A expressiva votação obtida pela extrema-direita nas eleições legislativas em Portugal confirmou uma tendência mundial que a Emancipação Socialista detectou desde 2014. Como entendemos que é um processo mundial, e é preciso compreendê-lo, apresentamos uma breve reflexão sobre a influência da extrema-direita no mundo.
Antes, o que chamamos de extrema-direita
A situação política mundial atual tem um elemento que não pode ser desconsiderado: a extrema-direita é um setor conservador com posições políticas e ideológicas muito próximas ao fascismo (o que torna legítimo o debate se já são ou não fascistas).
Importante destacar que é diferente do que podemos chamar de “direita clássica”. Ambas têm muitas posições semelhantes, mas se diferenciam nos métodos políticos. Para título de exemplo, no Brasil, em geral a “direita clássica” (Alexandre de Moraes, por exemplo) não se alinhou com o golpe de 8 de janeiro.
Mais que uma força eleitoral
Como demonstram vários resultados recentes, a extrema-direita é uma força eleitoral em ascensão, mas é também uma força social, isto é, suas ideias se alastraram para vários grupos sociais e estão em bastante evidência mesmo longe dos processos eleitorais. Suas propostas ressoam com força na classe média e também em setores pauperizados, nas várias faixas etárias, inclusive em setores da juventude (na Argentina, Milei obteve parte importante de seus votos na juventude).
Ela não se limita mais a grupos discretos e isolados, está organizada em fortes partidos como a Frente Nacional francesa (atual Reunião Nacional), a Alternativa para a Alemanha (AfD), ou a Aurora Dourada na Grécia e mais recentemente o Chega de Portugal, Partido Liberal no Brasil, o Partido Libertário de Milei ou o Partido Republicano de Trump, entre outros tantos pelo mundo. Como se vê é um processo mundial.
Há também grupos de propaganda, organizações da sociedade civil, círculos intelectuais, fóruns e redes que trabalham para influenciar as agendas políticas da extrema-direita (contra o direito ao aborto, contra a legalização do uso das drogas, pela escola sem partido, etc.). Além disso, há uma série de grupos abertamente fascistas e nazistas.
Algumas de suas ideias
O seu programa é bem amplo e trata de diversos aspectos da vida, como a superioridade étnico-racial, cultural e até religiosa (contra o islamismo, por exemplo), que alimenta a ideia de que os imigrantes são uma ameaça aos valores da população nativa.
Na América Latina essa superioridade aparece sob a forma de exaltação aos evangélicos, o patriarcado como expressão da inferioridade da mulher, o ideal de “homem puro” enaltecendo pessoas brancas, o que tem como consequência a negação do racismo e das desigualdades raciais, rejeição aos direitos das mulheres, da população LGBT+, de indígenas e dos afro-brasileiros.
Também defendem restrições democráticas e o endurecimento do regime político (via de regra centralizado no executivo) camuflado por um discurso de amplas liberdades, o controle do conteúdo da escola, censura e, muitas vezes, adotam também uma estética fascista.
Por conta da experiência do Holocausto, os partidos da extrema-direita na Europa não podem defender abertamente o fascismo e o nazismo, diferentemente da América Latina onde as ditaduras militares do passado são defendidas por Bolsonaro, Milei na Argentina ou Antônio Kast no Chile.
Quais as origens do crescimento da extrema-direita
Algumas correntes políticas (CST, Unidos e PSTu) reputam como origem e fortalecimento da extrema-direita o fracasso de governos ditos de esquerda (PT no Brasil, Kirchner na Argentina, entre outros). Em vários países onde a extrema-direita é forte ou está no governo, a esquerda eleitoral não tem força política, casos da Polônia, dos Estados Unidos e da Hungria. Não podemos desconsiderar esse elemento, mas é muito limitado tê-lo como a explicação central.
Para nós a explicação está nas condições materiais, ou seja, nas condições econômicas. A crise estrutural do capital (sistêmica, global, com efeitos cumulativos, crônica e permanente) – que tem como manifestações o desemprego estrutural, a destruição ambiental e as guerras permanentes- impede que os governos possam atender às demandas econômicas e sociais. Não por acaso, os governos – de direita ou de esquerda eleitoral – eleitos são acusados de estelionato eleitoral.
O neoliberalismo traduziu-se em desindustrialização e desemprego. Quando há emprego é em condições de subemprego e trabalho precarizado, estagnação salarial, aprofundamento da desigualdade social e condições de insegurança generalizada. Nas últimas décadas houve uma erosão da segurança social e econômica nos países ricos e nos países da periferia do sistema muitos direitos sociais foram simplesmente revogados.
Diante desse cenário as pessoas naturalmente procuram uma saída e é nesse contexto que a extrema-direita tem conseguido se apresentar como alternativa para milhões delas. Partem do reconhecimento das questões sociais, mas a solução é de agravamento de outros problemas: perseguição aos imigrantes, encarceramento em massa sobretudo da juventude negra e periférica, menos serviços públicos, mais repressão etc.
Como no geral as estruturas políticas (partidos, congresso nacional etc.) estão desgastadas, a extrema-direita incorporou um discurso antipolítica e antissistema, o qual foi visto como a crítica antissistema pelos principais perdedores do neoliberalismo (desempregados, trabalhadores precários, entre outros) e os desesperados que lutam por manter o que têm (pequenos empresários, classe média baixa).
É de fato uma contradição que milhões de pessoas concordem com esses métodos e essas políticas, mas é um retrato do rebaixamento da consciência da classe trabalhadora e da crise de alternativa socialista em nível mundial, momento histórico em que a esquerda anticapitalista está bastante fragmentada e isolada política e socialmente.
A burguesia não vai enfrentar a extrema-direita
A “direita clássica” não aplica os métodos da extrema-direita, mas também não faz nenhuma oposição séria, pois em geral, se aproveita deles também. A depender da situação demarca seu terreno. É o caso do golpe 8 de janeiro de 2023, do qual não participou, mas também não reprimiu os golpistas. Passado mais de um ano, conta-se nos dedos os oficiais que estão presos, apesar de muitos generais terem deixado a impressão digital no golpe.
Outra questão importante é que a democracia burguesa representativa – também como parte da resposta à crise econômica que tratamos acima – está marcada pela diminuição das liberdades democráticas. Um bom exemplo é o aumento da repressão policial nas manifestações na França, país historicamente tolerante com os protestos.
O neoliberalismo se caracteriza por uma crescente concentração de poder e “esvaziamento” da democracia representativa. As principais decisões são tomadas por tecnocratas ligados aos bancos, grandes empresários e instituições como o FMI, o Banco Mundial e outros organismos estranhos a qualquer democracia. Inclusive, para reforçar esse caráter, os Estados adotam várias medidas para proteger esses organismos das pressões populares. A independência do e mandato fixo do Banco Central no Brasil é um exemplo disso.