“A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Karl Marx – Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, 1852.
Buscamos, nesses últimos meses, observar a questão das alianças e frentes amplas eleitorais por nos deparar nos locais de luta e na imprensa burguesa, mesmo com o início da pandemia, a priorização do calendário eleitoral e seus debates.
Infelizmente podemos afirmar nesse momento que – mesmo o caos com o número de mortes, falta de leitos e equipamentos de proteção, mudanças com o isolamento social, com o modo de vida, de trabalho e de sobrevivência da classe trabalhadora de conjunto – a luta anticapitalista contra Bolsonaro, todo o seu governo, o Parlamento e o Judiciário burgueses foi secundarizada. E, como não nos interessa aqui debater todo esse processo eleitoral mas a construção das lutas estruturais e cotidianas, temos focado os passos dados pela esquerda no Brasil, especialmente pelo PSOL.
História de origem
O PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) surgiu a partir da expulsão de deputados e senadores do PT (Partido dos Trabalhadores), em 2003, quando votaram contra a Reforma da Previdência do Governo Lula e somente foi oficializado em 2005. Desde então, o partido tem aglutinado uma parcela de organizações de esquerda e tem tido inserção em vários movimentos, mas tem se destacado principalmente na atuação no parlamento.
Assim, desde a sua fundação, o partido (não necessariamente todas as suas correntes) se mostrou ligado ao parlamentarismo como oposição de esquerda, mas tem mantido como sua atuação estratégica o fortalecimento e a eleição de parlamentares. Ou seja, ainda que várias dessas organizações dentro do PSOL se coloquem como revolucionárias, o partido não atua de fato e em sua totalidade como anticapitalista e revolucionário.
Com isso, segue atuando conjuntamente com o programa que propõe apenas algumas mudanças no sistema capitalista (melhoria da gestão de Estado, da ética parlamentar, etc.) e não o seu necessário fim, erro já cometido pelo PT e seus governos.
Destacando a diferença de que o PSOL não tem desde a sua origem e em sua totalidade a necessária inserção na classe trabalhadora, diferente do PT que já nasceu a partir de fortes mobilizações e com base operária e viès de Esquerda.
Dessa forma, quando o governo do PT deixou de ser útil para parcelas da burguesia e sofreu um impeachment – mesmo aplicando Reformas (como a da Previdência), privatizações, cortes de verbas públicas, fortalecimento do sistema financeiro, aumento da repressão, etc. que prejudicavam profundamente a classe trabalhadora – comprovou o quanto os capitalistas buscam cotidianamente a rápida intensificação da exploração com “o pior governo para os trabalhadores, melhor” e o quanto parcelas da esquerda no Brasil insistem ainda no “governo menos pior, melhor”.
Nesse último caso, o PSOL de conjunto se manteve ao lado de um dito “governo menos pior” tanto por não exigir do governo do PT o fim desses e demais ataques à classe trabalhadora, a unidade de ação e das lutas diretas com mobilizações e greves das várias categorias profissionais (representadaspor centrais, sindicatos, entidades e movimentos de esquerda) pelo fim da desigualdade social, do desemprego, da perda de direitos e do capitalismo; quanto por não denunciar e criticar os serviços prestados pelos governos do PT, com as verbas públicas, às elites brasileiras e internacionais.
As consequências de tudo isso sofremos ainda hoje com o enfraquecimento de nossas lutas e o fortalecimento dos governos de direita.
O apego às alianças repete o apego à Frente Ampla com partidos burgueses
A manutenção do poder parlamentar leva qualquer direcionamento político para o fortalecimento do Estado burguês se não houver uma base forte e ativa de trabalhadores/as em luta nos seus locais de trabalho, estudo e moradia contra os governos e o capitalismo, o que as organizações e movimentos de esquerda não podem limitar ou abandonar.
Um projeto político que prioriza a presença no parlamento limita a luta e direciona toda a sua tática para o processo de eleição do partido, pois o mais importante deixa de ser contribuir para a organização e consciência anticapitalista da classe trabalhadora em seus locais e passa a ser estruturar o partido para conseguir o maior número de votos, mesmo que isso signifique apenas “ampliar o arco de alianças eleitorais” num momento em que é imprescindível a organização de toda a esquerda para avançar na unidade dessas lutas cotidianas e estruturais contra os ataques da direita e seus governos burgueses.
Dentre o aprofundamento da crise estrutural do capital, as experiências vividas durante os últimos governos no Brasil, as derrotas impostas por capitalistas, parlamentares e governos à classe trabalhadora (retirada de direitos duramente conquistados, aumento do desemprego e da jornada de trabalho, redução do valor médio salarial, etc.), o caminho que a direção majoritária do PSOL buscou repetir e impor ao partido foi exatamente o de priorizar o parlamento e fortalecer essas alianças com partidos de direita e governistas.
Já em 2008, de seus 25 vereadores eleitos 15 foram graças às alianças com partidos burgueses e governistas. Alguns foram expulsos, mas aqueles eleitos em regiões eleitorais importantes permaneceram no partido como em Macapá (AP) em aliança com PSB e PMN; em Porto Alegre (RS) em aliança com o PV. Ressaltando que ainda nesse ano a candidata Luciana Genro recebeu dinheiro da empresa Gerdau para sua campanha eleitoral.
Em 2010, para a campanha presidencial conjunta, houve a tentativa da direção do PSOL de se aproximar de Marina Silva (então no PV), que se aliou ao PSDB. Houve ainda a eleição do senador Randolfe Rodrigues no Amapá com alianças “informais” com o PTB e declaração de aliança com o DEM.
Esse tipo de aliança com partidos de capitalistas e seus governos avançou nas práticas do partido que, em 2016, em várias capitais e municípios, construiu campanhas com o apoio de PPL, PDT, PV, PSB, REDE, PT e PC do B. Para termos alguns exemplos, segundo dados do TSE, 61 candidaturas se coligou ao PT (mais de 10% do total de candidatos do PSOL no país), 43 candidaturas se coligaram com o PSB e 39 com o PC do B. Tendo ainda 27 coligações com o PMDB e 21 com o PSDB. Lamentavelmente, o PCB também esteve junto em diversas dessas alianças compartilhando a estratégia reformista. No entanto, mesmo que a direção majoritária do PSOL tenha demonstrado apego e já estar vinculada ao método eleitoreiro da políticaburguesa, parte de sua militância e de suas correntes não mostravam acordo e apresentaram várias notas de repúdio.
Quando a consciência de classe não avança, retrocede
Esse ano, com a aproximação das prévias e o processo interno de definição das candidaturas para as eleições municipais, se repete com força no PSOL o velho debate sobre alianças eleitorais, mesmo com a intensificação da crise estrutural do capital mantendo os lucros da burguesia, seus governos e parlamentares ao mesmo tempo em que busca avançar em retirar da classe trabalhadora tudo que lhe é de direito, inclusive a vida e a sobrevivência.
Dessa forma, o que percebemos é o aumento da posição favorável à “ampliação das alianças” para as eleições. E se há alguns anos foi importante o repúdio de parte da militância às posições da direção, agora não ocorre o mesmo com a posição de algumas correntes:
Como exemplo podemos citar uma afirmação da Resistência, corrente interna do PSOL, para as eleições em 2016: “O erro do Diretório Nacional do PSOL em aprovar essa ampliação do leque de alianças deve ser motivo de atenção de todos os ativistas que buscam construir uma nova alternativa de esquerda nesse país. Coligações com o PT, PCdoB e com a direita caminham no sentido oposto disso e impactam negativamente o conjunto da esquerda.” (encurtador.com.br/oAJL3)
Já em 2020, o discurso da mesma corrente é o oposto: “Nesse marco, devemos lutar para que o PT e PCdoB estejam lado a lado ao PSOL nestas eleições, para ampliar o alcance das ideias de esquerda e trazer mais lutadores que poderão se somar na organização da resistência nos bairros, favelas e locais de trabalho.” (encurtador.com.br/vBQS2)
Tentamos entender essa mudança brusca de posição política, a alegação é a conjuntura aberta com a eleição de Bolsonaro que, segundo a corrente, é um momento defensivo nas lutas e de crescimento econômico em um governo neofacista. E, de fato, compreendemos que enquanto indivíduo o Bolsonaro tem aspirações fascistas, mas não podemos caracterizar o seu governo como fascista. É um governo de extrema direita, conservador, reacionário e inimigo da classe trabalhadora.
A própria burguesia encontrou formas de regular suas ações por outras esferas de poder do Estado burguês como o Parlamento e o Judiciário a fim de garantir a agenda de ataques aos trabalhadores sem provocar grandes mobilizações contra suas medidas. As ações para conter os setores mais raivosos do bolsonarismo também vão nesse sentido. A prisão da ativista bolsonarista Sara Winter, as ações policiais contra os filhos do presidente, a reaproximação com o STF e o processo contra as fake news são parte desse movimento de um certo controle sobre Bolsonaro.
Ainda que possa ser desejo de Bolsonaro dar um golpe, a chance frente à realidade não se mostra possível, pois não possui uma grande e suficiente base de apoio para isso, além de ter perdido uma parte de sua popularidade ao ficar contra o isolamento social durante a pandemia e a burguesia de conjunto não apoiar essa saída.
Colocamos esses elementos por entender que uma conjuntura difícil não justifica “alianças e frentes amplas” com os mesmos programas e partidos que constroem cotidianamente e em cada local do país situações que nos enfraquecem como essas que estamos vivendo (de intensificação da exploração, das várias formas de violência e de repressão contra as lutas da classe trabalhadora e suas condições de vida e sobrevivência), que também foram (vide os 13 anos de governos petistas) e seguem responsáveis por manter os lucros da burguesia e que insistem em ser contrários na garantia, no mínimo, das condições básicas de vida (moradia, emprego, Saúde, Educação, salário mínimo Dieese 4.595,60 – Junho, redução da jornada de trabalho sem redução salarial, etc.) para toda a classe que necessita trabalhar para sobreviver. Uma conjuntura difícil exige cada vez mais unidade anticapitalista na luta direta, cotidiana, em cada local de trabalho/estudo/moradia a fim de destruir toda essa miséria.
Frente ampla tem que ser a unidade em luta direta e anticapitalista da classe trabalhadora
Buscamos tratar brevemente dessa questão das alianças por nos deparar nos locais de luta, mesmo durante a pandemia, com a priorização do calendário eleitoral. E mesmo diante de tamanho caos com o número de mortes e mudanças com o isolamento social, parcelas da esquerda insistem em secundarizar a luta anticapitalista contra Bolsonaro, todo o seu governo, o Parlamento e o Judiciário que sustentam toda a burguesia e esse sistema de miséria.
Infelizmente, a direção majoritária do PSOL tem mantido essas práticas, tem buscado impor um controle cada vez maior à militância como forma de aplicar a agenda de alianças com partidos da ordem burguesa, se afastado cada vez mais dos interesses da classe trabalhadora e se sujeitado às negociatas da burocracia estatal.
O caminho parecido com o do PT é inegável, essa degeneração ocorre a passos rápidos, mesmo que com menor expressividade na luta de classes e demonstra a continuidade da crise de alternativa socialista.
Em muitos lugares, mesmo com a oposição de algumas correntes, a direção majoritária conseguiu impor suas alianças conforme exemplos divulgados pela imprensa de correntes internas: Em Campinas não terá candidatura própria e sairá como vice na chapa do PT. No Pará, a direção do partido na cidade aprovou a ampla frente partidária que caminhará com Edmilson Rodrigues e PT, PDT, PCdoB, Rede, PCB e UP.” Em Santa Catarina, irá compor a frente “Floripa Pra Frente” com PT, PCdoB, PDT, PSB, Rede, PCB e UP. No Rio de Janeiro foi aprovada a candidatura própria, mas também foi aprovada uma política que permite ampliar a aliança eleitoral.
Não se trata de casos isolados e sim de uma política generalizada imposta pela direção majoritária. Correntes de esquerda individualmente não têm tido forças para resistir a esse processo.
E é importante destacar que não se trata de uma política só para as eleições 2020, mas de enquadramento aos limites da democracia burguesa. A assinatura do Manifesto “Estamos Juntos” (que defende a Ordem, a Lei, a política, etc.) com FHC, Lobão, Camilo Santana e Reinaldo Azevedo dentre outros é uma demonstração do caminho que está sendo percorrido pelo PSOL e que não pode ser adotado pela esquerda e nem pela classe trabalhadora de conjunto.
Insistimos que a unidade na luta direta e anticapitalista contra Bolsonaro, todo o seu governo, contra o Judiciário e o Parlamento burgueses deve ser construída em cada local de moradia, de trabalho e de estudo mesmo diante da pandemia para garantir as condições de vida e sobrevivência da classe trabalhadora de conjunto!