A pandemia do novo coronavírus segue seu curso. Em alguns países, como Alemanha, Coreia do Sul, Vietnã, Venezuela e Cuba, ela parece estar sob controle. Na China também já se anuncia a normalização da vida social com restrições. Parte do sucesso no enfrentamento à pandemia se deve ao isolamento social, parte às testagem massiva da população. Em todos os casos, porém, a existência de leitos hospitalares, tanto em enfermaria quanto em UTIs disponíveis para receber os pacientes que necessitarem foi fundamental.
No Brasil, desde o meio de março, quando foi instituída a quarentena com o objetivo de achatar a curva de contaminação pelo novo coronavírus, tem se falado em um possível colapso da saúde. Esta tragédia, anunciada como inevitável, assombrou os momentos finais da gestão de Mandetta como ministro da Saúde. Afastado do governo sob o pretexto de sua defesa do isolamento social, Mandetta saiu ovacionado por uma claque maniqueísta que via em Bolsonaro um incompetente fundamentalista e no ex-chefe da Saúde um cientista, um técnico.
Porém, não é bem assim. Disputas políticas mesquinhas entre o partido do ministro (DEM) e o presidente personalista contaram muito para o destino do Ministério da Saúde. Seu sucessor, Nelson Teich, foi recebido sob a expectativa de que daria fim ao isolamento horizontal, indicado para todos, salvaguardados os que prestam serviços essenciais, e iniciaria o isolamento vertical, largamente defendido pelo presidente. Assim, apenas idosos e pessoas de grupos de risco permaneceriam em quarentena.
Teich ainda não teve coragem de fazer tal mudança. A curva de contaminação segue subindo, perseguindo um pico que nunca chega, para desespero da maioria dos trabalhadores. Mas os patrões clamam pelo fim do isolamento. Isso tem lógica: já houve o controle da pandemia dentre os mais abastados. Foi pelos ricos, que viajam para fora do Brasil e têm contato com estrangeiros, que a COVID-19 atingiu nosso país. Emblemático foi o caso da empregada doméstica que cuidou da patroa, recém chegada da Itália, moradora de um bairro nobre do Rio de Janeiro. A patroa se curou. A funcionária, mal conseguiu chegar ao seu município, Miguel Pereira, morreu.
Diante da situação de pandemônio em que se encontra a Saúde Pública, Bolsonaro está tranquilo para defender suas irresponsabilidades pois colocou na pasta da saúde um ministro pau mandado. Teich assumiu assegurando que iria aumentar a testagem da população e ainda não o fez. O colapso temido pelo coronavírus já existe na Saúde Pública brasileira onde o risco de morrer aguardando atendimento é real.
No início de abril, Mandetta comunicou que o Brasil iria ficar sem os equipamentos de proteção individual que vinham sendo negociados com a China porque os Estados Unidos compraram uma enorme quantidade deles. Isto também aconteceu com os respiradores: só uma parte do que foi contratado foi entregue ao Brasil naquele momento.
É evidente que o isolamento social é uma medida preventiva drástica para minimizar a tragédia de não haver possibilidade de cuidar de todos que adoecerem. No entanto, há um outro lado nesta questão.
O Sistema a ser colapsado é o público. Enquanto isso, restam leitos nos hospitais privados. Mas os números não são conhecidos. Recentemente, a Rede DOR anunciou que não divulga a disponibilidade destes leitos.
Desde 22 de abril, o Conselho Nacional de Saúde recomendou ao Ministério da Saúde que fosse adotada uma fila única, com leitos públicos e privados para atender aos pacientes de COVID-19. Esta prerrogativa consta na Constituição e na Lei de Emergência Sanitária de fevereiro deste ano.
Em maio, um projeto apresentado pelo PSOL foi colocado em análise na Câmara dos Deputados para instauração da Fila Única Emergencial para Gestão de Leitos Hospitalares que deve vigorar enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional (até 31/12/20).
O desequilíbrio da Saúde no Brasil é notável. Três quartos dos 210 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS, tendo acesso à metade dos pouco mais de 55 mil leitos de UTI do país. A outra metade é privada e atende apenas aos 47 milhões que têm plano de saúde. A fila da morte na Saúde Pública do Brasil é tão visível que, se analisarmos a letalidade da COVID-19 por localidade, percebemos que a doença mata muito mais proporcionalmente os moradores dos bairros mais pobres.
A resistência à fila única por parte dos hospitais privados é grande. Segundo Breno Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços, os hospitais temem que a medida seja tomada por meio judicial. Neste caso, o pagamento pelos leitos ocorreria só após o fim da pandemia. Além disso, os representantes da rede privada alegam que o SUS paga aos hospitais valores inferiores ao custo dos leitos.
A Fundação Getúlio Vargas, a Faculdade de Medicina da USP, a UFPB e Instituto do Câncer fizeram um estudo que estima que a fila única evitaria até 14 mil mortes pelo novo coronavírus no Brasil. A rede privada receia que os pacientes de convênio fiquem sem atendimento. A respeito disso, o sanitarista Gonzalo Vecina Neto afirma que não se pode prevaricar com a vida humana escolhendo quem vai ter direito à Saúde. Bem explícito é Leonardo Barberes, diretor da Associação de Hospitais do Estado do RJ. Ele diz preferir uma negociação, ainda que má, com o SUS para que não haja risco dos hospitais ficarem sem receber o pagamento e que a fila se dê de forma organizada para que nenhum pagante fique sem lugar.
Enquanto a questão da fila única é tratada como algo extraordinário, o que não deveria ser, a subnotificação das mortes por COVID-19 segue. Sem testes, os médicos não podem atestar óbitos pela doença. Pacientes que não precisam ser internados não são testados, a não ser que paguem por isso. Continuam convivendo com pessoas que podem ser infectadas e virem a ser vítimas fatais do coronavírus. Descaradamente, os números oficiais de morte por síndromes respiratórias, muito mais elevados que os números dos anos anteriores, não contam para avaliação da dimensão da pandemia no Brasil.
Por isso tudo, a fila única no Sistema de Saúde precisa ser imediatamente adotada. Ela será um paliativo diante da calamidade que, como tudo no Capitalismo, afeta muito mais a classe trabalhadora do que a burguesia dona dos meios de produção. Ricos de Manaus e Belém chegam a pagar 200 mil reais para, em uma UTI aérea, ser transferidos para São Paulo ou Brasília. Há planos de saúde tão selecionados que cobrem este custo. Cerca de 85% das UTIs aéreas transportam pacientes do SUS, mas não precisa ser muito esperto para perceber que os 15% de pacientes que pagam tão caro por este serviço dão conta de todos os que, no conjunto de doentes, podem arcar com este valor. Quanto aos que precisam ser transportados e dependem do SUS, muitos não conseguirão.
Uma vida não pode ser mais valiosa que outra vida. O próprio Capitalismo revolucionou o mundo feudal afirmando, dentre suas palavras de ordem, a IGUALDADE. Porém, constituiu em seu âmago a ânsia pela acumulação e nunca fez de todos os seres humanos iguais. Nem na desgraça.
A fila única precisa ser um caminho para a ESTATIZAÇÃO DE TODO O SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL.
Dizer que saúde não é mercadoria não pode continuar sendo uma expressão vazia de significado. Saúde deve ser uma das condições mínimas garantidas pela sociedade a todos sem distinção alguma.
Saúde pública universal já!
A Emancipação Socialista defende que todos tenham acesso à saúde de maneira igualitária. Os hospitais e laboratórios lucram com a doença. A existência humana será muito mais plena e feliz quando todas as vidas de fato valerem igualitariamente. Que haja um único sistema de saúde no Brasil, público e acessível a todos sem distinção alguma.