A questão dos conceitos de Blocos Políticos
Uma das dificuldades de compreender os Blocos Políticos é a conceituação no campo dos partidos. Considerando que o significado das palavras é importante, devemos tomar cuidado para evitar que a confusão nos leve a erros políticos.
Classes sociais têm frações
O conceito de direita e extrema-direita, por óbvio, é diferente. Portanto, precisamos localizar essas diferenças pois, há também muitas semelhanças, principalmente no plano da economia. Vejamos no Brasil, onde medidas econômicas (como a Reforma da Previdência) unem o Bolsonarismo (considerado como extrema-direita) ao PSDB, que se intitula como liberal. A diferença entre ambos e outros é o como e o ritmo dos ataques aos direitos sociais e trabalhistas.
Do mesmo modo se dá no chamado campo de esquerda. Partidos defensores explícitos do capitalismo e da burguesia, por vezes, são chamados de esquerda como o PSB e o PDT. No caso da Europa, o que chamam de esquerda (PSOE e Podemos na Espanha, Trabalhista na Inglaterra, Socialista em Portugal ou Syriza na Grécia). Todos esses, quando estão no poder, aplicam medidas tão duras contra os trabalhadores quanto as da direita. Um exemplo é França, Hollande do Partido Socialista (a “esquerda eleitoral”) aplicou uma dura reforma trabalhista, tão dura quanto a reforma previdenciária de Macron (da direita).
A precisão do conceito não é mera questão de retórica. Um conceito mal elaborado traz consequências políticas importantes como a proposta que já circula para, diante do crescimento eleitoral da extrema-direita, colocar em prática a criação de uma “frente democrática”, incluindo, por exemplos, setores como Macron na França, um dos governos que mais atacou direitos trabalhistas, inclusive, apoia a extrema-direita de Israel contra os palestinos.
Ainda que hipoteticamente possa ocorrer algum tipo de ação comum contra o fascismo, é importante que a classe trabalhadora entender que existem duas classes sociais principais, a burguesia exploradora e a classe trabalhadora, explorada. Isso define quem são nossos inimigos.
Parte de um processo mundial e de uma etapa defensiva
Não é possível compreender as eleições europeias sem considerar o processo mais geral no qual estão inseridas.
A primeira questão a ser considerada é que estamos em um longo período da luta de classes prevalecendo a ofensiva do capital contra a classe trabalhadora: a ascensão do neoliberalismo, as mudanças no “mundo do trabalho” como o Toyotismo, desregulamentação de direitos, privatizações, precarizações, destruição do meio ambiente, violência contra as populações pobres e um longo etecetera.
Um marco inicial desse processo foi a derrubada do Muro e a queda dos regimes burocráticos (União Soviética, Alemanha, entre outros). Ainda que muito contraditório (a perda de referenciais, a derrota do stalinismo enquanto corrente contrarrevolucionária, etc.) a burguesia mundial aproveitou esse momento para aumentar o tom contra o socialismo, incorporado por um setor da classe trabalhadora (que entendia o capitalismo como o melhor sistema que a humanidade já produziu). Um processo histórico longo assim (mais de 30 anos), na periodização da luta de classes, é comumente chamado de Etapa pelos marxistas.
Dizer que estamos em uma Etapa defensiva não significa ausência de luta, pelo contrário, nesse processo ocorreram muitas lutas e rebeliões. As lutas dos trabalhadores franceses, gregos, do povo africano, a Primavera Árabe, as rebeliões na América Latina (Bolívia, Equador, Colômbia, na Argentina, as greves gerais no Brasil, etc.) são parte de uma importante resistência da classe trabalhadora, inclusive, em alguns lugares alterando o ritmo dos ataques da burguesia.
Mas, o fato é que, mesmo com essas lutas heroicas, o capital conseguiu impor seu projeto mais geral.
A outra questão importante para compreendermos, diante da falta de alternativas, é o aumento da influência política da direita e, nesse último período, da extrema-direita junto às massas.
Nós, Emancipação Socialista (ainda como Espaço Socialista e MOS) sustentamos, desde pelo menos 2014, existir um crescimento importante desses setores mais radicalizados da direita, apoiados politicamente na pequena burguesia e num programa de aprofundamento do neoliberalismo, restrições às conquistas democráticas, aumento das opressões (contra as mulheres, negros, população LGBT+) e, nos países centrais, o ataque aos imigrantes.
A expressão desse processo é o crescimento eleitoral, o surgimento de grupos de caráter fascista e a adesão de um importante setor de massas.
É um processo mundial e se manifesta em vários países, ainda que, com suas especificidades. Na América Latina a vitória eleitoral da extrema-direita na (Argentina, Equador, El Salvador, Brasil com Bolsonaro), dos governos da “direita clássica” (Paraguai, Peru, Uruguai) e onde a “esquerda eleitoral” ganhou, os candidatos/figuras centrais de extrema-direita mostram muita popularidade (Bolsonaro no Brasil, na Colômbia, no Paraguai, no Chile, no Peru).
Também podemos pensar em Putin na Rússia, Netanyahu em Israel, Zelensky na Ucrânia, governos ideologicamente alinhados à extrema-direita ou bem próximo.
Entendermos que se trata de um processo mundial nos ajuda a compreendermos a causa, como e por onde é necessário orientarmos nossas forças políticas para fazermos frente a esses governos e grupos para ganharmos a classe trabalhadora para a luta.
Um perigo ronda a Europa
Na eleição para o Parlamento Europeu os setores mais reacionários (entendidos aqui como a “direita clássica”, a extrema-direita e grupos fascistas) foram os grandes vencedores, mesmo com percentuais alternados. Os primeiros tiveram de 39% nas eleições anteriores e agora 36%, e a ultradireita foi de 16% para 18%. Os Verdes de 10% para 7%. O que ainda se chama de social-democracia caiu de 25% para 23%.
A variação nos números foi pequena, mas não a torna boa notícia. Essa tendência de crescimento dos setores mais reacionários foi o qualitativo desse processo, principalmente por conta da força eleitoral demonstrada (na França, Itália e Alemanha, principais países da União Europeia) e por demonstrar que conta com apoio em setores da classe trabalhadora.
Na Alemanha, mesmo com a experiência do nazismo, a “AfD” (Alternativa para a Alemanha, de inspiração nazista) teve 16% dos votos (a maior votação de um grupo fascista desde a II Guerra Mundial) e os Conservadores alcançaram 31%. Na França, o reacionário Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, teve 31,3% dos votos. Na Itália o “Irmãos de Itália” (já no governo) venceu com mais de 28% dos votos. Na Áustria, o fascista FPO venceu com 29% dos votos (12% a mais do que em 2019). Todos se fortaleceram para as eleições internas.
Diferentes, mas nem tanto
Como dissemos, entre a extrema-direita e a “direita tradicional” há diferenças, mas há também muitas semelhanças. E insistimos em dizer que já existe um movimento para criar uma “frente democrática” (dita “esquerda eleitoral” e “direita tradicional”) a fim de enfrentar a extrema-direita que, não por acaso, Lula foi um dos primeiros a propor.
Entender essas semelhanças é muito importante, pois, representam exatamente como ambos são nossos inimigos. Portanto, uma “frente democrática” com a “direita tradicional” será para continuar aplicando o plano do capital contra a classe trabalhadora. Dessa forma, deixam de lado diferenças e partem para cima dos direitos sociais e trabalhistas.
Após os resultados das eleições, foram iniciadas as articulações para manter o controle do parlamento com a direita à frente impulsionando as políticas antitrabalhadores.
A política anti-imigrante que a maioria dos países aplica é construída nesse parlamento e nessa questão caminham lado a lado e impulsionam políticas de restrições e perseguições aos imigrantes. A melhor demonstração dessa união é a concordância em aplicar as medidas contra os imigrantes entre Marine Le Pen e Macron. Apenas nos últimos 10 anos, mais de 30.000 pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo tentando chegar à Europa e com a conivência dos governos.
Outro ponto em comum é o apoio, político e militar, a Israel contra os palestinos. Além de apoiar, ainda incentivam e apoiam a islamofobia na Europa.
Também estão juntos para aplicar os ataques aos direitos sociais, como as reformas previdenciárias. Le Pen apoiou a reforma previdenciária de Macron na França e Meloni prepara o aumento da idade mínima na Itália.
Enfim, são alguns exemplos que servem de alerta e demonstram de que com a direita ou extrema-direita a vida da classe trabalhadora continuará difícil.
Para onde caminha?
O fascismo e o fechamento de regimes políticos não são opções para maioria da burguesia mundial. Alguns setores apelam para mais restrições democráticas e mais repressão, mas ainda no marco da democracia burguesa. Biden nos Estados Unidos, Macron na França e Olaf Scholz na Alemanha, entre outros, são representações dessa fração burguesa.
E há um setor importante trabalhando com essa hipótese. Trump (EUA), Milei (Argentina), Noboa (Equador) e as lideranças de extrema-direita e fascistas (Europa) que se fortaleceram nessas eleições, são os que trabalham para regimes políticos mais duros.
No entanto, como tudo na vida, esse quadro não é definitivo. Tudo vai depender do aprofundamento da crise econômica e social e da capacidade de impor as medidas anticrise contra a classe trabalhadora. E devemos ficar atentos, pois diante do esgotamento das medidas já implementadas pela “esquerda eleitoral” e pela “direita tradicional”, ao menos como hipótese, um setor do capital pode se deslocar em direção à extrema-direita. Milei, Le Pen, Trump e Bolsonaro são alguns exemplos de que a extrema-direita conta com um apoio de parte, ainda minoritária, do grande capital.
E assim os setores mais radicais da burguesia vão ocupando espaços, até mesmo de governos que se dizem de esquerda, também muito desgastados pelas duras medidas de ajustes econômicos que ajudaram a impor contra a classe trabalhadora e, muitas vezes em aliança com esses setores reacionários.
Diante desse cenário é ainda mais urgente a construção de uma alternativa que represente os interesses da classe trabalhadora, com um programa de enfrentamento aos problemas que afligem a classe trabalhadora, alcançado somente com a ruptura com a exploração capitalista. Nem a “direita clássica” e nem a dita “esquerda eleitoral” vão bater de frente com a extrema-direita, se limitam à tentativa de “cooptá-la”. Só uma ampla mobilização popular pode ter um enfrentamento coerente e derrotar a extrema-direita.
O forte movimento em favor da Palestina, envolvendo milhões de pessoas na Europa e a recente marcha contra a extrema-direita na França (segundo a central sindical CGT foram 640.000 pessoas, 250.000 só em Paris) são dois exemplos das possibilidades de mobilização da classe trabalhadora contra o perigo da extrema-direita.
O que são as eleições europeias e o Parlamento Europeu?
O Parlamento Europeu é uma representação política de todos os países que compõem a União Europeia. Decide sobre questões que afetam toda a União Europeia, mas cada país tem sua autonomia por questões locais.
Atualmente, são 27 países que elegeram um total de 720 deputados de forma proporcional ao número de habitantes. Por exemplo, a Alemanha com 84 milhões de habitantes tem 96 deputados; a França com 68 milhões tem 81 deputados; a Itália com 58 milhões tem 76 deputados e a Espanha com 48 milhões de pessoas elegeu 61 deputados.
Importante destacar ainda que nem todos os países da Europa estão na União Europeia. Por exemplo, o Reino Unido (Inglaterra, País de Gales e Escócia e a Irlanda do Norte) não faz parte da União Europeia e, portanto, não participa do Parlamento Europeu. A saída do Reino Unido foi decidida por um plebiscito em 2016, o chamado Brexit. Esse processo foi concluído em 2020 com a assinatura de um tratado entre o Bloco Europeu e o Reino Unido.
Para complicar um pouco mais a história, já a República da Irlanda (que conquistou, pela luta popular, a Independência em 1921) tem representação no Parlamento Europeu com 14 deputados e a Irlanda no Norte (parte do Reino Unido e controlada pela Inglaterra) está fora da União Europeia. Países europeus, como a Albânia, Geórgia e Ucrânia não estão na União Europeia.
Mesmo os deputados sendo eleitos pelos partidos de cada país no Parlamento, são formados blocos por afinidades políticas e ideológicas. Nesses blocos também pesam as diferenças políticas. A “direita”, por exemplo, se divide em, pelo menos, três blocos (Identidade e Democracia, Reformistas e Conservadores Europeus, e Renovar a Europa) e “centro-direita” (Partido Popular Europeu), a “centro-esquerda” em dois blocos (Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas e os Verdes) e a “Esquerda Unitária Europeia”.
Essas denominações políticas (esquerda, direita, etc.) utilizadas pela mídia burguesa, no nosso entender, não são fiéis à realidade, pois utilizam só o critério de posicionamento político, quando para os socialistas revolucionários o critério é o posicionamento sobre as relações de produção e econômica (propriedade privada/social; apropriação individual/coletiva, etc.). Partidos como o Syriza na Grécia, Podemos na Espanha, entre outros, são parte dos gestores do capital e aplicam ou apoiam duros golpes contra os direitos da classe trabalhadora.