Javier Milei é o novo presidente da Argentina e seguirá pelos próximos 04 anos. É mais uma vitória da extrema-direita que defende medidas econômicas e políticas radicalizadas contra a classe trabalhadora.
Milei se popularizou e ganhou fama como um folclórico comentarista de televisão. Esse foi o ponto de partida para chegar à Casa Rosa, que virou seu Palácio do Planalto. Sem nenhuma experiência em gestão pública ou privada se apoiou num sentimento antissistema de parte da população e com um falso discurso contra política e políticos, os quais chamava de casta.
Com isso, unificou a direita e a extrema-direita argentinas e obteve o apoio aberto de Patricia Bullrich (aliada do ex-presidente Mauricio Macri).
Milei construiu a diferença de quase 3 milhões de votos, mais de 11%, com grandes votações nas províncias de Córdoba (74% a 26%), Mendoza (71% a 29%) e Santa Fé (63% a 37%). Mesmo em Buenos Aires, onde tem aproximadamente 40% do eleitorado nacional, teve uma expressiva votação e perdeu por uma diferença de apenas um ponto, ou seja, menos de 160.000 votos.
É mais do que um “voto de castigo” para o governismo e reflete um rebaixamento da consciência da classe trabalhadora argentina. É uma saída anticlasse trabalhadora, por um projeto de poder reacionário de ataques aos direitos sociais e às liberdades democráticas.
Destacamos também que a força da extrema-direita Argentina e a eleição de Milei é parte de um processo mundial, principalmente na América Latina, de retrocessos com a recente eleição de Daniel Noboa no Equador, as expressivas votações de candidaturas reacionárias no Brasil, Chile, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Itália, Israel, etc.
As crises econômica e social
A situação econômica da Argentina tem se deteriorado muito nos últimos anos. É uma das maiores taxas inflacionárias do mundo, tem a desvalorização da moeda (um dólar vale mil pesos), a pobreza está em 40,1% e a pobreza extrema é 9,1% (dados de setembro), a dívida externa está em mais de 275 bilhões de dólares, segue o arrocho salarial e menos da metade da população está ocupada sendo que mais de 5 milhões de pessoas vivem em favelas (algo relativamente novo no país).
Esses são alguns dos problemas e nos parece que são base material impulsionadora da vitória de Milei. Muitas pessoas buscam soluções para seus problemas e se iludem com figuras como essa e Bolsonaro no Brasil, que se apresentam como saídas e se colocam como alternativa.
O falso antissistema prevaleceu
Evidente que essa é uma reflexão inicial, pois precisamos aprofundar a compreensão sobre a realidade Argentina, uma das expressões do crescimento da direita na realidade política mundial. Também precisamos compreender qual a razão de parte importante da juventude e da classe trabalhadora terem votado em alguém que passou a campanha eleitoral inteira dizendo que atacaria seus direitos.
Nesse processo há o consenso de que a crise Argentina é grave e profunda. E a questão posta é: o que fazer? Com uma esquerda anticapitalista fragilizada (vários grupos e partidos trotskistas com dificuldades em romper com a pressão eleitoral e focar numa política antissistêmica) com pouca inserção e influência na classe trabalhadora – a extrema-direita e a direita “clássica” dominaram o debate e se apresentaram como alternativas para as crises política e social.
Num país onde sucessivos governos da dita “esquerda institucional” (kirchnerismo) e da direita, cada uma aplicando medidas mais antipopulares, as pessoas buscaram algo que imaginavam “fora do sistema” para romper com o sistema e a extrema-direita empunhou essa bandeira. Mas, deve ser a esquerda anticapitalista que construa a luta pela consciência e ação da classe trabalhadora em romper com o capital.
Sérgio Massa, o outro candidato, já era o Ministro da Economia e sua proposta de política econômica apresentava poucas mudanças em relação a Mauricio Macri, que esteve marcada pela inflação de 143% ao ano (dados de outubro) e pelo declínio do “poder de compra” dos salários. Sua principal promessa é aprofundar a política de ajustes econômicos, ou seja, seguir com o receituário do FMI. O povo argentino entendeu que “nada cambiaria”.
Outro elemento que reforçou a hipótese de descrédito no sistema político foi o alto índice de abstenção. O comparecimento às urnas foi de 76,3%, isto é, 760 mil eleitores a menos do que as últimas eleições presidenciais, que tiveram pouco mais de 80% (2015 e 2019). Votos em branco e nulos ficaram em 3% (cerca de 850 mil).
O que vem?
No discurso da vitória, buscando apresentar alguma mediação, Milei reafirmou várias de suas propostas, prometeu aplicar fielmente o liberalismo e ser “implacável” com quem resistir. Disse que “O Estado onipresente acabou”, essa frase expressa bem seus posicionamentos sobre o fim das políticas públicas, das universidades públicas, da retomada das privatizações, dentre outras pesadas medidas.
Não por acaso, as bolsas de valores subiram 20% logo na segunda-feira. Os especuladores, alheios à pobreza, querem mais às custas de mais pobreza e violência:
– Privatizações
Segundo Milei, “tudo o que pode estar nas mãos do setor privado estará nas mãos do setor privado” e a lista de empresas que promete privatizar é longa.
A estatal petroleira YPF vai ser “reestruturada” e depois colocada a venda. Sabemos muito bem como funcionam essas reestruturações: Demissões, retirada de direitos trabalhistas, Estado saneando a empresa e, quando estiver bem lucrativa, será vendida. É assim que funcionam as privatizações com prejuízo para o Estado e lucro para as empresas privadas. O projeto de privatização é global. Nas primeiras entrevistas também informou que as obras públicas (hospitais, escolas, avenidas, etc) serão paralisadas e entregues à iniciativa privada. A chamada mídia pública como a Rádio Nacional, a TV Pública e a agência de notícias Télam também serão privatizadas.
– Repressão aos protestos sociais
Milei foi enfático ao afirmar que os movimentos sociais serão reprimidos. Disse “Sabemos que há pessoas que resistirão. A todos eles, quero dizer o seguinte: dentro da lei tudo, fora da lei, nada. Nesta nova Argentina não há lugar para os violentos, não há lugar para aqueles que violam a lei para defender seus privilégios. Seremos implacáveis com aqueles que quiserem usar a força para defender seus privilégios”.
Algo que acompanharemos é se a extrema-direita vai conseguir mobilizar seus apoiadores para enfrentar os movimentos sociais, isso poderia mudar qualitativamente a realidade Argentina. Macri, logo após a vitória, advertiu que os jovens apoiadores de Milei não ficarão quietos se a oposição construir mobilizações de rua.
– Lei do Direito ao Aborto em risco
Uma das maiores conquistas das mulheres está em risco na Argentina com Milei. Depois de gigantescas mobilizações que reuniram milhões de pessoas, o parlamento argentino foi obrigado a aprovar a chamada IVE (Interrupção Voluntária da Gravidez). Milei chegou a falar em plebiscito, mas é certo que sua base de sustentação parlamentar tem como prioridade a revogação dessa conquista.
– Os ajustes econômicos e o FMI
Os acordos do governo argentino com o FMI sempre significaram mais sacrifícios para o povo argentino. Em troca de empréstimos o governo se compromete a aplicar vários ajustes econômicos que significa piorar as condições de vida dos argentinos. Com isso, a grave crise social (desemprego, a falta de serviços públicos, baixo salário, etc.) é consequência direta desses planos de ajustes.
Na campanha eleitoral, Milei até criticou o FMI mas logo se readequou e afirmou que não entendia a razão do FMI criticá-lo, pois já defendia ajustes muito mais profundos que os exigidos.
Para “acalmar o mercado” (leia-se os ricos) e sinalizar com a manutenção dos acordos com o FMI, uma das primeiras medidas foi determinar que sua equipe alinhe os ajustes que serão implementados.
Outra questão é a promessa de dolarização da economia argentina. A maioria dos analistas não vê condições para isso, mas, caso ocorra o principal, o principal efeito será uma maior submissão da economia Argentina aos Estados Unidos, que é o emissor da moeda.
– Alianças políticas internacionais
Milei nunca escondeu suas relações com a extrema-direita internacional e como discípulo de Trump também sempre defendeu posições reacionárias em todos os níveis. Seguindo essa linha, já declarou que vai viajar aos Estados Unidos.
Disse que vai também a Israel, que defendeu toda sua campanha eleitoral, e que vai trabalhar para mudar a embaixada Argentina para Jerusalém apoiando, assim, as intenções do sionismo de ter o controle total da cidade sagrada também para cristãos e muçulmanos. Não por acaso, o embaixador israelense na Argentina comemorou abertamente a vitória de Milei.
E agora?
Muitos igualam a situação política Argentina com a brasileira. Mas, cuidamos para não igualar processos que são distintos e nem desconsiderar as semelhanças que existem entre eles.
No Brasil temos as experiências dos 4 anos de Temer e dos 4 anos de Bolsonaro, período em que a extrema-direita avançou bastante contra nossos direitos como o caso da Reforma da Previdência. E servem de exemplo de como a eleição de governos da “esquerda institucional” serviram também para preparar a volta da extrema-direita.
Um dos desafios dos movimentos de luta é contribuir para que, diante das grandes contradições sociais, a classe trabalhadora Argentina saia às ruas defendendo seus direitos. Essa é uma das formas de impedir que o governo Milei crie raízes e consiga organizar, de fato, uma base social reacionária.
A história já deu muitas mostras de que a extrema-direita só é derrotada com a mobilização e com rebelião social. O rumo do governo Lula é uma demonstração cabal de que a conciliação com a direita e o apego à institucionalidade não derrotam os reacionários. Essa ilusão esperamos que os argentinos não tenham.
Ainda como parte dessa crise, há setores da classe média e da burguesia que defendem um regime político mais duro e ditatorial, assim, apoiaram Milei. Pela experiência recente da Argentina é pouco provável um golpe ou algo parecido. No entanto, como é pouco provável que Milei “arrume a casa” a tendência é que, ao aumentar os ataques, as lutas e a polarização política se aprofundem, o que tornará o desfecho imprevisível. Oxalá, a alternativa de luta da classe trabalhadora seja vitoriosa.