossível perceber todas estas insatisfações. Na aparência, o governo vinha bem – reconhecido internacionalmente, recebendo grandes eventos internacionais (jogos pan americanos, copa do mundo, olimpíadas, Jornada da Juventude) e com políticas focalizadas retirando milhões de pessoas da miséria absoluta. Havia crescimento econômico que possibilitava melhoria nos indicadores sociais.
Dessa forma, não se conseguia enxergar as contradições insuperáveis deste projeto: a destruição ambiental provocada pela produção das commodities, a perda de direitos que as políticas compensatórias não dão conta de reparar, a repressão desencadeada para manter o apaziguamento social. Desse modo, acreditava-se que a crise do capital era ‘marolinha’ e que as contradições se resolveriam; contradições que, nas grandes cidades, coração do capitalismo, tornam-se insuportáveis.
Nessa incompreensão, a resposta institucional seria uma intensa repressão, com uso de força e equipamentos “nunca antes” usados contra uma manifestação popular. De outro lado, a cooptação e coerção, com a geração preventiva de novas leis, como a lei antiterrorismo, que só serve para o movimento social.
Do lado do movimento, ficou a sua capacidade de mobilização, sua força, a construção de novas formas de organização, com vitórias importantes, mas localizadas e pontuais. E, que não tiveram continuidade pois, com o recuo do movimento, o Estado capitalista avança e retoma seu espaço de lucratividade.
Como diz Mauro Iasi, a sobrevida de Dilma seria conseguida com o apaziguamento (repressão, coerção e cooptação) da sociedade. As manifestações foram derrotadas no sentido histórico, pois questiona-se o Estado Burguês, mas não se consegue derrotá-lo. E, uma vez que não existe vazio na política, esse espaço vai ser momentaneamente ocupado pela extrema direita, que já se organizava. Assim, o movimento de 2013 não consegue sair fortalecido para enfrentar essa extrema direita, que se organiza e ocupa momentaneamente os espaços das ruas e o institucional, nem o projeto de conciliação de classes, que retorna novamente, com o terceiro mandato para Lula.
O Legado de 2013 não será esquecido.