- É um governo de extrema-direita que foi eleito com um programa reacionário contra as liberdades democráticas e de aprofundamento da exploração sobre o trabalho. Todas as suas medidas iniciais reforçam essa ideia. Governo que se propõe derrotar o movimento social e criar melhores condições para reprodução do capital externo e do agronegócio, que continua gozando de todos os privilégios por parte do Estado;
- O governo Milei, assim como vários outros da extrema-direita mundial, é fruto de um processo de profunda crise econômica e social que o regime liberal democrático não consegue solucionar. Diante de uma falta de perspectiva de esquerda, a extrema-direita segue ocupando esse espaço e aumentando a repressão para aprofundar a exploração. Suas promessas de melhorar a vida das pessoas são irrealizáveis, pois o sistema com sua crise estrutural não deixa essa brecha;
- Os governos da “esquerda eleitoral” aplicam o plano do capital com certas mediações, como algumas medidas sociais e atuação do Estado na economia. Já o governo de Milei será marcado por varrer essas mediações e aplicar o projeto do capital de forma direta. Conta com o apoio do FMI, se comprometeu a manter o pagamento da dívida pública e aprofundará a dependência econômica com a economia interna voltada essencialmente para a produção de bens primários para exportação;
- As medidas econômicas anunciadas pelo ministro da economia “Toto” Caputo são, resumidamente: demissões de milhares de funcionários públicos, fim do controle sobre os preços, paralisação ou suspensão de obras públicas (dependendo do estágio em que se encontram), congelamento dos planos sociais e de políticas públicas, fim do subsídio e do controle de preços da energia e do transporte (que implica no aumento de preços dos combustíveis e das passagens), aumento de alguns impostos, redução ao mínimo legal dos recursos que são enviados para as províncias que empobrecerá ainda mais o interior, desvalorização do peso em 100% em relação ao dólar oficial indo para 800 pesos (vários serviços ficarão mais caros porque os preços ainda permanecem em dólar). Para concretizar a dolarização, buscará retirar o peso de circulação e uma das formas é tornar seu valor irrelevante. Medida que, na prática, vai reduzir ainda mais os salários (calculando-o em dólar) e pulverizar a poupança que algum trabalhador tenha. Parece ser apenas uma medida “monetária”, mas tem consequências muito sérias contra a classe trabalhadora.
- A justificativa do governo para todas essas medidas é o déficit causado pela crise econômica Argentina. Com isso centrará a política econômica no corte de gastos públicos para arrecadar mais e gastar menos, lógica neoliberal. É a visão camuflada de tratar o déficit como a causa da crise, pois há outros elementos que desconsidera como o compromisso de pagamento da dívida, o cumprimento dos ajustes exigidos pelo FMI (com muitas restrições, arrocho dos salários, controle do Estado pelos rentistas, fuga de capitais em que os empresários mandam para paraísos fiscais) e o favorecimento do agronegócio. Mesmo sob o aspecto da economia burguesa liberal, o corte de gastos públicos, a paralisação de obras, as demissões de funcionários públicos, etc., vão provocar mais aumento dos preços de alimentos, desemprego e aumento da pobreza;
- No aspecto político, o plano de Milei e de seu grupo é restringir as liberdades democráticas e impor um regime antidemocrático. As declarações de apoio ao regime militar, as medidas de repressão/proibição contra as manifestações, etc. deixam explicita a sua vontade. A questão principal é saber se a grande burguesia Argentina e as forças de repressão, principalmente as Forças Armadas já fragilizadas politicamente e com pouco respaldo na população, compartilham desse projeto político de fechamento do regime. Avaliamos ser pouco provável a grande burguesia embarcar numa aventura dessa e não por ter apego à democracia, mas pelo fato de a democracia burguesa já ter muitos instrumentos repressivos que podem ser utilizados sem mudar o regime contra a classe trabalhadora em luta. Também consideramos que organizar golpes não é a política prioritária do imperialismo nesse momento, sem o qual a chance de um golpe triunfar é muito pequena. Outro aspecto importante é a experiência da classe trabalhadora Argentina com a ditadura militar em que milhares de famílias tiveram parentes perseguidos e ainda permanece na memória coletiva o significado de tantas mortes, prisões e torturas.
- Em vários aspectos toda a situação política tem semelhanças com a conjuntura brasileira no governo de Bolsonaro, que defendia abertamente o fechamento do regime. No entanto, não encontrou respaldo em toda a burguesia e na alta cúpula das Forças Armadas, ou seja, a vontade pessoal do dirigente do Estado é diferente da classe dominante.
De todo modo, mesmo com essas caracterizações políticas, teremos cautela e seguiremos acompanhando a situação política Argentina, isto é, não descartamos totalmente essa possibilidade de fechamento regime, pois Milei pode reverter essa tendência, impor medidas repressivas, acumular vitórias sobre o movimento e ganhar forças. Caso as medidas antipiquetes de Patricia Bullrich, por exemplo, conseguem ser efetivas já será um novo cenário a ser avaliado. Será uma disputa resolvida nas ruas que começará no próximo dia 20 na Praça de Maio.
Avaliamos que a democracia burguesa, na atual configuração histórica, construiu instrumentos repressivos capazes de restringir as ações do movimento social. A América Latina (todos os países que mantiveram relação de dependência associada ao imperialismo sempre foram mais repressivos), nos últimos anos, tem convivido com governos de extrema-direita aplicando a fundo as políticas neoliberais e reprimindo os movimentos sociais sem “apelar” ao fechamento do regime com golpe militares.
- As medidas econômicas, que Milei reconhece que vão resultar numa estagflação, vão gerar muitos problemas sociais como o desemprego que por sua vez aumentará a pobreza e a miséria. É um cenário que, objetivamente coloca a possibilidade de lutas populares e mais conflitos sociais e políticos. Nesse projeto econômico está a chave para entender o projeto repressivo de Milei. Não se aplica um projeto econômico dessa magnitude sem aumentar as várias formas repressão.
Governo de Milei seguirá no enfrentamento
Para aplicar as duras medidas econômicas e levar seu plano adiante, Milei vai apostar na repressão para tentar derrotar o movimento social argentino, que inúmeras vezes deu mostras de sua combatividade.
Logo depois dos chamados das organizações sociais às mobilizações, a ministra da segurança Patricia Bullrich anunciou “um protocolo para a manutenção da ordem pública diante de bloqueios de estradas”, conhecido como protocolo “antipiquetes”. É a concretização de uma das promessas feitas na campanha eleitoral de “dentro da lei tudo, fora da lei nada”. São medidas severas e apoiadas nos aparatos policial e judicial.
Patricia Bullrich ocupou esse mesmo cargo no governo de Mauricio Macri, adotou medidas semelhantes em 2016 e também aplicou o protocolo “antipiquetes” para evitar bloqueios do tráfego em vias públicas, método importante do movimento operário argentino.
Algumas das duras medidas são:
- As 4 forças federais e o serviço penitenciário federal vão intervir em caso de bloqueios ou de piquetes totais e parciais;
- Aplicarão aos movimentos sociais os códigos processuais atuais e, se julgarem existir um crime em flagrante delito, as forças repressivas atuarão imediatamente. As forças policiais provinciais (estaduais aqui no Brasil) terão de agir nas áreas sob sua jurisdição;
- Quando a estrada principal estiver bloqueada será liberada independentemente de existirem rotas alternativas. As polícias agirão até que a área de tráfego esteja completamente liberada;
- Como um sinal de apoio à repressão também determinaram que as forças repressivas utilizem “a força mínima necessária e suficiente e serão graduadas em proporção à resistência”;
- Os autores, instigadores e cúmplices desses crimes serão identificados. Os veículos e seus motoristas serão identificados e os veículos que violarem as normas de trânsito serão apreendidos;
- Nas estações de trem vai haver revista, apreendendo bastões, mascaras ou formas de participar de uma manifestação tentando não ser reconhecido;
- Os manifestantes, cúmplices e instigadores serão identificados e encaminhados às autoridades judiciais. O aparato judicial agirá até mesmo em casos que julguem haver crime ambiental como, por exemplo, queimar pneu;
- As pessoas que levarem crianças e adolescentes nas manifestações serão punidas,
- Os valores gastos com as operações de repressão serão cobrados das organizações. É um mecanismo de criminalização do movimento social que busca impedir protestos sociais (atos, greves, etc.) com bloqueios de ruas ou estradas, dessa forma qualquer pessoa que participar de uma manifestação estará cometendo um crime. Deve-se observar que esse protocolo não deixa claro o uso da força policial e não proíbe expressamente o uso de armas de fogo pelas forças policiais.
Governando por Decreto
Esse protocolo é antidemocrático no conteúdo (criminaliza o movimento social e proíbe as mobilizações) e na forma (Decreto) pois, sequer passou pelo Congresso Nacional, veio de cima para baixo.
Na noite do dia 20 (anúncio do Decreto de Necessidade e Urgência, DNU, como a imprensa Argentina tem tratado), as ações foram coordenadas e confirmou as suspeitas de que a criminalização do movimento social é parte de um plano que visa derrotar a resistência e aplicar um dos mais profundos ataques aos direitos trabalhistas e sociais contra a classe trabalhadora.
Como não tem a maioria no parlamento, Milei apelou para governar por Decreto e ignorou até mesmo a legalidade burguesa. O chamado “Megadecreto” com mudanças profundas e a maioria revogando outras leis por fora do Congresso Nacional, método que até mesmo setores do “Juntos pela Mudança” (bloco político que o elegeu) criticaram a forma utilizada pelo governo para apresentar as mudanças, inclusive, muitos alegaram inconstitucionalidade.
Sem dúvida, são medidas de força que poderão fortalecer o governo e abrir um período de concentração do poder em Milei ou abrir uma crise política entre o governo, o parlamento e até o judiciário. Outra possibilidade é conseguir um amplo apoio popular que o colocará na rua para governar “por cima das instituições”, regime bonapartista, mas que precisaria de apoio da burguesia, das forças de repressão e de um movimento organizado pela base.
Os próximos dias serão decisivos. Por ora, os setores da extrema-direita estão defendendo a forma e o conteúdo do DNU.
Megadecreto: mais liberdade ao capital e muito menos política social
A campanha de Milei foi baseada na crítica ao que chamava de casta política, ameaçando mexer nos privilégios e surfando no ódio da maioria dos argentinos aos políticos, assim conseguiu atrair os votos que garantiram a vitória.
Mas, demorou pouco para mostrar o significado de seu governo e as mudanças pioram a vida dos pobres. Como dissemos acima, as primeiras medidas já mostraram que os empresários vão ganhar e os trabalhadores só serão mais sacrificados, ou seja, a conta vai ser paga pelos de sempre.
A lógica do projeto econômico desse governo é uma ampla abertura para atuação do setor privado (desregulamentando várias leis de controle sobre o setor privado) e a redução das políticas públicas. Com isso abrirá mais espaços para a privatização de todas as empresas públicas. Dessa forma, a Educação, a Saúde e demais serviços públicos, já bastante carentes, ficarão cada vez mais sem verbas.
O mega pacote contém mais de 300 medidas como: a revogação da Lei de Aluguel, do Observatório de Preços do Ministério da Economia, da regulamentação que impede a privatização das empresas públicas, do Regime de Sociedades do Estado, transformação de todas as empresas estatais em sociedades anônimas para posterior privatização, autorização para a cessão total ou parcial de ações da Aerolíneas Argentinas, implementação da política de céus abertos (abertura para empresas aéreas internacionais), desregulação dos serviços de internet via satélite (qualquer empresa poderá operar internet no espaço área argentino), modificação do quadro regulatório de medicina pré-paga e planos de Saúde e inclusão dessas empresas no regime de planos de Saúde, modificação da Lei de Sociedades para permitir que os clubes de futebol se tornem sociedades anônimas, mudanças para piorar a legislação trabalhista.
É fácil perceber que os empresários são os grandes beneficiados por essas medidas e, segundo Milei, virão outras. Contra essa forte disposição somente resta a mobilização da classe trabalhadora Argentina.
Movimento social e os primeiros passos da resistência
Logo após o anúncio das primeiras medidas (aumento de preços de tarifas públicas, privatizações, paralisação de obras, aumento do desemprego e um longo etecetera) vários setores do movimento social começaram a organizar os protestos.
A Unidad Piquetera (formada por vários agrupamentos), sindicatos dos Ferroviários, dos Professores, dentre outros setores prepararam a chamada “greve ativa” na Plaza de Mayo. A data da manifestação, 20 de dezembro, não foi por acaso pois marcava o 22º aniversário do “Argentinazo” de 2001, mobilizações contra as medidas de ajustes feitas pelo também direitista Fernando de la Rúa.
No “Argentinazo” a repressão foi intensa e resultou em 38 mortes. Fernando de la Rúa foi obrigado a renunciar. Depois assumiram, dentre os dias 20 a 31 de dezembro, quatro diferentes presidentes: Ramon Puerta, Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Camaño e Eduardo Duhalde que conseguiu chegar até 2003. Essa foi a crise econômico-política mais graves depois da queda da ditadura militar. Também foi o primeiro enfrentamento às medidas antidemocráticas de Patricia Bullrich.
Agora, mesmo com o forte aparato repressivo e com as várias ameaças de cortes dos benefícios sociais de quem participasse das manifestações, milhares de pessoas foram às ruas e demonstraram a insatisfação com Milei e suas medidas econômicas.
Outro fato que demonstrou que o governo terá muitas dificuldades é que, logo após o anúncio do Megadecreto já começou um ruidoso “cacelorazo” (o nosso panelaço) por toda a Grande Buenos Aires com pequenas concentrações em vários bairros e outras milhares de pessoas em frente ao Congresso Nacional.
No dia seguinte após a manifestação várias entidades começaram a mobilização contra o Decreto. A CTA (Central de Trabalhadores Argentinos) trata de paralisação nacional e é apoiada por muitas outras organizações. A CGT, pelega e principal central sindical do país, não tem mobilizado e diz não haver “clima” para uma greve geral. São iniciativas importantes, mas o decisivo é que a classe trabalhadora Argentina construa a luta com suas formas de mobilização e organização independente da burocracia.
Qual destino do governo Milei?
Milei se apoia numa ideia muito forte, presente em parte da massa de pessoas, de que não há alternativa senão aplicar esse “remédio amargo” e muito dessas pessoas aceitam essa receita apesar dos graves efeitos colaterais. A questão principal que decidirá muitas ações é qual o limite da paciência com os efeitos dessas medidas econômicas. O governo de Fernando de la Rúa, em 2001, também teve respaldo popular inicialmente, mas quando apertou o nó dos ajustes, vimos as maiores manifestações argentinas nos pós ditadura.
Com exceção do grande capital, a crise vai chegar para todos em maior ou menor grau. A abertura da economia que, só favorece as grandes empresas e vai aumentar a concentração de capital (mais monopólios e oligopólios), levará a um grande processo de falência que atingirá a pequena burguesia e a classe média e já coloca mais um elemento nessa grave crise Argentina.