A eleição de Trump acendeu um alerta geral sobre o significado e as consequências que poderá ter para questões importantes como as liberdades democráticas (direito ao aborto, legalização das drogas, liberdade sindical, etc.), o fortalecimento da extrema-direita, a questão da imigração, o debate sobre o caos ambiental, entre outros temas.
O fato dessa vitória ocorrer quatro anos após a derrota para Biden em 2020 e ser esmagadora -ganhou no voto popular, maioria dos republicanos na Câmara e no Senado e ainda ter influência sobre a maioria da Suprema Corte -, dá um caráter especial a essa “reeleição”, indicando que os seus significados são profundos. Ao menos os números da votação não revelaram uma ampliação expressiva da votação trumpista que foi praticamente a mesma de 2020. Por outro lado, Kamala teve cerca de dez milhões de votos a menos em relação a Biden.
De qualquer forma, nos parece que a primeira conclusão é de que se trata de uma vitória e um fortalecimento dos setores de extrema-direita no mundo, pois agora possuem um comando a partir do principal país imperialista. Se esses setores já estavam bem fortalecidos em vários países, agora, também contam com uma liderança com alcance global.
Outro elemento importante é o cunho nacionalista e reacionário que Trump impulsionou desde a sua campanha. O slogan “Torne a América Grande Novamente” significa expulsar ou atacar aqueles que representam algum perigo, como os imigrantes ilegais ou países não alinhados politicamente como Cuba, Venezuela, Irã, Coreia do Norte ou China. Esse tipo de nacionalismo é uma caracteristica de regimes políticos reacionários e tem reflexo em vários aspectos como a política externa, as relações comerciais e apoio a grandes conglomerados como as empresas de Erlon Musk, figura que constantemente procura interferir na soberania de outros países, além de compor o “novo” governo Trump.
Aumento dos conflitos interimperialistas?
Desde o fim da II Guerra Mundial prevalecia entre os países imperialistas uma divisão do mercado mundial que contemplava os seus principais interesses, evitando assim conflitos como os que levaram a guerra – para os marxistas, o que está em jogo numa guerra é a disputa comercial e econômica – em fins da década de 1930 e início da década seguinte.
Ocorre que a crise estrutural do capital, a partir do início da década de 1970, colocou novos problemas para esses países e o controle do mercado mundial. Como tendencialmente a produção aumenta, também se faz necessário a ampliação dos mercados e nesse terreno se localizam novos países com forte poder econômico como é o caso da Rússia e da China, essa última como força para questionar a hegemonia dos Estados Unidos.
São essas disputas, no limite, que inviabilizam o papel da ONU e vários de seus organismos, incapazes de servirem como árbitro entre essas disputas e vai aos poucos se tornando “letra morta” e com resoluções que nenhum país respeita.
Ofensiva dos Estados Unidos
Trump é uma aposta da burguesia estadunidense para agir de forma mais contundente, adotando mais medidas protecionistas, fazendo uma “limpeza étnica” expulsando uma parte da força de trabalho imigrante sobressalente e restringir os espaços democráticos que vinham sendo conquistados com as lutas de negros e negras contra o racismo, das mulheres contra a violência domésticas e pelo direito ao aborto.
Pelo discurso e por quem Trump já nomeou tudo indica que essas medidas vão mesmo ser implementadas de uma maneira mais dura e direta. Nesse sentido, a tendência é que ocorra um maior endurecimento dos Estados Unidos frente a outros países e, como consequência, mais embates e enfrentamentos com os demais países imperialistas e também com os movimentos sociais que serão chamados para resistir a essa ofensiva.
As contradições internas
A vitória de Trump também pode ser explicada pelas condições atuais dos Estados Unidos. A degradação social e das conquistas trabalhistas nas últimas décadas têm provocado nos últimos anos importantes lutas sociais e trabalhistas, como as greves de metalúrgicos, trabalhadores da indústria fastfood, correios, entre outras.
Não por acaso, há todo um debate sobre o grau do estágio de decadência do país e do chamado “sonho estadunidense” (não utilizamos a palavra americano porque americano é o povo de todo o continente e não só o dos Estados Unidos).
A implementação a fundo do neoliberalismo mudou o país de maneira bastante profunda. Os Estados Unidos são uma das sociedades mais desiguais do mundo com cerca de 20% da riqueza fluindo para o 1% mais rico; o 0,1% mais rico detém aproximadamente a mesma parcela de riqueza 90% da sociedade. A desindustrialização atingiu várias cidades e em consequência o desemprego, a precarização dos empregos que restauram, a decadência econômica e social.
39% (130 milhões) das pessoas têm dificuldade para pagar as despesas básicas da casa, para 60% a renda diminuiu, 58% vivem de salário em salário, mais de 50% alegam ser difícil pagar pelo serviço de saúde (totalmente privatizado), cerca de 44 milhões de pessoas vivem em lares que lutam para obterem, 30% dos locatários gastam mais de 30% da renda com aluguel, o endividamento atinge milhões de pessoas.
Enquanto a renda dos CEOs das maiores empresas aumentou em 1.460% (1978 e 2021), o salário médio do trabalhador cresceu apenas 18,1% durante o mesmo período.
As altas taxas de suicídio (em 2022, taxa de suicídio foi de 14,3 por 100.000 pessoas, a taxa mais alta desde 1941), encarceramento em massa, as constantes ações de violência e mortes por uso de armas, as mortes em decorrência de utilização das “drogas pesadas” (a taxa de 18,75 por 100.000 pessoas) e uma verdadeira epidemia de dependência de opioides por conta da pressão das drogas da “Big Pharma” levou mais de 100 mil pessoas a morte (dados de 2021).
Os níveis de pobreza também são altos: milhões de pessoas dependem de programas sociais para se alimentarem, empregos precários e com poucos direitos forçam as pessoas a trabalharem mais. A crise habitacional também é grande, com populações em situação de rua contando aos milhares, moradias improvisadas em carros e barracas de camping, algo bem observado no belo filme Nomadland (Chloé Zhao, 2020).
São essas as condições que Trump enfrentará e também não solucionará porque elas são decorrentes do próprio capital, ou seja, não se trata mais de formas de gestão deste ou daquele governo. Um bilionário como Trump, apoiado por parte das grandes empresas não tem nada a oferecer para a classe trabalhadora. É o que Mészaros chama de “equalização das taxas de exploração” entre os países desenvolvidos e os dependentes por conta do aumento das taxas de exploração sobre os trabalhadores dos países desenvolvidos.
Procurando saídas…
A crise geral do capital e os problemas sociais e econômicos nos Estados Unidos também são fundamentais para a compreensão do significado a eleição de Trump, ou seja, a explicação se encontra nas condições de vida das pessoas.
Historicamente, diante de crises profundas sempre há, ainda que intuitivamente, a busca por alternativas, pela esquerda ou pela direita. As revoluções, de um modo geral, nascem dessas crises, assim como regimes capitalistas reacionários ou fascistas também surgem nessas situações, como exemplo, o nazismo.
Uma questão importante para os revolucionários responderem é, por que, diante desse cenário, é a extrema direita, e não a esquerda anticapitalista, que consegue atrair a atenção da classe trabalhadora? A opção pela extrema-direita coloca com mais força a contradição entre a necessidade de mudar as coisas (condições objetivas) e o convencimento por mudanças radicais e reais na sociedade. Essa crise da subjetividade, para nós, é um elemento importante.
Os efeitos desses mais de 30 anos do neoliberalismo sobre a consciência da classe trabalhadora e de um pensamento individualista de não enxergar alternativas por fora do sistema levam as pessoas a acreditarem em propostas do próprio sistema como se fossem antissistema, algo que a extrema-direita faz constantemente.
No caso de Trump, essa “crítica antissistema” é o slogan de “fazer os Estados Unidos grande outra vez”, e vem acompanhada do discurso nostálgico (que não vai se realizar) de retomada do pleno emprego, consumo de massas, padrão de vida crescente, período que refletia o boom econômico, impossível de ser retomado por conta da crise estrutural do capital que não deixa mais espaço esses modelos econômicos.
O discurso de “vou proteger os nossos trabalhadores”, “protegerei os nossos empregos”, “protegerei as nossas fronteiras, as nossas grandes famílias”, “protegerei o direito de nascença dos nossos filhos de viverem na nação mais rica e poderosa à face da terra” reforça essa nostalgia e mostra o caráter reacionário desse projeto.
Lembremos que negros, negras e imigrantes não foram contemplados nesse boom: em sua maioria se viram submetidos a mais exploração para sustentar o “modo de vida estadunidense”.
Sinais de mais crise e conflitos
É contraditório, mas as pessoas votaram em Trump por mudanças. A consequência é o fortalecimento da extrema-direita e o aprofundamento dos ataques às conquistas sociais, pois Trump prometeu algo que ele não poderá entregar.
A realidade tratará de demonstrar o cinismo de Trump e da extrema-direita. Ainda que uma parcela da população melhore de vida, será às custas de miséria e mais exploração, aumentando as desigualdades sociais, as injustiças, o racismo e as perseguições, aumentando as contradições e produzindo mais conflitos políticos e sociais, com a possibilidade de fazer as pessoas entenderem que o problema não é a gestão dos republicanos ou dos democratas, mas do próprio sistema que ambos representam. Isso demonstra como é necessário superar o bipartidarismo estadunidense que funciona como um tigre com duas cabeças. Para isso, caberia a articulação de um partido que unificasse a classe trabalhadora, suas correntes e movimentos ativos em todo país. Essa unidade constituiria uma real alternativa a este arcaico sistema partidário e eleitoral.
Recentemente vimos lutas importantes, como as greves operárias (as maiores em 50 anos) e as ocupações nas universidades em defesa do povo palestino, indicando uma disposição de luta de uma parte da classe trabalhadora estadunidense.
Cabe à esquerda mundial romper com as ilusões das representações parlamentares, entender a realidade e seus desafios e assim se preparar para as lutas que virão com muito mais força e com potencial de ruptura com o sistema.