A Lei 11.340/06 mais conhecida como Lei Maria da Penha é um avanço, extremamente tardio, sobre o reconhecimento e a tipificação criminal da violência doméstica e contra a mulher.
Desde 2006 diversas alterações foram feitas na Lei, pela necessidade de aprimoramento na proteção às mulheres.
Em 2017, entre outras inserções, determinou que o atendimento à vítima de violência seja preferencialmente feita por servidoras do sexo feminino, que seja evitado o contato com o agressor, e a revitimização das vítimas em seus depoimentos. Isso porque o constrangimento a que é submetida uma vítima de violência doméstica durante o processo, feito inclusive pelas instâncias que deveriam garantir esse direito, atua no sentido de coibir as denúncias.
Em 2018, além de inserir a violação da intimidade como exemplo de violência psicológica, tipificou criminalmente a conduta de agentes que descumprem medidas protetivas de urgência, pois não eram raros os relatos de revitimização ou de condutas que dificultavam ou impediam as denúncias.
Em 2019 a Lei foi alterada de diversas formas, incluiu que o juiz assegure o encaminhamento à assistência judiciária, que a vítima seja informada de seus direitos e de todos os serviços disponíveis pelo Estado, que o agressor seja responsável por ressarcir o Estado pelos gastos e medidas protetivas com a vítima, que tenha prioridade de matrícula e transferência em escolas públicas as crianças vítimas ou filhas de vítimas, perda de posse e porte de arma de fogo para acusados de violência doméstica, que conste nos Boletins de Ocorrência quando a vítima for pessoa com deficiência e, por fim, a determinação de acompanhamento psicológico e reabilitação para os agressores.
Ainda em 2019 a Lei ampliou a gama de servidores que podem aplicar medidas protetivas, anteriormente somente autorizada pelo Juiz, a partir de então, podem ser determinadas pelo Delegado de polícia ou policiais. Em abril desse ano foi determinado que, além disso, o início da medida protetiva seja determinado a partir de depoimento da vítima, antes era somente com o registro de Boletim de Ocorrência.
Com tudo isso e com os persistentes registos de violência contra as mulheres, somente em 2015 foi aprovada a Lei 13.104 que tipifica como crime hediondo o feminicídio que é assassinato de mulheres provenientes da discriminação por sua condição de gênero.
Essas Leis e suas mudanças vieram a partir de uma leitura da realidade que apenas denunciar o agressor não é suficiente para que a mulher seja protegida.
O acolhimento pelo Estado precisa ser efetivo pois, a dependência financeira, a presença de filhos e a falta de rede de apoio dentre tantos outros motivos podem colocar mulheres em situação vulnerável e expostas à violência. A omissão do Estado mata no sentido de não prevenir a violência contra a mulher.
E, mesmo com todo esse entendimento pelo judiciário, somente em agosto de 2023 o STF derrubou a tese da “legítima defesa da honra” presente no Código Penal Brasileiro usado para argumentar na defesa de feminicidas. A culpabilização da vítima como autora e por “possíveis” motivos que desencadeariam a agressão estão na lei e seguem em nossa sociedade.
A mudança cultural de que a vítima é sempre vítima e que nenhum comportamento seu deve servir de argumento para desculpar uma agressão é recente e proveniente de muita luta dos movimentos feministas contra o patriarcado. Mas, o patriarcado segue matando incessantemente e descaradamente.
Não são apenas as Leis que podem mudar esse cenário, essas Leis tratam de repressão. É necessário preservar vidas. A lei por si só não é capaz de evitar violência. E se leis como essas são necessárias, é porque o patriarcado ainda se impõe. E em maior grau é contra ele que devemos agir.
Não são leis de um sistema judiciário burguês que garantirão a igualdade de condições entre homens e mulheres da classe trabalhadora. Não são somente políticas públicas que cumprirão este papel.
O fato é que, embora avanços sejam importantes, não haverá igualdade de gênero em uma sociedade capitalista. Então, respondendo a pergunta, temos o que comemorar? Cada vida salva é um motivo de comemoração. Mas é necessário luta e organização para que avancemos contra o fim do patriarcado e do capitalismo que são as raízes de tanta violência.