Em janeiro, Trump apresentou o que chamou de “Acordo do século” entre israelenses e palestinos. A cerimônia de apresentação desse “acordo” contou com os israelenses Benjamin Netanyahu e Benny Gantz (Primeiro-Ministro e Ministro de Defesa), ou seja, foi acertado somente entre uma das partes interessadas.
Esse “acordo” tem 4 pontos principais: Reconhecimento de Jerusalém como capital israelense; legalização de assentamentos (colonos israelenses apoiados por militares e que construíram bairros inteiros depois de expulsarem palestinos de suas terras) na Cisjordânia sob jurisdição israelense (ou seja, anexação e compromisso de Israel de congelar e não parar); novos assentamentos em terras palestinas e um Estado Palestino formado por pequenos territórios (ilhotas, do tamanho de bairros brasileiros) cercados por Israel e sem comunicação entre eles.
Esses pontos reforçam a posição israelense, pois legitimam as várias ações de Israel contra os palestinos e representam mais um passo na tentativa de aniquilar o povo palestino, verdadeiro objetivo do Estado sionista e racista de Israel. Por isso esse “acordo” tem sido chamado de solução final, analogia a ofensiva de Hitler contra os judeus.
Desde a criação do Estado de Israel, o povo palestino resiste às constantes ofensivas e massacres promovidos pelo exército israelense, citamos dois: em 15 de maio de 1948, milícias sionistas expulsaram 800.000 palestinos de suas terras, os empurraram para as estradas de exílio como uma primeira leva de refugiados. E em Sabra e Chatila, campos de refugiados palestinos no Líbano, numa ação da Falange Libanesa (grupo de inspiração fascista) com o apoio logístico do exército de Israel, estima-se que mais de 3.500 pessoas foram mortas, incluindo muitas crianças que ainda dormiam.
Outro absurdo desse “acordo” de Trump é que seu ponto de partida nem sequer é a resolução da ONU de 1947, algo já bastante questionado em que o território destinado ao Estado de Israel era muito menor do que o atual. Com isso, considera como consumado a ocupação militar na Cisjordânia, a anexação de Jerusalém, a invasão de colonos israelenses em terras palestinas, etc.
Assim, segue a implementação do plano dos Estados Unidos em conjunto com o Estado de Israel que nega ao povo palestino até mesmo o seu direito de existência: a própria criação do Estado de Israel, esses constantes massacres, a negativa do direito ao retorno, a anexação de Jerusalém e agora da Cisjordânia e o cruel corte de repasses de verbas para os fundos de assistência da ONU que socorrem os refugiados palestinos.
Jerusalém ocupada e anexada por Israel
Esse “acordo” é um retrocesso até mesmo em relação ao “Acordo de Oslo”, assinado por Arafat (OLP) e Yitzhak Rabin (Primeiro-Ministro) entre 1993 e 1995, no qual Jerusalém seria a capital dos dois países nessa forma negociada posteriormente.
O conflito em torno de Jerusalém vem de longe. Pelo plano da ONU, de criação do Estado de Israel em 1948, Jerusalém era considerada uma cidade internacional, separada e administrada pela ONU. Mas, isso durou pouco mais de 1 ano, pois já em 1949 Israel ocupou a parte ocidental da cidade (a oriental era controlada pela Jordânia) e, com a vitória na “Guerra dos seis dias”, passou a ocupar a parte oriental.
Mesmo sem o reconhecimento internacional, na verdade a burguesia israelense não se importa muito com a diplomacia e, em 1980, o parlamento israelense aprovou uma lei que intitulou a cidade como a capital “eterna e indivisível” de Israel. No entanto, nem mesmo a submissa ONU reconheceu essa lei por considerá-la como “violação do direito internacional”.
Por esse “acordo”, o (incerto) Estado Palestino ficaria apenas com um bairro periférico da parte oriental da cidade, onde poderia instalar sua capital. Por óbvio nem o mais conciliador palestino concorda com tal tese.
E desconsiderando a disputa histórica, nesse “acordo”, Trump (“presidente mais amigo de Israel” – Netanyahu) se coloca a favor de Israel, reconhece formalmente Jerusalém como parte de seu território e apoia a anexação. Parte dessa política é a decisão de mudar o endereço da embaixada estadunidense de Tel Aviv para Jerusalém, reconhecendo-a como a capital. Um gesto com forte simbologia política, pois há décadas essa cidade é também reivindicada pelo povo palestino.
Mesmo sem ter sido efetivada por todos esses anos, principalmente pela reação e luta do povo palestino e demais árabes, o Congresso dos Estados Unidos, por iniciativa da extrema-direita com forte influência sionista, aprovou uma lei em 1995 que já reconhecia Jerusalém como capital de Israel e já estabelecia a mudança da embaixada para essa cidade. Então não é novidade esse “acordo” de Trump.
Poucos países reconhecem essa cidade como a capital israelense e Estados Unidos é o principal. Para mostrar sua subserviência ao imperialismo, Bolsonaro segue o mesmo caminho contra a maioria da diplomacia brasileira.
Outra questão sobre Jerusalém e que devemos considerar é a representação religiosa, pois é considerada sagrada para o cristianismo (onde Jesus foi crucificado, morto e sepultado), para o judaísmo (onde o rei Davi construiu um templo para guardar a Arca da Aliança com as Tábuas dos Dez Mandamentos) e para o islamismo (onde Maomé ascendeu aos céus).
Anexar a Cisjordânia é mais um passo para o genocídio do povo palestino
Não há dúvida de que o Estado de Israel apenas espera o melhor momento para fazer com a Cisjordânia o mesmo que fez com Jerusalém, ou seja, incorporar todo o seu território.
Cisjordânia é um território palestino, ocupado militarmente por Israel desde 1967. É um pequeno e importante território para a agricultura, onde está localizado o Vale do Jordão. São 2,8 milhões de habitantes palestinos. No entanto, cerca de 450 mil israelenses já invadiram, expulsaram palestinos e construíram mais de 130 assentamentos com toda infraestrutura e apoios do governo e exército israelenses.
Pelo “Acordo de Oslo”, a Cisjordânia foi dividida em três setores: A – administrado pela Autoridade Civil e com segurança pela Autoridade Nacional Palestina (ANP, não é considerado um Estado), mas frequentemente com incursões militares israelenses; B – controle civil pela ANP e com segurança por Israel e ANP; C – representa 60% do território onde fica o Vale do Jordão e tem controle exclusivo israelense. É esse setor que Israel quer anexar, ou seja, dar um salto na ocupação militar para incorporação direta. E Netanyahu, ao se apoiar no “Acordo do Século” promovido por Trump, alega que essa região é importante para a defesa de Israel.
Com isso a situação seria que a maioria de um povo (os palestinos) seria dominada por uma minoria (Estado estrangeiro de Israel), o que certamente Israel fará de tudo para mudar com a expulsão ou mesmo dizimação dos palestinos. Somente as pessoas de origem israelense, minorias, teriam garantidos os direitos civis enquanto os palestinos seriam, no máximo, cidadãos de segunda classe como já ocorre com os originários árabes-palestinos que vivem no território israelense.
A intenção do Estado de Israel de anexação de parte da Cisjordânia é certamente um dos maiores ataques ao povo palestino. E não há outro termo melhor para denominar essa situação do que apartheid, uma analogia ao domínio dos brancos sobre os negros na África do Sul.
Ainda não é possível saber, por conta da pressão internacional, se Israel vai concretizar esse plano de anexação dessa parte da Cisjordânia, mas se o fizer a classe trabalhadora internacional precisa lutar, se colocar contra essa medida e se solidarizar com a luta do povo palestino.
E os dois Estados? “Acordo” do século põe fim à ilusão
O acordo de Oslo também estabelecia que o Estado palestino seria autoridade em Gaza e em parte da Cisjordânia, que a realidade se encarregou de mostrar que não passava de enganação do imperialismo e de Israel. Em troca a direção da OLP (Organização para Libertação da Palestina) reconheceria o Estado israelense e deixava de defender a plataforma história de um só Estado laico, democrático e não racista onde todos pudesse viver em paz e com igualdade de direitos.
Assim, a tese de “dois Estados” passou a ser defendida com entusiasmo pelo falecido Arafat, direção histórica da OLP e depois por seu sucessor Mahmoud Abbas. Um rebaixamento do programa em troca de uma promessa que até hoje não foi efetivada e com esse “acordo” do século, nem isso vai ser.
Ainda que tenha ocorrido uma forte resistência na base dos territórios palestinos e de grupos palestinos como o Hamas, as tratativas em Oslo deram fôlego a Israel para continuar com sua política de limpeza étnica, expulsando a população palestina para alguns guetos, rodeados por um muro de 8 metros e cercados por forças militares israelenses, batizados com a “maior prisão a céu aberto do mundo”.
Agora, caso Estados Unidos e Israel consigam impor esse “acordo”, o já reduzido território palestino ficará ainda mais, com Israel dando mais um passo naquilo que sempre quis: realizar a limpeza étnica, exterminando a população palestina e ficar o território histórico da Palestina.
Na prática é a inviabilização definitiva de um Estado Palestino independente, pois os pequenos territórios espalhados e cercados por Israel não resistiriam por muito tempos às contínuas e novas investidas dos israelenses.
Essa é uma explicação para o avanço das invasões de assentamentos de colonos israelenses desde a década de 70 nesses territórios. Uma ocupação civil lenta e persistente ao longo de muitos anos que vai “substituindo à força” os palestinos que são expulsos ou obrigados a se retirarem por conta de ameaças ou mesmo pela destruição de suas plantações e pela proibição de acesso à agua.
Tem uma particularidade nesses assentamentos em geral, pois além de serem formados pelo setor fundamentalista do judaísmo, o sionismo fanático, ultrarreligioso e racista ainda defendem mais abertamente o extermínio do povo palestinos como parte necessária da formação do “Grande Israel”.
Esse “acordo” somente promete o congelamento da construção de novos assentamentos nos territórios palestinos pelos próximos 4 anos, mas mantêm os já instalados e coloca-os como parte do Estado de Israel mesmo estando em território palestino. Esperar 4 anos não impede a retomada de novos assentamentos.
Fim do Estado de Israel, por um Estado multiétnico!
Esse “acordo” é mais uma demonstração do caráter racista do Estado de Israel, por isso o seu fim. Pela constituição de um Estado multiétnico, democrático, laico e socialista que congregue o proletariado israelense e árabe como única condição para libertação do povo palestino e com todas as garantias de vida e sobrevivência independentes de origem étnica ou orientação religiosa.
A luta do povo palestino é justa, a apoiamos sem nos aliar, no entanto, às direções fundamentalistas (como o Hamas) e a defendemos de forma incondicional.
Nesse sentido, uma batalha política importante é ganhar a classe trabalhadora israelense para enfrentar e derrotar os setores fundamentalistas do judaísmo e a direita (desde a “democrática” até a extrema-direita), responsáveis por todas as políticas genocidas contra os palestinos.
Destacamos que nenhum setor burguês, nem mesmo o árabe, pode cumprir essa tarefa e essa luta por questão democrática está vinculada à luta pela Revolução Socialista!