O dia 19 de janeiro ficou conhecido como a “Tomada de Lima”. Dezenas de milhares de manifestantes, vindos de diversas regiões do Peru, tomaram a capital do país e houve um chamado à Greve Geral pela Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP). Ao final do dia entraram em confronto com as forças de segurança. Estima-se mais de 60 manifestantes mortos, a maioria de jovens.
Parte considerável dos manifestantes vieram das comunidades rurais andinas, a região mais pobre e indígena do país. É também a base eleitoral de Pedro Castillo, presidente deposto e preso em 07 de dezembro do ano passado, e que foi condenado a dezoito meses de prisão.
Os confrontos não ficaram restritos à Lima, região do país onde moram os ricos. Em Arequipa, segunda maior cidade do país, também foi registrado um confronto entre as forças de segurança e cerca de mil manifestantes que tentaram invadir o aeroporto, que suspendeu os voos. Já o serviço ferroviário entre Cusco e a cidade turística inca Machu Picchu, da mesma forma, foi suspenso. Em Macusani, na região de Puno, uma multidão incendiou uma delegacia e a sede do Poder Judicial.
Dina Boluarte não quer largar o osso
Após a prisão de Pedro Castillo, a vice-presidente Dina Boluarte (Ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social até outubro de 2022) assumiu a presidência, referendada pelo Congresso Nacional. Do dia 07 de dezembro até a “Tomada de Lima” ocorreram greves e bloqueios de estradas em 18 das 25 regiões do país. A resposta de Boluarte foi a decretação do estado de emergência em Lima, estendido às regiões do Sul de Puno e Cusco, cerceando alguns direitos civis. Além disso, Boluarte e o Congresso (a extrema-direita fujimorista é uma força política importante) anteciparam as eleições de 2026 para abril de 2024, batendo de frente com os manifestantes que querem sua renúncia, o fechamento do Congresso, eleições gerais imediatas, uma nova Assembleia Nacional Constituinte e a libertação de Castillo.
Castillo não é alternativa política à crise peruana
Castillo, no seu efêmero mandato de um ano e meio, quis governar acendendo uma vela para Deus e outra para Satanás. Ou seja, buscou acenar para as camadas populares (pobres, camponeses, trabalhadores e indígenas) que o ajudaram a derrotar eleitoralmente, por pequeníssima margem, Keiko Fujimori e acenou também para o Mercado.
O resultado foi a forte instabilidade política desde julho de 2021 até a queda de Castillo: 05 primeiros-ministros e mais de 80 ministros, além de uma forte greve geral em março do ano passado.
O desgaste de Castillo foi o mote para vários pedidos de impeachment e a consequente deposição, após a aventura de tentar fechar o Congresso. Mesmo com o desgaste, o Congresso peruano está ainda mais “queimado”, pois 28% da população ainda apoiam o presidente e só 18% o Congresso.
Reação democrática em ação
Ainda que sejam corretas as bandeiras democráticas levantadas pelos protestos peruanos, não se pode parar aí. Afinal, a riqueza está concentrada nas mãos de uma minoria residente em Lima e aumenta o empobrecimento da população pobre do Sul do país. Uma estrutura econômica que Castillo nem arranhou. Talvez por isso, em Puno e em outras partes do Sul, a inclinação eleitoral historicamente à esquerda tem alguns líderes de protestos falando em se separar de Lima e do Norte do Peru, o que levará a uma fragmentação da classe trabalhadora peruana.
Por uma saída da classe trabalhadora no Peru
A classe trabalhadora peruana historicamente é uma das mais combativas do continente e já produziu teóricos marxistas do porte de José Carlos Mariátegui. E dirigentes de massa como o trotskista e líder camponês Hugo Blanco que, após a deposição do governo nacionalista burguês de Juan Velasco Alvarado, em meados 1970, ajudou a construir uma das experiências mais ricas do proletariado latino-americano que foi a Frente Operária Camponesa Estudantil e Popular (FOCEP) com 15% da votação para a Assembleia Nacional Constituinte de 1978.
Nos anos 90, a partir do papel nefasto do maoísmo (os guerrilheiros do Sendero Luminoso) que dividiu o proletariado e facilitou a ascensão do neoliberalismo, o reacionário Fujimori foi eleito. Nos anos 2000, com os protestos populares conhecidos como a “Marcha de los Cuatro Suyos” foi derrubado. Mais tarde esses protestos foram retomados contra o “governo dito de esquerda” de Alan Garcia. Na década passada novos e fortes protestos novamente colocaram a classe trabalhadora no centro dos acontecimentos. Foi esse processo que permitiu a vitória de Castillo.
Agora, diante do golpe e da reação burguesa, é urgente que a classe trabalhadora peruana imponha seus métodos de luta, seus organismos e seu programa, sob pena de repetir o que ocorreu no Equador, Chile e Colômbia em 2019/2021, quando as classes trabalhadoras desses países se diluíram em meio aos protestos populares e perderam uma oportunidade histórica de unidade e organização.