Conforme o último censo demográfico, 1,3 milhão de pessoas se declaram quilombolas no Brasil. Apenas 12% vivem nos 494 territórios com título concedido pelo INCRA no caso de terras federais ou pelo Instituto de Terra dos estados onde os quilombos estão situados. Há quilombos ou terras de preto por todo o país, menos no Acre e em Roraima.
Apesar de estarem situados, em sua maioria, nas zonas rurais, também existem nas áreas urbanas, especialmente em Porto Alegre (pioneiro na demarcação) e em Belo Horizonte. A capital gaúcha abriga 11 terras quilombolas e na capital mineira são 5 (em Matias, ainda em processo de reconhecimento). Rio de janeiro também possui quilombos urbanos como o Sacopã (no luxuoso bairro Lagoa), Pedra do Sal e Camorim.
Os quilombos não eram isolados e consistiam em núcleos populacionais que tinham seus cultivos e comercializavam nas localidades próximas. Assim, superaram os séculos, em alguns casos, sem que os remanescentes compreendessem sua verdadeira origem, vivendo (mal) integrados na sociedade brasileira em “favelas” ou comunidades rurais precarizadas.
Com muita dificuldade, somente no primeiro governo Lula, em 2003, a demarcação de terras quilombolas, que consta na Constituição de 1988 no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, começou a ser executada.
Somente a representatividade importa?
Na luta pela preservação da memória da luta contra a escravidão, muitos quilombos ainda lutam pelo reconhecimento de suas terras e enfrentam o agronegócio, grileiros e sem respaldo do poder público que atua muito pontualmente.
Outros entraram no roteiro turístico preservando parte de sua história, mas terminaram se incorporando a uma lógica que trata a representatividade de forma despolitizada e vinculada ao mercado.
O Quilombo dos Palmares, em União dos Palmares, em Alagoas, é o maior símbolo de resistência à escravatura que o existiu no Brasil. Foi destruído em 1694 na Serra da Barriga e foi tombado pelo IPHAN em 1985, se tornando um museu a céu aberto. Respira representatividade na trilha que passa pela árvore mais antiga da região, provavelmente uma das mais antigas testemunhas da vida no quilombo, que chega à lagoa sagrada dos negros.
O Quilombo do Campinho da Independência, localizado na rodovia entre Parati e Ubatuba (divisa do Rio de Janeiro com São Paulo) também está no “roteiro de turismo étnico de base comunitária”.
O que almejavam os quilombolas?
Quilombos foram espaços de resistência e recusa ao escravismo, que servia de base para o desenvolvimento do capitalismo europeu. Consistia na tática de combate de negros e negras ao sistema. Guerrilhas e insurreições compuseram suas lutas. A Capoeira, luta criada pelos escravizados em fuga para se defenderem matando os que tentassem capturá-los, resgatava em suas canções o banzo (saudade da África) e a dor de perder-se da sua organização social. Hoje é considerada patrimônio imaterial do país.
Segundo o historiador Clóvis Moura, quilombolas baianos, desde 1704, praticavam guerrilha sob a forma de “roubos e escândalos” com armas de fogo. Nas rebeliões baiana e mineira a colaboração de refugiados das matas com os da cidade foi fundamental. Nestas lutas combinavam técnicas africanas com as aprendidas com os brancos.
A estrutura social dos quilombos variava em grupos de 5 ou 6 indivíduos em cidades fortificadas como era o Quilombo dos Palmares. O Quilombo Mesquita, por exemplo, onde é atualmente Brasília, foi fundado por 03 escravas alforriadas na fazenda herdada de seu antigo senhor. Esses quilombolas trabalharam na construção da capital federal e depois foram abandonados, corroborando a perpetuação da opressão que essa população sofre.
O surgimento de um quilombo também tinha motivações variadas como forma de organização daqueles e daquelas que se libertavam. Eram plurirraciais, compostos por indígenas e brancos marginalizados. O próprio Quilombo dos Palmares teve dentre os primeiros moradores a indígena Acotirene.
A luta pela preservação da memória de resistência é fundamental. Em São Paulo nas obras de expansão do Metrô foram encontrados vestígios do Quilombo do Saracura, em uma das regiões mais populosas do centro da cidade. A empresa e o governo de São Paulo resistem em parar as obras para aprofundar as pesquisas arqueológicas.
É importante que descobertas arqueológicas contribuam para contar a história e a luta do oprimido e a resistência do povo preto. Mas, temos que seguir na luta porque os quilombos foram tomados e hoje são áreas valorizadas pela especulação imobiliária.
Neste dia 20 de novembro, que reconhece a memória do líder Zumbi dos Palmares, observamos que a desigualdade não mudou. Estar somente no roteiro turístico a serviço de interesses econômicos da classe dominante já demonstrou o quanto se busca apagar a resistência. Entendemos que sem regatar a luta e a organização do povo preto não haverá a emancipação dos oprimidos. E foi para essa emancipação que quilombolas deram suas vidas.
No socialismo serão preservadas a história, as práticas e as culturas de quem luta e todos e todas terão os mesmos direitos, que são constantemente destruídos no sistema capitalista.