No 28 de agosto, o Ministro da Fazenda do presidente argentino Maurício Macri, Hernan Lacunza, anunciou que o seu país vai fazer o “reperfilamento” da dívida.
Apesar do tom ameno, com escolha de palavras para não caracterizar tom de enfrentamento ao sistema financeiro internacional e, assim, manter a posição de submissão do país aos banqueiros, em outras palavras o que a Argentina decretou foi a moratória a uma linha de crédito de 57 bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional, com o objetivo de estender os prazos de pagamento desse e de outros empréstimos.
Longe de ser um calote ou default (quando os pagamentos são suspensos sem notificação prévia) ou mesmo uma moratória unilateral (quando os prazos e condições são impostos pelo devedor ao credor), a moratória argentina é unilateral, no entanto, é negociada e o governo argentino pretende discutir com o FMI e detentores de bônus novos prazos para pagamentos.
No que se refere às dívidas de curto prazo, Macri anunciou que vai pagar somente 15% do total dentro do prazo, o que caracteriza dessa forma o aspecto unilateral da moratória.
Não são de hoje os problemas do Estado argentino com o FMI. Nos anos 1980, Raúl Alfonsín decretou moratória do pagamento da dívida externa para, em seguida, ser copiado por José Sarney, no Brasil, em 1987. Em 2001, antes de ser deposto pelo “Argentinaço”, Fernando de La Rua também decretou moratória da dívida.
O mergulho da Argentina no abismo é sintomático e sua economia deve encolher 1,3% nesse ano. Reflexo disso é que em reunião recente com o FMI, o candidato peronista e favorito às eleições presidenciais de final de ano, Alberto Fernandes, culpou a instituição pela “catástrofe social do país”. Entretanto, assim como Macri, Fernandes e sua vice Cristina Kirchner não falam em dar calote na dívida externa, única saída possível para salvar o país.
A situação da Argentina de endividamento com os banqueiros não é uma particularidade do nosso país vizinho. A dívida pública do Brasil com banqueiros nacionais e internacionais, que consome quase 50% do Produto Interno Bruto, teve um aumento de 8,9% no ano de 2018, em junho passado subiu mais 2,24% chegando a R$ 3,97 trilhões e pode terminar 2019 em R$ 4,3 trilhões. Os países periféricos têm 212% de seus PIBs comprometidos com dívidas aos banqueiros.
O “problema” da dívida pública também afeta as potências econômicas
Já as duas maiores potências do mundo (EUA e China) apresentam números alarmantes em relação ao endividamento de suas economias.
Sob o governo Donald Trump a dívida pública norte-americana consome 78% do PIB, já ultrapassa US$ 22 trilhões (equivalentes a R$ 85 trilhões).
Para enxergarmos a gravidade do problema, antes da crise de 2008, a dívida pública dos EUA era 35% do PIB e hoje é mais do que o dobro. Paralelamente, a dívida pública da China pode chegar a 149% do PIB em 2020. Em números gerais, o endividamento global é de 250 trilhões de dólares ou 317% do PIB mundial, ou seja, mais de três vezes da riqueza do planeta.
Jogam sobre as costas dos trabalhadores
A conta do endividamento público (que garante a orgia de lucros dos banqueiros) é sempre paga por trabalhadores/as e população pobre. Em primeiro lugar, são restringidos os investimentos do Estado em obras e serviços públicos, importante impulso para o aquecimento da economia capitalista. Em segundo lugar, para garantir o pagamento dessas dívidas, os governos retiram direitos como vimos, no Brasil em 2017, com a Reforma Trabalhista, estamos vendo com a Reforma Previdência e com a tentativa de implantação do “Future-se” (ao estilo OSs na Saúde) nas universidades públicas. No Brasil, se dados de início de 2019 apontavam que 55 milhões viviam abaixo da linha de pobreza, nos EUA são quase 45 milhões na pobreza e na União Europeia 113 milhões enfrentam situação de pobreza e exclusão social.
Como vemos, existe uma generalização da crise, como expressão da crise estrutural do Capital, que colocou não somente a classe trabalhadora dos países periféricos no centro dos ataques, mas também a classe trabalhadora dos países centrais.
A globalização deu um salto de qualidade no aumento do capital especulativo, crescimento que mostra também resultados da queda da taxa de lucro, pois é mais rentável para os capitalistas comprar títulos da dívida do que reinvestir na produção, gerar empregos, renda, e, para tanto, qualificar trabalhador com boa saúde, Educação, habitação e alimentação.
Os Estados, no capitalismo financeirizado e globalizado, se despiram de seus disfarces (“o Estado de Bem Estar Social” dos anos de 1940 a 1970) e, sem pudor nenhum, são âncoras para garantir a farra de banqueiros e de grandes corporações, seja como salvaguarda financeira como vimos na crise de 2008, seja no aumento do aparato de coerção e repressão (fisco, polícia e Forças Armadas) para subjugar ainda mais as classes subalternas à tutela dos Estados pelos bancos.
Não pagar a dívida pública, nem interna e nem externa
Por fim, uma política dos trabalhadores para o não pagamento da dívida pública assume um aspecto transicional de ruptura com o capital, haja vista que a simples menção de uma tímida auditoria cria até arrepios em banqueiros e especialistas.
É uma utopia reacionária acreditar que se pode pagar dívida pública, como fez Syriza na Grécia em 2015, capitulando à “Troika” (FMI, Banco Central Europeu, Comissão Europeia) e traindo o “Não!”, que levou milhares às ruas. Retornemos a palavra de ordem de “Não pagamento da dívida externa e interna”. Reeditemos campanhas internacionais de rua, como as dos anos de 1980, que elegeram 23 de outubro como Dia Internacional pelo Não Pagamento da Dívida Externa!