No dia 31 de março, completou 59 anos do golpe militar brasileiro.
Enquanto na Argentina, que ao fim de sete anos de ditadura militar, teve os ex-presidentes militares Jorge Videla, Roberto Viola, Leopoldo Galtieri e Reynaldo Bignone presos, no Brasil, os militares e agentes do regime militar, responsáveis pela tortura, assassinatos, desaparecimentos e ocultação do cadáveres de centenas de opositores, ficaram soltos.
Essa diferença no trato com os crimes políticos das ditaduras se deu muito em função de que no Brasil, ao contrário do que aconteceu na Argentina, ocorreu uma transição negociada do chamado Estado de Exceção para a “Nova República”, vigente até hoje.
A derrota da Argentina na Guerra das Malvinas (1982) para o imperialismo inglês foi outro elemento que precipitou a ação radicalizada das massas para a derrubada do regime militar na Argentina.
No Brasil foi um processo mais controlado pelas classes dominantes. A “Campanha das Diretas”, que poderia ter derrubado o regime militar muito antes, foi traída pela oposição burguesa, liderada por Tancredo Neves e com o apoio de Ulysses Guimarães, Montoro, FHC e Brizola. Essas lideranças fizeram um acordo com os militares e jogaram a eleição para o controlado Colégio Eleitoral, sendo eleita a chapa Tancredo como Presidente e José Sarney (velho apoiador da ditadura).
Dessa forma, o entulho autoritário do regime (o colégio eleitoral) foi legitimado, o que terminou, por ironia da história, com o presidente do partido da ditadura, frente à morte inesperada de Tancredo Neves, Presidente do país.
Com o advento da “Nova República” e ofim do regime militar, centenas de militares e agentes da repressão, além de não serem punidos, ganharam cargos no governo Sarney. Esses criminosos já tinham sido beneficiados pela Lei de Anistia de 1979 que igualou torturados e o torturadores, livrando a cara de torturadores e assassinos do regime militar. A “Nova República” só sacramentou a impunidade.
Não é de se espantar quando a atriz e deputada federal do PMDB, Bete Mendes, em viagem ao Uruguai, em 1986, reconheceu o seu torturador, o genocida coronel Carlos Alberto Ustra (chefe do DOI-CODI/SP da rua Tutoia, conhecido como “Casa da Vovó”) como adido militar do governo. É verdade que Ustra perdeu o emprego, mas outros tantos continuaram mamando nas tetas do Estado.
Apesar das diversas denúncias dos crimes da ditadura (contra os trabalhadores, juventude e opositores políticos e milhares de indígenas) tudo se manteve inalterado. Nada foi mexido, mesmo com dossiês como “Brasil Nunca Mais” de 1985; mesmo com a revelação das valas clandestinas no cemitério de Perus/SP com as ossadas de mais de 40 presos políticos e mesmo com o funcionamento da Comissão da Verdade, no início da década passada. Os próprios governos do PT, partido que na sua fundação trouxe para o seu interior centenas de ex-presos políticos, não mexeu um dedo contra o “status quo” de impunidade dos agentes da ditadura.
A preventiva burguesia brasileira
A burguesia brasileira, ao longo de dois séculos, se mostrou a mais preparada das burguesias do continente americano. É de se pontuar que o primeiro governante do Estado brasileiro, após a independência, tenha sido um príncipe português. Também é de se notar que a heroína construída por esse Estado como artífice da abolição da escravidão foi uma princesa branca. E que a República tenha sido implantada por um Golpe de Estado do Exército contra a monarquia, tendo como primeiro presidente um Marechal reacionário.
Essa postura preventiva frente a qualquer possibilidade de mudança pela ação “dos debaixo contra os de cima”, buscando controlar os processos que poderiam fugir do seu controle, foi o que permeou a ação burguesa nos últimos anos da ditadura e de abafar os crimes dos militares, o que acabou sendo conseguido, com relativa facilidade.
08 de janeiro: governo Lula mantém a linha da impunidade
A apuração e punição para quem participou da tentativa de golpe de Estado no dia 08 de janeiro tem seguido o mesmo ritual preventivo da classe dominante brasileira. Afora a “raia miúda” (manifestantes bolsonaristas) que foi presa, nenhum alto oficial das Forças Armadas ou grande empresário que financiou ou participou da preparação do ato golpista foi preso ou processado.
O próprio governador bolsonarista do DF, Ibaneiz Rocha, conivente com tudo que ocorreu na capital do país em 08 de janeiro, já retornou ao cargo, com a anuência do STF.
Dentro de um contexto em que é público e notório, que as Forças Armadas facilitaram a ação dos golpistas, retardando, inclusive, a ação da polícia em prender os manifestantes de extrema-direita, o governo de Frente Ampla de Lula, prendendo só a “raia miúda” bolsonarista, deixa impune os militares, da mesma forma que ocorreu no final da ditadura. Assim, mais uma vez, mantém intacto o comando das Forças Armadas, espinha dorsal do Estado burguês brasileiro.
Lembramos, por fim, que a impunidade dos torturadores e assassinos do regime militar permitiu aos remanescentes dos porões da ditadura parir a excrescência chamada Jair Bolsonaro, antes um obscuro capitão. Uma nova anistia aos golpistas de 08 de janeiro resultará em fortalecimento da extrema direita. O reaparecimento de Sérgio Moro, aos holofotes da grande imprensa nos últimos dias, é uma prova disso.