A Conferência das Partes (COP 29), realizada em Baku, Azerbeijão, mais uma vez exemplifica a desconexão entre os discursos sobre mudanças climáticas e as ações efetivas necessárias para enfrentá-las. O evento, que deveria ser uma plataforma de soluções concretas para o colapso ambiental iminente, tornou-se um espaço de “blá blá blá”, onde as elites políticas e econômicas do capitalismo verde reafirmam suas agendas de lucro, disfarçadas de preocupações ambientais. No entanto, essas promessas de transformação não passam de uma cortina de fumaça que busca desviar a atenção dos verdadeiros responsáveis pela crise climática: o próprio sistema capitalista.
A proposta do capitalismo verde, que tenta conciliar lucros com o desenvolvimento sustentável, oferece uma ilusão de que o mercado pode resolver a destruição ambiental. Neste modelo, soluções como as energias renováveis, as compensações de carbono e as tecnologias “verdes” são vendidas como panaceias. Contudo, a verdadeira lógica do capitalismo verde é a de uma adaptação do capital à crise ambiental, onde a exploração continua, apenas disfarçada de “sustentabilidade”.
Essa lógica falaciosa é especialmente evidente quando se olha para os financiamentos direcionados aos países insulares e aos países do Sul Global. Embora a COP 29 tenha sido marcada por promessas de financiamento climático para essas nações, esses recursos estão atrelados a condições de endividamento e a práticas que garantem a continuidade da exploração. Por exemplo, as promessas de ajuda financeira para os países insulares que enfrentam a elevação do nível do mar e outras consequências do aquecimento global acabam sendo insuficientes, além de estarem sempre condicionadas à adoção de políticas neoliberais, que enfraquecem a soberania e continuam a submeter essas nações aos ditames dos países imperialistas.
Ao mesmo tempo, o Brasil e outros países do Sul Global, com suas economias baseadas em modelos extrativistas, acabam se vendo também na periferia dessa lógica do capitalismo verde. O capitalismo tenta comercializar a natureza, mas, ao fazê-lo, ignora a necessidade urgente de transformação das estruturas de poder que perpetuam a destruição ambiental.
Neste contexto, a verdadeira solução para o colapso climático não pode vir do mesmo sistema que o criou. A esquerda radical, com uma visão marxista da ecologia, deve se empenhar na criação de um Encontro Planetário para o debate de verdadeiras alternativas. A questão não é simplesmente transitar para um sistema “menos poluente” dentro do capitalismo, mas sim questionar a lógica de um modelo de produção e consumo que transforma a natureza em mercadoria e que explora, tanto no campo quanto na cidade, os povos de periferia, as comunidades indígenas, os trabalhadores rurais e os habitantes das favelas.
Em vez de soluções que reforçam o capitalismo verde, precisamos de uma perspectiva radical que parta da transformação do modo de produção capitalista. Uma alternativa real deve partir da compreensão de que a luta pela preservação ambiental está indissociavelmente ligada à luta contra as estruturas de exploração social e econômica. Isso significa que é necessário lutar pela desconcentração da riqueza, pelo fim da lógica extrativista e pelo fortalecimento da soberania dos povos, em especial das comunidades marginalizadas.
As tecnologias sociais desenvolvidas pelos povos de favela, periferias urbanas e povos do campo, das florestas e das aguas são um exemplo de como a resistência e as práticas sustentáveis podem surgir de onde menos se espera. São essas tecnologias, baseadas no uso racional da natureza e no respeito aos outros seres vivos, que podem apontar caminhos reais para o enfrentamento do colapso climático. Estas práticas não são reconhecidas nem apoiadas pelo capitalismo, pois desafiam diretamente os interesses das grandes corporações que dominam as soluções tecnológicas tradicionais.
Dessa forma, é imperativo que a esquerda radical construa um movimento de resistência e alternativa baseado nas demandas dos povos que estão mais próximos da terra, da água e da floresta. Um encontro planetário deve ser um espaço para articular as lutas e discutir propostas concretas de descolonização, desindustrialização, e a criação de uma economia solidária que respeite os limites da natureza e promova a justiça social. A mudança não virá das COPs, que são dominadas pelos interesses do grande capital, mas sim de uma articulação global dos povos oprimidos e explorados, que não podem mais esperar pelo “blá blá blá” das conferências oficiais.
Só uma ruptura com o modo de produção capitalista, com suas promessas de sustentabilidade vazias, poderá criar as condições necessárias para a sobrevivência de nossos territórios, nossa biodiversidade e, acima de tudo, para a justiça social e ambiental para todos.
Pedro Eduardo Graça Aranha – Pesquisador Bolsista da FIOCRUZ e Ativista da Coalizão Pelo Clima.