Uma antiga reivindicação dos banqueiros foi atendida. Depois de aprovada pelo Senado em novembro do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou a independência do Banco Central brasileiro e o projeto foi sancionado por Bolsonaro e Paulo Guedes, que já tinham prometido aos banqueiros que dariam a eles maior independência do Banco Central.
O Banco central: quartel dos banqueiros
O Banco Central é o banco dos bancos. Tem a função de emitir dinheiro, fixar a taxa de juros básica, que serve de parâmetro para as demais taxas de juro do mercado. Também atua no mercado de câmbio das moedas (compra e dólar para “regular” o mercado, portanto, é responsável pela cotação do dólar e do euro). Ainda está sob sua coordenação, os depósitos compulsórios (obrigatórios aos bancos para garantir que, pelo menos uma parte do valor que os bancos movimentam “exista de verdade”) e também empresta dinheiro aos bancos em dificuldades.
Por isso, quem controla o banco, controla todas essas medidas. Nas últimas décadas todos os presidentes são ligados aos bancos brasileiros, controlando o órgão que deveria fiscalizá-los. Algo como a raposa cuidando do galinheiro.
Isso também aconteceu nos governos petistas. Meirelles o presidiu durante todo o mandato de Lula e Dilma indicou Alexandre Tombini, ligado ao FMI e Banco Mundial e depois Joaquim Levy que atualmente trabalha para o Banco Safra.
Com esse controle os bancos têm vários privilégios e custam muito para o cofre público. Damos um exemplo: Nos últimos 10 anos, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, o BC pagou mais de 1 bilhão de reais de rendimento aos bancos sobre a “sobra de caixa” (dinheiro que não conseguiram emprestar por conta das altas taxas de juros).
Autonomia ou independência
O Banco Central tem autonomia quando o presidente é indicado e pode ser demitido a qualquer momento. Nesse caso não define metas (de inflação, por exemplo), mas pode definir as políticas e o prazo para alcançar essas metas. É independente quando o seu presidente e diretores não podem ser demitidos e definem as metas e as formas de alcançá-las.
Pelo projeto aprovado ficou no meio termo, segundo o projeto, o Banco Central tem “autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira”. O presidente e os diretores serão indicados pelo Presidente da República e, após sabatina, confirmados pelo Senado e não podem ser demitidos. O mandato é de quatro anos e podem ser reconduzidos por uma vez.
Com isso, a diretoria tem liberdade para as decisões sobre taxa de juros, política de câmbio, etc., sem considerar até mesmo os efeitos sociais dessas decisões.
A lei aprovada faz alguma diferença?
O Banco Central já contava com autonomia patrimonial e para operar no mercado (compra e venda de moedas, etc.). Agora conta também com autonomia administrativa, dando mais margens para a diretoria do banco.
Muitos defensores da lei argumentam que o risco de interferência dos bancos nas decisões do Banco Central já existe. De fato, como mostramos acima, essas relações íntimas entre o Banco Central e os banqueiros já existiam, mas a lei institucionaliza esse compadrio.
Com a aprovação, agora a diretoria fica mais livre para aplicar medidas, mesmo que elas se oponham a política econômica defendida pelo governo, ainda que a normalidade é a coincidência da política econômica com os interesses do sistema financeiro.
A estabilidade para a diretoria do BC de certa forma serve como blindagem contra a pressão, por exemplo, na luta pela redução da taxa de juros. Assim, os interesses do sistema financeiro prevalecerão de forma mais direta.
Também é importante frisar que essa lei formaliza a captura do Estado pelos bancos, funcionando como um poder paralelo e ditatorial. Para se ter ideia, a eleição de um governo que defende uma política monetária diferente não fará a menor diferença, ou seja, é uma ditadura econômica dos banqueiros.
Sem ter obtido nenhum voto popular a diretoria do Banco Central tem o poder de decidir sobre questões que atingem a nossa vida diretamente.
Sistema de metas: os bancos definindo a política econômica
O chamado de sistema de meta da inflação foi implementado por Armínio Fraga Neto em 1999 e isso significa que a política monetária tem prioridade em relação à política econômica, ou seja, nenhuma outra política pode entrar em conflito com a meta estabelecida.
A política monetária, onde se define a meta de inflação, continua sendo definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), formado pelo Ministro da Economia, Presidente do BC e o Secretário especial da Fazenda. É uma política de governo.
Como exemplo: a meta da inflação anual é fixada em 4% e um limite para cima ou para baixo, digamos, de 1%. Assim a inflação deve ficar entre 3% e 5%.
Com isso, para garantir que a inflação não ultrapasse o limite definido, o governo adota várias medidas contra a classe trabalhadora, como impedir o aumento de salário pois, segundo a tese que defende a política de metas, mais salário e renda é aumento do consumo e consequentemente de aumento da inflação.
Por esse sistema, o COPOM (Comitê de Política Monetária, composto pelos diretores mais o presidente do BC, criado em 1996), decide sobre a taxa de juros, a qual interessa muito ao sistema financeiro e tem fortes impactos na situação econômica do país.
Antes das reuniões, o COPOM consulta formalmente o “mercado”, quer dizer, os bancos, os grandes fundos de pensões e as consultorias sobre a previsão deles da inflação, do crescimento econômico, taxa de juros, balança de pagamentos, etc. E com base nessas informações toma as decisões. A taxa de juros, por exemplo, serve para remunerar os títulos da dívida pública, ou seja, os detentores desses títulos definindo quanto vão receber. Não são decisões técnicas, como dizem, mas decisões para “o mercado”.
O papel do capital financeiro na pobreza
Uma das principais características do capitalismo na atualidade é esse poder do sistema financeiro, que em última instância, definem o ritmo de investimento produtivo, as políticas públicas, a repartição da renda e a política econômica dos países.
Por isso, dizemos que o lucro obtido pelo capital financeiro se contrapõe ao bem-estar da sociedade, até mesmo “outros departamentos” do capital encontram dificuldades quando precisam recorrer aos empréstimos, visto que precisam destinar parte do seu lucro para o pagamento dos juros.
Assim, os rentistas se firmam como uma força autônoma no interior do Estado e com força capaz de pôr em cheque os governos, destruir economias, redirecionar a riqueza… dado o seu poder agora, de definir a política monetária e de câmbio a seu bel prazer.
No Brasil, o sistema da dívida pública é a melhor demonstração de como ocorre essa transferência de renda e de riqueza para os banqueiros e especuladores que detém a maioria dos títulos da dívida pública. Todos os anos mais de um trilhão de reais são transferidos para esse setor com o pagamento da dívida pública, contando o principal, os juros e os serviços da dívida.
Qual a posição da esquerda socialista?
Para nós da Emancipação Socialista, a política econômica levada por um governo burguês sempre vai favorecer os capitalistas. Não há como postular dentro do Estado burguês, medidas econômicas ou monetárias que possam favorecer a classe trabalhadora. Para algo a favor da classe trabalhadora, só rompendo com esse sistema social.
Então a crítica que fazemos à formalização da independência do Banco Central é como parte da denúncia do papel do capital financeiro na atual configuração do capitalismo.
O primeiro passo para a ruptura com todos esses mecanismos de domínio do Estado pelo capital financeiro é a estatização de todo o sistema financeiro sob controle de trabalhadores, como forma de direcionar as finanças públicas a serviço dos interesses da maioria da sociedade.