Em junho deste ano se completam dez anos dos protestos populares de 2013. Possivelmente podem ser consideradas entre as maiores manifestações urbanas da história brasileira. Tal processo se iniciou com uma passeata de cerca de 4 mil pessoas em São Paulo no dia 6 daquele mês e ao final de quinze dias eram mais de 1,4 milhão de pessoas em protestos nas ruas de, ao menos, 120 cidades.
Inicialmente, esta onda de mobilizações pautou o repúdio ao aumento das tarifas de transporte coletivo urbano ao mesmo tempo em que discutia a proposta de ‘tarifa zero’. Seu principal ator era o MPL – Movimento Passe Livre – fundado em janeiro de 2005 na cidade de Porto Alegre. Gradativamente, no entanto, os protestos passam a trazer inúmeras pautas dos mais variados tipos e uma série de gargalos nas péssimas condições de vida no espaço urbano. As manifestações transbordaram e seriam cada vez mais massivas.
Vale lembrar que aquele ano já registrava retrações do índices positivos dos anos anteriores: o PIB de 2012 esteve entre os mais baixos da década e se avizinhavam os jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014, eventos da corrupta FIFA que exigia altos investimentos de recursos públicos e duvidosos ‘legados’ à maioria da população.
O movimento contra o aumento das passagens se deparou com a típica resposta dos governos: “não é possível baixar as tarifas”, discurso comum entre o prefeito Haddad e o governador Alckmin. No mundo real, a mobilização barrou o aumento daquele ano. A ladainha da planilha de custos e dos impactos inflacionários, narrativa para esconder o velho sistema no qual as empresas de transporte (explorando uma concessão pública) articula um pacto de classes oferecendo serviços e regularmente financiando campanhas eleitorais.
Mais tarde, tais empresas cobram de prefeitos e governadores que tal sistema se mantenha perpetuando assim os patamares de sua lucratividade. Puxa, sendo assim as passagens têm de aumentar de preço regularmente, é o pensamento único sobre o tema.
Assim, o protesto massivo e popular é compreensível. O caminho escolhido pelo ciclo do PT já dando sinais de esgotamento e sua estratégia conciliatória ‘desarmou’ a classe trabalhadora, em parte desmobilizada em nome da governabilidade. O resultado foi uma péssima relação com o movimento. Manter o pacto de classes era o mais importante e se demonstrou uma concepção que nada tinha a ver com a conjuntura e as dificuldades para o ‘socialismo’. O pacto de classes é uma escolha e uma concepção permanente mesmo variando a conjuntura.
O Junho pela esquerda e pela direita
2013 também foi marcado por um quadro que combinou o avanço gradativo do senso comum conservador em escala global, algo que não poderia deixar de refletir-se nas ações populares. Nunca mais estas seriam reduto exclusivo dos valores de esquerda, pois em boa medida esta era governo aqui no Brasil, a defensora da ordem e do aumento do preço das passagens e nem disfarçava tal papel.
Neste contexto, já em 20 de junho, setores identificados à direita apareceram e mostraram uma face dupla: grupos neonazistas –minoritários- expulsavam uma esquerda desprevenida e ativistas de ‘vermelho’. Inocentes “cidadãos de bem” de verde-amarelo aplaudiam. O número de participantes no país foi o maior até então e passou de 1 milhão, caindo logo em seguida. A mudança ideológica dos protestos coincidiu com uma queda do número de manifestantes e vale ressaltar que o aumento das tarifas já havia sido revogada, uma vitória do movimento.
O movimento que começara apartidário se tornou antipartidário e em parte reacionário. Grupos conservadores se organizaram na internet e pegavam carona nos atos se colocando como uma ruidosa e violenta minoria. Com um discurso superficial, típico do obscurantismo, ganhou adeptos, muitas vezes pessoas de boa fé em busca de respostas para a crise social que os cercava.
Junho e os trabalhadores
Para melhor entender o elemento social nos protestos vale destacar uma pesquisa nacional realizada pelo Ibope durante as passeatas: os problemas mais citados pelos manifestantes eram a saúde (78%), a segurança pública (55%) e a educação (52%). Ademais, 77% dos entrevistados mencionaram a melhoria do transporte público como a principal razão dos protestos o que corrobora a origem real das manifestações. Em boa medida o ator mais presente nas mobilizações foi o proletariado precarizado em defesa tanto de seus direitos à saúde e à educação públicas quanto pela ampliação de seu direito à cidade de forma digna.
Isso não significa que os protestos sejam socialmente propriedade da classe trabalhadora e dos seus interesses: as manifestações tiveram um caráter popular, amplo e progressivo na sua origem. Tal assertiva não impede considerar que a direita conseguiu pela primeira vez colocar as mangas para fora nas ruas do Brasil – depois de décadas – ao final do período de mobilizações. Sãos as contradições do mundo concreto.
Este texto é parte do debate que aqui iniciamos introdutoriamente e dedicaremos um dossiê no próximo número de Consciência de Classe. Ali pretendemos aprofundar o debate relativo ao legado e as características do Junho de 2013 que certamente marcou uma geração e suscita polêmicas e avaliações opostas. Desejamos aprofundar este debate na próxima edição com uma série de artigos e reportagens.