Há quase oitenta anos, os teóricos da Escola de Frankfurt chamaram de Indústria Cultural a “produção artística em massa” como repulsa à passividade imposta aos expectadores. Com o passar das décadas, porém, foi possível ter alguma produção de comunicação de massa voltada para grupos sociais oprimidos, através de veículos críticos ao capitalismo como rádios alternativas, cinema independente, mostras de artes subversivas, etc.
Atualmente, as questões identitárias são colocadas como principal meio de luta “contra” o sistema capitalista, muito embora seu limite seja a busca nesse espaço. Assim, a produção da Cultura de Massa coadunada com as causas de mulheres, negros, indígenas, população LGBTQI+, estudantes de escolas públicas, pessoas idosas, pessoas com deficiência etc. ganham caráter engajado, perdendo a aura negativa original. Isso tem acontecido no Brasil com novelas, diversos gêneros musicais e, logicamente, com o cinema, maior representante da Indústria Cultural.
Um cineminha como espaço de encontro
No século XX o cinema era um lugar de encontro para o primeiro programa de um casal, famílias e grupos de amigos. Os cinemas eram grandes e a quantidade de filmes exibidos, menor. As filas iam pelas ruas e ambulantes ganhavam a vida com seus baleiros pendurados nos ombros. Logicamente, nesses espaços nem todos iam ver o filme, grande parte da população pobre e periférica não tinha o hábito ou folgas suficientes para ir ao cinema. Era um local de trabalho também.
Assim, o cinema pôde adquirir um duplo aspecto: o cinema de arte e o blockbuster (o cinema comercial). A pandemia de Covid-19, porém, acelerou o processo de esvaziamento das salas de cinema que já vinha sendo anunciado desde os anos 90 do século passado.
Da TV a cabo ao streaming
O processo de individualização das telas, que tem tudo a ver com a ideologia capitalista, se iniciou com a TV a cabo há cerca de trinta anos. As pessoas podiam escolher a TV que queriam assinar. Posteriormente puderam selecionar quais planos teriam. Até que surgiu a opção mais econômica e individualizada, o streaming. O YouTube é o mais universalizado e em grande parte é gratuito. Para filmes e séries por assinatura o Netflix dominou o mercado por alguns anos, mas recentemente a concorrência ficou grande. Canais da TV a cabo como a HBO também optaram pelo streaming.
A TV não é apenas TV, precisa ser smart e ter acesso à internet. Por outro lado, um notebook, um tablet ou um celular podem ter a função de passar programas. Não existe mais o ritual de assistir a um filme em família. Embora a Globo tenha passado Marighella em cinco episódios, é após o Big Brother Brasil. A TV aberta não tem mais o mesmo alcance de séries e filmes clássicos exibidos no período anterior ao videocassete, quando era possível gravar programas e alugar filmes.
O surgimento da Indústria Cultural com o rádio trouxe a reunião de todos da casa, a semente da particularização plantada com o nascimento do rock (música dos jovens nos anos 50) e regada pela divisão de horários por idade na televisão (infantil, jornal e novela intercalados) frutificou. A ideia é que cada um tenha sua tela particular e assista quando desejar aos “seus” programas.
Assinaturas e os limites de acesso às Plataformas
O grupo humorístico Porta dos Fundos recebeu críticas por ter feito seu Especial de Natal nos dois últimos anos em streaming com acesso somente por assinatura, já que ficou conhecido através do YouTube.
A guerra entre as plataformas sai cara para a população, vista apenas como consumidora.
O recente filme Argentina, 1985 está sendo ovacionado pelo tratamento dado à memória da luta contra a ditadura militar argentina que maltratou o país, mas só pode ser visto pela Prime Vídeo. Marighella, filme brasileiro que enfrentou problema com censura no governo Bolsonaro, é um caso semelhante que teve rápida passagem pelo cinema e depois só foi comercializado pela Globo Play.
Em algum dia o cinema pôde ser vivenciado mais como arte do que como produto de consumo, mas hoje essa percepção está cada vez mais difícil. É notório que as plataformas excluem as obras que não são bem acessadas. No passado ficavam nas prateleiras dos “filmes por autor” e os cult movies eram exibidos em salas gigantes e ficavam na memória de quem assistia. Isso não vai acontecer mais.
O crescente particularismo chegou literalmente à palma da mão, que abriga o contato com o mundo externo desde a reunião remota de trabalho, o pagamento de contas, o pedido de comida e mercado pelo app até o conteúdo de entretenimento ao gosto do freguês.
Grandes cinemas ficavam perto de praças e depois as salas foram para os shoppings (centros de compras). Por fim, só restou essa Indústria de entretenimento, cada vez mais afastada do sentido de Cultura e de toda sua manifestação do coletivo. Também isso o capitalismo segue tirando dos trabalhadores.