As transformações das relações econômicas também reviraram as relações sociais na Rússia. Antes da Revolução o comportamento social era bem conservador e muito controlado por preceitos religiosos.
O papel das mulheres, principalmente pobres, era limitado à reprodução de filhos. Eram tratadas como escravas domésticas e como propriedades dos homens, principalmente nas regiões onde o controle da Igreja era maior, as violências sexual e doméstica eram partes integrantes do cotidiano. Também não tinham direitos políticos e ganhavam menos que os homens.
Com essa vida tão dura, só restava a luta. Desde a resistência ao czarismo até o processo revolucionário, as mulheres cumpriram papel determinante nas greves das fábricas têxteis onde eram maioria, nas passeatas e nas milícias operárias. Nadejda Krupskaia e Alexandra Kollontai, dois exemplos, foram dirigentes na linha de frente da Revolução.
Com a tomada do poder vieram conquistas importantes para as relações entre mulheres e homens como o direito ao divórcio, ao salário maternidade, decretos que garantiram a igualdade salarial, o direito ao voto (existente na Noruega e Dinamarca). Foi o primeiro lugar do mundo a garantir o aborto legal, em 1920.
Como formas de libertar as mulheres do trabalho doméstico foram organizadas as creches, lavanderias, cozinhas coletivas e centros de consertos. Para ter ideia desse avanço, entre 1919 e 1920, cerca de 90% da população de Petrogrado e 60% da população de Moscou se alimentavam nos espaços coletivos. Foram avanços importantes.
Mas, a luta estava só no começo e era preciso avançar na “reeducação” da sociedade para construir novas relações sociais. Como disse Alexandra Kollontai, a “separação entre a cozinha e o casamento” era tão importante quanto a separação entre a Igreja e o Estado.
Com isso, o Partido Bolchevique criou um departamento para organizar as mulheres trabalhadoras e as camponesas (o Zhenotdel) na luta por direitos e para que as questões de gênero não fossem deixadas de lado. Um Congresso de Mulheres foi realizado em 1918 com a participação de mais de 1.100 mulheres, quando era esperado cerca de 300.
Dessa forma, podemos dizer que em pouco tempo após a tomada de poder pela classe trabalhadora os avanços foram maiores do que em toda a história do capitalismo.
A orientação sexual passa a ser livre
Sob o czarismo, a homossexualidade era ilegal, fortemente reprimida pelo Estado e perseguida pela Igreja. E, nesse aspecto, a Revolução também deu uma virada pois, a homossexualidade foi reconhecida como direito individual, foram retiradas as restrições dos direitos civis e políticos (proibição do emprego estatal) e o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado. A prova de um novo tempo foi Georgy Chicherin, homossexual, ser nomeado Comissário do Povo para Assuntos Estrangeiros, em 1918.
Foram direitos garantidos na Constituição soviética que declararam o “absoluto não envolvimento do Estado e da sociedade nas relações sexuais, desde que elas não prejudiquem ninguém e não infrinjam os interesses de ninguém”. Foi um dos períodos com maior liberdade para a população LGBT+ na história e expressar o seu SER não representava risco de morte.
Os retrocessos com a contrarrevolução stalinista
A contrarrevolução stalinista foi um grande golpe e trouxe muitos retrocessos. A família foi “ressignificada” e passou a ser uma instituição voltada para reproduzir a força de trabalho. Com isso, a estrutura familiar na União Soviética se reaproximou dos modelos tradicionais. Como consequência, as questões de gênero e de orientação sexual retrocedem e muito.
As mulheres voltaram à servidão doméstica, o aborto foi proibido novamente em 1936, o casamento passou a ser entendido como uma “união vitalícia”, muitos obstáculos foram impostos ao divórcio, a maternidade passou a ser premiada e até incentivada com o “orgulho da maternidade”, voltou a desigualdade salarial, etc.
A liberdade de orientação sexual sofre grave revés e, em 1934, a homossexualidade volta a ser criminalizada e até punida com trabalhos forçados. O stalinismo passou a considerar a homossexualidade como uma “atração sexual não natural por pessoas do mesmo sexo”, o oposto das leis dos primeiros anos da Revolução que a definia como uma relação natural dos seres humanos.
Um desafio é superar as ideias stalinistas
A Revolução Socialista é uma necessidade, até mesmo para a existência da humanidade. Mas, tem sido uma batalha recuperar o conceito de socialismo deformado pelo stalinismo e que afastou tantas pessoas. Numa sociedade socialista se constrói o respeito à individualidade em todos os sentidos da vida e o que deve se combater é o individualismo. Como nos primeiros anos da Revolução na Rússia, é a única forma de sociedade que pode colocar a mulher nas mesmas condições de existência e a sexualidade pode ser livre e sem preconceito.
Como disse a bolchevique Inessa Armand “Se a emancipação das mulheres é impensável sem o comunismo, então o comunismo é impensável sem a plena emancipação das mulheres”. O mesmo vale para uma orientação sexual livre e espontânea.