Você não deve saber sobre mim (You must not know ‘bout me)
Eu terei outro você amanhã (I’ll have another you by tomorrow)
Então, nem por um segundo pense (So don’t you ever for a second get to thinking)
Você é insubstituível (insubstituível) (You’re irreplaceable (Irreplaceable)
“Irreplaceable – Beyoncé”
Em 21 de dezembro de 2023, a cantora Beyoncé apareceu de surpresa em Salvador para o lançamento de seu filme “Renaissance: a film by Beyoncé”, em um evento na capital baiana, foi ao palco e falou algumas palavras, o que fez todos os noticiários destacarem esse curto episódio e se tornar um dos assuntos mais comentados nas redes sociais.
Beyoncé é uma das artistas pop mais relevantes da atualidade, está há décadas no mercado da música, com muitos sucessos e é a maior vencedora do Grammy. Enquanto mulher negra, além de enfrentar racismo e misoginia, soube lidar bem com o uso de sua imagem, talento musical e habilidade de gerenciamento de sua carreira para alcançar esses status.
Porém, cabe refletir o que artistas como ela podem impactar tanto as pessoas a ponto de gerar tanta comoção?
Primeiro destacamos que usamos Beyoncé somente como exemplo de tantos artistas que foram e que são tratados com um fanatismo acrítico.
Segundo, ponderamos que há vários elementos para tentar responder essa pergunta; Marx já elaborou sobre diversos processos alienantes das formações ideológicas, sejam elas no campo jurídico, político, artístico, religioso e filosófico. Toda forma de abstração da realidade pode levar ao risco alienante de desenvolver ideias que buscam produzir argumentos e discursos para acalentar a dor e sofrimento de viver a realidade opressora no capitalismo, e ainda mais, pode definir como objetivo de vida, idolatrar pessoas e segui-las (foi destacado na internet que um fã seguia o jatinho de Beyoncé em um aplicativo e soube que ela chegou na capital baiana antes dos anúncios na mídia) como objetivos de vida, colocando suas necessidades materiais (e de sua classe também), em segundo plano.
Outro elemento importante é trago por vários teóricos posteriores à Marx, como Adorno e Horkheimer e sua produção sobre a Indústria Cultural. A qual inclui de forma explícita artistas populares que produzem músicas direcionadas a alcançar o público e destaque no mercado da música como forma de lucro, deixando em segundo plano, a proposta de produção artística que busque expressar as adversidades da experiência humana e experimentações musicais que sejam cada vez mais criativas e possibilitadoras de novas experiências sonoras.
Todos os artistas pop seguem essa lógica, resgate de antigas tendências sonoras como formas de “homenagem” e com produções megalomaníacas para estimular o público e fomentar essa imagem de inalcançável, a ponto de serem ocultadas todas as críticas a eles. Cabe destacar, por exemplo, que em 2016, Beyoncé foi acusada de que sua marca de roupas Ivy Park, usava mão de obra escrava no Sri Lanka…
Destacamos que o interesse em ouvir e gostar de artistas e suas músicas, ainda que mais voltadas ao comércio, não é algo que deve ser proibido nem repudiado, em certa medida, viver experiências de alegria e diversão com todos os tipos de música também se faz necessário para lidar com a dura condição da classe trabalhadora.
A necessidade de ter suas rodas de samba e bailes funk ao final da tarde e aos finais de semana, são momentos para que a nossa classe possa descansar também de nossas lutas diárias. Reforçamos aqui que a questão em debate é a forma de idolatria às figuras artísticas (bem como ocorre com entidades religiosas, políticas e juízes, etc.), que leva ao fanatismo e fã-clubes (inclusive se organizam com nome e identidade visual, como os Beyhives) que dedicam as suas vidas a acompanhar os artistas, lhes colocando num pedestal inalcançável e de perfeição, sem disposição a aceitar que se tornam grandes figuras de exploração humana com suas empresas, imagem usadas por marcas para aumento de vendas e produção de música para alcançar o topo das paradas, ou seja, se tornam mais produtos que sua própria música.
Não é incomum acompanharmos diversos artistas viverem sob o uso abusivo de drogas, desenvolverem comportamentos excêntricos e viverem sob exploração de empresários. Afinal a imagem que mostram de sua vida se torna totalmente vendável e retira a humanidade dessas pessoas, importando-se mais o que se mostra do que se é.
Ao fim, a idolatria no mundo capitalista é direcionada sempre ao mesmo objetivo: às mercadorias e ao lucro.