Não é uma guerra religiosa
A imprensa mundial dá voz à mentira do governo israelense, dos países imperialistas (Estados Unidos, Inglaterra, etc.) e da extrema-direita mundial, de que denunciar a matança de Israel contra os palestinos e defender o fim do Estado de Israel é antissemitismo.
Nessa campanha mentirosa muitos pastores e lideres neopentecostais brasileiros, dizem que quem mora em Israel (e os judeus) é o povo de Deus, uma forma de justificar os crimes cometidos pelo Estado de Israel. Mentira descarada para proteger os assassinos do povo palestino. É preciso desmascara-los e mostrar a verdade.
Os revolucionários socialistas têm por princípio a defesa do direito às praticas religiosas. Se tal credo e prática não defende a morte de ninguém e não atacando o direito de outras religiões (entre outros ilícitos), o Estado não deve interferir nessa vontade e nem impor uma religião ‘oficial’.
A disputa entre palestinos e israelenses é, portanto, um conflito político, com muitos interesses econômicos e que deve ser explicado pela luta de classes mundial, ou seja, ocorre a resistência de um povo oprimido contra um governo/Estado opressor. Para ajudar a derrubar os vários mitos desse debate, no texto abaixo procuramos demonstrar que em Israel tem um regime de apartheid, o judaísmo não é uma corrente unitária e foi o mito do judeu ser um povo que embasou a criação do Estado e, por fim, demonstramos a discriminação dos “judeus de segunda classe”.
Israel não é uma democracia plena, funciona como o regime do apartheid contra a minoria
Um Estado democrático (mesmo que liberal) deve ser laico, ou seja, não tem religião oficial. A democracia burguesa israelense é limitadíssima e é plena para uma minoria da elite judaica, um limitador mesmo para alguns direitos sociais conquistados por lá. Exemplarmente, Israel se intitula como “Estado judeu” desde 2018, quando o Parlamento israelense aprovou a Lei definindo Israel como “Estado-Nação do povo judeu”, e que só os judeus têm direito a autodeterminação e o hebraico passa ser a única língua oficial, excluindo o árabe que é falado por aproximadamente 20% da população de Israel.
Benjamim Netanyahu não escondeu o caráter racista e excludente da lei, afirmando que é “um momento fundamental na história do sionismo”, porque “estabelece por lei o princípio básico de nossa existência”. Nessa mesma lei foram incluídas mudanças, se reforçando como “apartheid”, ou seja, antidemocrático e racista. Entre essas mudanças está o reconhecimento de Jerusalém como “completa e unida”, sendo que é uma cidade sagrada para mulçumanos, cristãos e para o judaísmo. Depois dessa lei a polícia israelense passou a impedir a realização de cultos dos muçulmanos, inclusive invadindo mesquitas.
A outra mudança foi considerar os assentamentos “como um valor nacional e atuará para estimular e promover seu estabelecimento e sua consolidação”. A instalação de um assentamento (na verdade, uma colônia) significa expulsão de palestinos de suas terras, acabar com a plantação de lavouras e até proibir o acesso à agua. É o que tem ocorrido na Cisjordânia.
Lembrando que o termo apartheid significa “separação” ou “identidade separada” e designava o regime político da África do Sul com a minoria branca dominando (com um forte aparato militar) a população negra. Era um regime legalizado que segregava os negros nos locais públicos, nas escolas, no trabalho, no direito de ir e vir e até mesmo no direito de votar.
Por isso, falamos que a política de Israel é de apartheid contra os palestinos.
Judaísmo, uma religião com muitas vertentes
A máquina de propaganda israelense e seus apoiadores querem fazer crer que Israel representa o judaísmo e, como religião, é uma unidade. Nada mais falso. Há várias “tendências” e muitas diferenças entre elas.
Do ponto de vista religioso, as principais correntes são o judaísmo ortodoxo, o conservador, o reformista e os reconstrutivistas. E no interior de cada uma delas há outras divisões e grupos com muitas subdivisões. São diferenças em torno de como os Mitzvot (preceitos religiosos que constam na Torá – a “bíblia” dos judeus) devem ser seguidos na comunidade judaica ou pelos indivíduos que professam a fé.
E essas diferenças se estendem na relação que os judeus têm com a Halachá que é um conjunto de leis e normas (por isso alguns chamam de jurisprudência judaica) que vêm da Torá, das leis rabínicas (os rabinos legislam comportamento religioso) e dos costumes, juntos, são considerados a “Lei judaica”.
Politicamente, foi só no século XIX que se formou no interior do judaísmo uma corrente política que passou a defender a formação de um Estado que foi o sionismo. Era uma corrente política, mas criava algumas relações religiosas para facilitar a sua propaganda junto aos judeus.
O sionismo e o mito do povo judeu
O sionismo é um movimento político nacionalista judaico que se formou no fim do século XIX e teve sua primeira convenção em 1897 na Basiléia, Suíça, que colocou como principal bandeira a constituição do Estado de Israel em terras da Palestina histórica.
Os principais teóricos sionistas foram Moses Hess, filósofo francês judeu, o polonês Heinrich Graetz e o austríaco Theodor Herz. Outro teórico importante -inclusive foi quem criou o termo sionismo- foi Nathan Birnbaum, para o qual o importante era a biologia e não o idioma e a cultura para definir uma nação e o povo judeu foi um dos poucos povos a manter o sangue puro.
Herz é quem passa a defender com mais força a criação do Estado de Israel, tendo como base que o “ser judeu” era uma marca biológica e a mesma origem geográfica marcada nos livros sagrados como a antiga Terra de Israel, portanto, era um povo.
Essa é a base ideológica dos acordos com vários governos e da campanha pela criação do Estado de Israel o que significava evidentemente desconsiderar a existência dos palestinos ou expulsa-los. A campanha “uma terra sem povo para um povo sem terra”, era a alusão ao abandono da Palestina.
Slomo Sand é um dos estudiosos israelenses que contestam essa tese e a considera uma construção política, um mito para justificar a necessidade de um Estado. Um dos argumentos de Sand é que os judeus sempre mantiveram a unidade em torno da religião e a população judia tem como origem as conversões a partir da expansão da fé judaica em várias partes do mundo, inclusive países da África Negra. Sequer falavam uma língua (um dos critérios para ser povo), pois o hebraico (o chamado hebraico moderno é bem diferente do original, com muitas simplificações, influências do inglês e até do russo) há muito tempo é considerado uma língua morta. Mesmo o iídiche era falado só entre os judeus originários da Europa, os asquenazes. E a religião nunca foi base para reconhecimento de um Estado. É esse mito da existência de um povo judeu, e agora reforçado pelo caráter religioso de Israel, que sustentou – repetimos: só a partir do século XIX- a ideia de criação do Estado para os judeus.
Ilann Pappé, outro israelense perseguido, diz que “para realizar seu projeto, os pensadores sionistas reivindicaram o território bíblico e recriaram-no, de fato o reinventaram como o berço de seu novo movimento nacionalista” (ver a obra ‘Limpeza étnica na Palestina’).
Vale destacar que o sionismo, mesmo sendo a corrente política mais forte, não é unânime. Muitas correntes do judaísmo se opõe a eles. Um delas é o movimento Neturei Karta, judeus ultra-ortodoxos que apoiam a causa palestina e são contra a existência do Estado de Israel porque, segundo essa visão ultra-ortodoxa, os judeus só podem ter um Estado próprio com o advento do messias. E por isso, segundo o rabino Meir Hirsch, liderança do movimento, “os sionistas escolheram se separar do povo judeu”.
Em Israel, nem os judeus são tratados como iguais. O preconceito da “elite judaica” contra …a maioria dos judeus
Outro fato que constitui um elemento de pressão interna importante é a diferenciação social na sociedade israelense, uma divisão entre “judeus superiores” e “judeus inferiores”, imposta pela ideologia sionista no processo de formação do Estado de Israel.
Depois do golpe que criou o Estado houve uma leva de pessoas que reivindicavam o judaísmo para Israel. Nesse processo chegaram pessoas de várias partes do mundo, falando línguas diferentes e a cor da pele mais escura. Essa mistura foi a base de uma profunda diferenciação social.
De uma maneira geral, essa divisão social se expressa nos “grupos” sefarditas, iemenitas e os asquenazes, denominados conforme a origem geográfica. E não é coincidência a carga racista, pois, por óbvio, os “superiores” são os provenientes da Europa e os “inferiores” das regiões “bárbaras”, como a África, Ásia e dos países árabes.
Os asquenazes, também chamados de judeus ocidentais, têm como origem a Europa, onde o sionismo acumulou forças e formou os principais quadros políticos e militares que organizaram primeiro o golpe de Estado contra a Palestina e depois estruturou Israel e toda a política de limpeza étnica subsequente.
Não é o maior grupo religioso-político do país, mas tem força política. O atual governo, de extrema-direita e que defende uma política até de anexação da Cisjordânia ao Estado de Israel, é formado majoritariamente por asquenazes e sionistas.
Os sefarditas, também chamados de judeus orientais, em grande parte, são oriundos de países árabes ou próximos do Oriente Médio (Marrocos, Argélia, Egito, Iraque, Irã e Índia). É um fato com consequências políticas, pois, ainda que por mecanismos mais sutis e menos violento, tiveram obstáculos para se representarem no Estado.
Os sefarditas chegaram em Israel incentivados pelos sionistas, mas na distribuição de recursos materiais, foram sistematicamente discriminados pelo sionismo, que favoreciam mais os judeus de origem europeia e influenciados pelas ideias sionistas. Era política consciente, pois na intelectualidade sionista haviam críticas ao fato de Israel ter recebido uma grande quantidade de judeus “primitivos e de inferioridade genética”, ou seja, um racismo de “judeu para judeu”.
Vejam o que Amnon Dankner, colunista do diário “liberal” HaAretz, adorado por intelectuais asquenazes, disse sobre os sefarditas: “Esta guerra [entre os asquenazes e os sefarditas] não será entre irmãos, não porque não haverá guerra, mas porque não há irmãos. Porque, se eu tiver de fazer parte dessa guerra, que está sendo imposta a mim, recuso-me a chamar o outro lado de irmão. Eles não são meus irmãos, não são minhas irmãs” (ver “Os sefarditas em Israel: o sionismo do ponto de vista das vítimas judaicas”).
Os judeus iemenitas passaram e passam por condições ainda piores em Israel. Como o próprio nome diz são oriundos do Iêmen que em fins dos anos 1949 foram deslocados para Israel, principalmente por conta da perseguição naquele país. De pele mais escura, traços biológicos árabes, desde o começo sofreram perseguição do Estado israelense e foram tratados como os mais inferiores dos judeus.
Como a chegada foi em massa, a solução do governo foi criar campos de migrantes (que podemos associar aos campos de refugiados palestinos), destinados aos judeus “de segunda classe”, nos quais haviam 30 mil pessoas oriundas do Iêmen em condições sanitárias precárias.
Um exemplo do tratamento dispensado aos judeus iemenitas: Depois de décadas de luta de entidades de Direitos Humanos em Israel, em 2021, o governo de Israel foi condenado a indenizar famílias de descendência iêmita pelo desaparecimento de crianças recém-nascidas, dadas como mortas, mas os corpos não foram entregues. Investigações apontaram que foram doadas a casais asquenazes (sim, a “elite judaica”).
Se você chegou até aqui, com esses breves apontamentos, pode perceber que a explicação do processo palestino-israelense é muito mais complexo do que a mídia burguesa apresenta.
O antissionismo é igual antissemitismo?
Outra forte propaganda é que denunciar o sionismo é ser antissemita. Pura falsidade.
Rapidamente os semitas são os descendentes de Sem, filho de Noé e compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes e, por sua vez, deram origem aos povos que viviam na região, ou seja, tanto quem se reivindica como “povo judeu” e os árabes semitas.
Não é antissemita defender o fim do Estado de Israel e o direito do povo palestino ter direito de lutar pela retomada de suas terras. Acusar de antissemita quem pensa assim é tentar amordaçar a crítica ao sionismo e ao regime de apartheid praticado por Israel.