Após vinte anos de discussão, que se iniciou no governo de FHC e passou pelos governos petistas, no mês de junho, em Bruxelas, os países do Mercosul e a União Europeia “fecharam” um pré-acordo de livre comércio que prevê mudanças de tarifas comerciais e que uma série seja zerada entre os blocos.
Com cláusulas ainda obscuras, que ainda dependem de aprovação no parlamento europeu com 28 países envolvidos e nos parlamentos desses países, o pré-acordo surge como resposta às necessidades das grandes corporações no interior da EU. Após a saída da Inglaterra desse bloco econômico, em se afirmar como defensora do “livre comércio”, o bloco coloca-se como alternativa ao “protecionismo” dos EUA, Donald Trump, em guerra comercial com a China.
Na euforia com as negociações de Bruxelas, o governo Bolsonaro e os grandes meios de comunicação divulgaram que o pré-acordo poderá representar um incremento de US$ 87,5 bilhões (R$ 336 bilhões) em 15 anos para o PIB brasileiro, podendo chegar a US$ 125 bilhões (R$ 480 bilhões) porque dará ao Brasil o acesso a um mercado de mais de 750 milhões de habitantes. Mas, pelos próprios números festejados pelo governo brasileiro, o pré-acordo levaria somente a 0,4% de aumento na produção nacional anual do Brasil.
Um acordo para favorecer quem já é favorecido
Vejamos, então, grosso modo, alguns termos do pré-acordo: os produtos industriais europeus como automóveis, as suas peças, equipamentos industriais, produtos químicos, farmacêuticos, vestidos e calçados entrariam no Mercosul, sem pagar qualquer imposto de importação. Em um prazo de cinco a dez anos passaria, paulatinamente, das atuais tarifas à redução de tarifa até chegar à tarifa zero. Já produtos agroalimentares sofisticados da UE como vinhos, chocolates, uísque e outros destilados, queijos, biscoitos, pêssegos em lata e até refrigerantes entrariam de imediato sem barreiras nos países do Mercosul.
Em consequência, com a tarifa zero em vigor para os insumos industriais nos países do Mercosul, grandes corporações com matrizes na UE como Volkswagen e Mercedes Benz estariam com as mãos livres para importar a maioria dos componentes industriais, o que faria deixar de existir a maioria dos empregos industriais, pois somente seria montado aqui e nos países do Mercosul o produto final.
Outro aspecto do pré-acordo é que com a liberalização do comércio intracorporações possibilitaria as corporações instaladas na Europa e no Cone Sul ampliar a disputa entre seus trabalhadores, deslocando a produção para onde têm menores salários e mais frágeis direitos trabalhistas. CA recolonização do Brasil e de outros países sul-americanos no Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosulom isso, se aumentaria a chantagem sobre a força de trabalho para que aceitasse as condições colocadas pelos capitalistas a fim de não perder os seus empregos.
Já a indústria de bens de capital, motor da indústria capitalista de qualquer país – que fabrica máquinas e equipamentos e que exige uma mão de obra mais qualificada e, em consequência, com salários maiores – seria substituída pelas importações, o que geraria a devastação do que resta de indústria nacional dos países do Mercosul, diante da concorrência de empresas europeias com acesso muito maior à infraestrutura, tecnologia e ao financiamento dos grandes bancos europeus.
Além disso, haveria a liberalização do setor de serviços (já bem desprotegido por legislações próprias de cada país do Mercosul), com acesso efetivo de empresas europeias a diversos segmentos como comunicação, construção, distribuição, turismo, transportes e serviços profissionais e financeiros. Também aumentaria o direito de patentes de grandes corporações farmacêuticas europeias, com restrições à produção de medicamentos genéricos.
E, por fim, o pré-acordo celebrou o “direito do investidor” das grandes corporações e empresas europeias, através da ampliação dos chamados “tribunais arbitrais”. Esses funcionariam por fora das legislações de cada Estado nacional do Mercosul, amparados prioritariamente pelo “direito do investidor”, que garantiria indenizações assim que uma grande corporação se sentir prejudicada por uma lei ambiental ou uma lei social.
Recolonizar para superexplorar
Já o Brasil e os demais países do Mercosul exportariam, caso o acordo seja confirmado, produtos agropecuários. Como vemos, o agronegócio seria o principal setor beneficiado pelo pré-acordo, com a exportação de matérias primas.
Mas, mesmo nesse ramo a UE teria salvaguardas adicionais. Por exemplo: produtos como carnes, açúcar e etanol teriam limites máximos de exportação. Também os europeus poderiam invocar o “princípio da precaução”, que bloquearia a importação de produtos suspeitos de trazerem danos à saúde ou ao meio ambiente. Ademais, a importação de produtos agrícolas para a UE tem como parceiros prioritários as ex-colônias europeias na África e na Ásia e não o Mercosul.
No caso, o “favorecimento” aos produtos agrícolas do Mercosul teria como objetivo central detonar a luta dos camponeses europeus contra a importação agrícola. Esses têm obrigado os Estados europeus a subsidiar a sua produção e a ficar com uma cota da mesma. Adeptos da pequena propriedade e de um modelo agrícola que valoriza o produto orgânico, o local e o cooperativo, os camponeses europeus, seriam duramente golpeados por uma produção baseada no latifúndio, na expulsão dos trabalhadores rurais, nos agrotóxicos e na devastação da natureza.
Portanto, a classe trabalhadora brasileira do Cone Sul e da Europa não tem nada a comemorar com o pré-acordo do Mercosul e da UE. Somente atende aos interesses das grandes transnacionais, do capital rentista, do agronegócio. Golpeia os camponeses europeus. Fomenta-se ainda mais uma mão de obra superexplorada, desqualificada e barata no Brasil, sem direitos, de comum acordo com as contrarreformas (Trabalhista, Previdenciária e Educacional) que estão sendo implementadas. Enfim, se destrói o que sobrou do parque industrial do Brasil e dos países do Mercosul, transformando os mesmos em colônias exportadoras de soja, cana e minérios.