Seis meses atrás afirmamos em Nota política que no terceiro mandato o governo Lula seguia refém do Centrão e desde a transição (final de 2022) já buscava pactuar com o Congresso mesmo trazendo derrotas e a visível disputa política permanente. Já identificávamos que a esquerda eleitoral e a Frente Ampla não buscavam desenvolver enfrentamentos com a direita e a extrema-direita, nem mesmo no marco institucional.
Essas políticas ampliaram-se no segundo semestre e, ao completar um ano, o governo de Lula confirma uma política de Frente “Amplíssima”, especialmente com a cessão de mais pastas ministeriais aos partidos tidos de centro (PP, Republicanos, PSD, etc.) que compõem o Centrão.
É verdade que a extrema-direita, o setor mais reacionário no Legislativo, aliada com a direita “tradicional” têm dado uma ofensiva opositora ao governo como uma espécie de “anti-Lula”, mas é evidente que Lula-3 constituiu uma maioria parlamentar a partir de inúmeras concessões aos setores moderados e conservadores. O governo tem permanecido inerte e passivo, aceitando mudanças mais conservadoras e raramente fez alguma crítica pública pressionando o Congresso. Todo o esforço petista de conciliação das classes tem feito reduzir parte da contradição entre governo e parte do parlamento (maioria de direita + extrema-direita). Assim, a disputa entre essas frações, atualmente, se dá em um delicado equilíbrio.
Este cenário permite afirmar que, especialmente a partir das últimas votações no Congresso (derrubada do veto da Desoneração, do Marco Legal, aprovação da Reforma Tributária, manutenção da Reforma do Novo Ensino Médio em que deputados petistas votaram a favor do Regime de Urgência, dentre outros) e sua forma negociada, há um co-governo entre os partidos do Centrão, PT/Lula além das outras legendas.
Estas escolhas cobram o seu preço: recentemente foi divulgada uma pesquisa do Datafolha sobre a popularidade de Lula que apontou 38% de aprovação; 30% de reprovação; 30% de regular. Um resultado razoável considerando a dura polarização política (real ou aparente) do período anterior, mas bem abaixo da histórica aprovação em momentos anteriores. Um dado apontado na pesquisa é que Lula fez menos que o esperado nesse primeiro ano de mandato, isto é, 57% das pessoas acreditam que o governo deveria ter realizado mais. Em março, esse índice era de 51%. E apenas 16% indicam que Lula superou suas expectativas.
Tal sensação da maioria dos entrevistados é consequência das opções do governo, especialmente no duríssimo tratamento à economia buscando de forma paranoica o “déficit zero” que agrada os capitalistas nacionais e internacionais retirando da classe trabalhadora e dos mais pobres.
O Arcabouço Fiscal, um mecanismo de controle neoliberal, foi aprovado para ditar as regras, mesmo com o governo buscando acordos para ampliar o Orçamento que tem sido pautado na lógica da redução nos investimentos públicos. Para onde vai o buscado incremento de Caixa do governo federal? Certamente serão os rentistas, não a classe trabalhadora, que seguirão tranquilos e felizes com a Frente Ampla e seu modelo econômico.
Também destacamos que nesse primeiro ano, principalmente pela ação de Haddad (liberal convicto), foi dado sequência à parte da política econômica de governos anteriores como o pagamento da Dívida Pública, Reforma Tributária, financiamento da atividade do agronegócio, etc.
Nos parece evidente que, na forma, há diferenças na condução da economia como na política de reajuste do salário-mínimo (inflação dos 12 meses anteriores medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor mais a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto do segundo ano anterior ao ano vigente) no qual mesmo o PIB não apresentando crescimento real ainda assim o salário-mínimo será reajustado pelo INPC. Ainda, ocorreu o aumento de verbas para algumas poucas áreas mesmo insistindo em manter cortes como no Orçamento da Educação, por exemplo. No entanto, com exceção da desoneração da Folha de Pagamento nenhuma medida causou atrito com a burguesia.
Pontualmente, apesar do “peleguismo” ou da burocracia sindical, houve mais lutas em 2023 se comparado aos anos anteriores. Esperamos que essa tendência se aprofunde em 2024: as lutas e a consciência de classe questionem a política de conciliação e derrotem as privatizações que têm avançado em vários setores. É preciso resistir aos ataques, à retirada de direitos e que a classe trabalhadora retome o protagonismo político também contra a direita e a extrema-direita. Esperamos que lutas importantes como dos Metalúrgicos da GM (de caráter defensivo para manter direitos) avancem para reconquistar as garantias perdidas e imponham condições de trabalho favoráveis aos trabalhadores e não aos empresários.
Nesse cenário, o fortalecimento e a unidade da esquerda anticapitalista são importantes para o diálogo com a classe trabalhadora, para os enfrentamentos e para a luta direta sem sectarismo, contra todos esses ataques e contra o avanço da direita e o crescimento da extrema-direita.
Conciliação de classes e concessões
Permanece a perspectiva de que serão cada vez menores as concessões aos interesses populares necessárias com a conciliação de classes. O desfecho desta contradição é imprevisível e pode ser um dos grandes limites deste governo federal.
Além disso, há vários elementos que explicam as medidas conservadoras do governo Lula. Podemos começar pelas nomeações aos tribunais superiores, em especial o STF: Zanin e Flávio Dino, em várias questões “morais” se aliam ao pensamento conservador cristão. Para ficar em um exemplo, ambos são contra a descriminalização do aborto. A diferença entre os dois está em questões jurídico-políticas, com Dino mais alinhado ao “garantismo constitucional”. Para o STJ, Lula nomeou um indicado de Nunes Marques, bolsonarista de carteirinha. A nomeação de Gonet para a PGR é ainda mais escandalosa, pois suas posições políticas estão mais próximas da extrema-direita, como a relativização da ditadura no Brasil.
O 8 de janeiro foi uma grande oportunidade para impor uma derrota à extrema-direita, um momento ímpar em que o governo Lula deliberou por não enfrentar de forma consequente. Em especial nas Forças Armadas, havia oficiais mesmo em minoria que estavam alinhados e, inclusive, participando do processo da ação golpista e o governo optou por não puni-los. O próprio Ministro da Defesa se encarregou de defender as Forças Armadas nesse episódio e, mesmo desgastado, foi bancado por Lula.
A vitória de Milei na Argentina reforça o “risco de retrocessos” representado pela extrema direita e compactua com o bolsonarismo no Brasil, que ainda não foi plenamente derrotado. Opinamos que a atual linha conciliatória contribui para fortalecer esses setores mais reacionários. Ora, mesmo no caso argentino, quem governava era um setor próximo politicamente ao setor que hoje governa o Brasil e a gestão desastrosa, especialmente na economia, sem rupturas nem simples reformas, deu espaço político e discursivo necessário ao caricato Milei. Enfim, a escolha pelo não enfrentamento pode ter o efeito de ampliar mais o espaço a direita e a extrema-direita na política. Exemplos, bem além do caso argentino, não faltam.
Nesse cenário (fortalecimento da extrema-direita, ataques aos direitos, políticas neoliberais e crise de opção socialista) a construção de uma alternativa é o grande desafio que temos nesse período histórico. Para nós da Emancipação Socialista um dos caminhos para enfrentar essa tarefa é a unidade da esquerda anticapitalista, mas também temos ciência das dificuldades dessa unidade. Tendo isso em conta, entendemos que a existência do Movimento pela Frente Socialista e Revolucionária é um dado da realidade importante e, ainda em seus passos iniciais, pode servir de aglutinador para ativistas e organizações da esquerda anticapitalista. É algo que continuamos apostando.
Em relação ao governo Lula 3, a Emancipação Socialista seguirá com as críticas e denúncias de todas as políticas concretas que ataquem os trabalhadores e o povo pobre, bem como seus pactos despudorados, acordos e conciliações. Seguiremos construindo as lutas nos locais de trabalho, estudo e moradia. Entendemos que qualquer eventual medida progressiva do governo, bastante raras, deverão se combinar com enfrentamentos sólidos contra os interesses do capital, algo que não parece ser a opção.
Ao mesmo tempo, seguiremos enfrentando Lira, Centrão, extrema-direita e direita afirmando que não são alternativas aos trabalhadores e ao povo explorado. Faremos todos os esforços para que as lutas organizadas tomem as ruas e sejam muito mais fortes em 2024: toda nossa energia militante estará centrada neste propósito no ano novo que se inicia.
Brasil, dezembro de 2023.