Os adoradores do rock nacional devem se lembrar da famosa canção ‘Luís Inácio’ (300 picaretas). Composta por Herbert Vianna e interpretada pelos Paralamas do Sucesso na obra Vamo Batê Lata, em 1995, chocou pelo impacto político e seu formato direto denunciando as tramoias, a composição e a picaretagem do Congresso brasileiro.
A letra combinava escândalos da época com uma frase dita por Lula em 1993 durante um discurso político em uma passagem por Ariquemes (RO): “Há no congresso uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns trezentos picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”.
O escândalo ficou conhecido como “Anões do Orçamento“, a primeira grave crise neste campo envolvendo desvios de orçamento e benesses para um grupo de deputados após a nova Constituição de 1988. Nomes envolvidos como dois deputados (João Alves de Almeida e Genebaldo Correia) e o senador da Paraíba, Humberto Lucena, são citados na letra.
Se eu fosse dizer nomes, a canção era pequena
João Alves, Genebaldo, Humberto Lucena
De exemplo em exemplo aprendemos a lição
Ladrão que ajuda ladrão ainda recebe concessão
De rádio FM e de televisão
Rádio FM e televisão
Além do escândalo da vez, o conteúdo da arte também se referia a parlamentares que detinham concessões de “rádio FM e televisão”, algo proibido pela Constituição de 1988. Assim que o CD Vamo Batê Lata foi lançado, a canção despertou a ira não apenas dos envolvidos, mas de parte da dita “classe política”. Bonifácio de Andrada (PTB–MG), procurador da Câmara na época, conseguiu proibir a execução de “Luís Inácio” em um show dos Paralamas em Brasília.
Enfim, mesmo numa democracia burguesa consolidada iniciou-se uma longa discussão na qual os parlamentares queriam proibir a execução pública de uma canção que os criticava. Era a volta da censura já enterrada. Vale ressaltar que não se tratava de acusar “inocentes”, pois o processo já estava adiantado, já ocorrera renúncia de deputados e sólidas provas dos esquemas de corrupção eram públicas. Os censores foram vitoriosos e “Luís Inácio” teve sua execução vetada nas rádios e em lojas de discos, algo significativo nos anos 1990, quando ainda se tinha reduzidos recursos virtuais.
Dez anos após a famosa frase, Lula se elege presidente e assume seu primeiro mandato. Desde o início, sua prática foi de conciliação com os 300 picaretas, muito além do necessário e do rito institucional. Chegou a compor o seu governo, como Ministro, o tenebroso Geddel Vieira também acusado no caso dos ‘anões’ e com uma vasta ‘ficha suja’ bem conhecida. Lula chegou a dizer em um evento festivo com o MDB em 2003 que trocaria Geddel pelo companheiro Babá, histórico militante da corrente CST. Nas articulações políticas, nestas duas décadas, Lula se esqueceu, na prática, da letra tão polêmica de 1995:
Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
São trezentos picaretas com anel de doutor
Eles ficaram ofendidos com a afirmação
Que reflete na verdade o sentimento da nação
É lobby, é conchavo, é propina e jeton
Variações do mesmo tema sem sair do tom
O que mais impressiona é a atualidade da letra, pois o Congresso tornou-se, especialmente na ultima década, cada vez mais reacionário e afinado com a perspectiva da crise capitalista internacional de retirar o que puder dos trabalhadores e também ampliar a área de exploração direta como no caso da disputa do Marco Temporal. Os coronéis têm força no Congresso: “Parabéns, coronéis, vocês venceram outra vez / O congresso continua a serviço de vocês”. Aliados às bancadas reacionárias da Bíblia e da Bala sem esquecer os defensores do capital, certamente a ‘tribo’ majoritária entre os deputados e senadores.
Na sua política, desde 2003, o PT e seus aliados apostam numa relação conciliatória e uma adaptação ao status quo que impressiona. Mesmo institucionalmente seria possível desenvolver crítica, afastamento e enfrentar a podridão e o reacionarismo do congresso.
A escolha tática, com olho na estratégia, é outra e não tem a ver com a conjuntura de momento e os riscos ‘fascistas’. A conciliação é uma aposta política, é uma visão de governo que transforma pouco e corre atrás de migalhas cada vez mais improváveis. Quem se junta politicamente aos 300 picaretas se torna parecido, pouco diferente ao olhar da grande massa, sem falar dos riscos imensos de mergulhar no sistema apodrecido da República. Os vários escândalos nestes 20 anos que incluíram petistas apenas confirmam isso.
A letra de Herbert, quase 30 anos atrás, mostra o caminho da crítica, que não pode ser esquecida em função do governismo e das relações institucionais. Também categoricamente nos mostra que não podemos confiar no Congresso, centro da democracia burguesa. A juventude e os trabalhadores do campo e da cidade, os oprimidos e precarizados por este sistema implacável só devem contar com suas próprias forças, bem longe dos 300 picaretas.