Um projeto de reforma tributária apresentado em abril pelo governo de Iván Duque ao Congresso da Colombia, para financiar os gastos públicos e que visava também aumentar a base de arrecadação do imposto de renda e aumentar impostos sobre serviços básicos e Imposto sobre Valor Agregado (IVA) foi, de imediato, rechaçado pela classe média e por sindicatos, movimentos sociais e diversos setores da sociedade.
A Colômbia, quarta economia da América Latina, já vivia uma grande crise econômica, aprofundada pela pandemia da COVID-19. Meio milhão de negócios quebrou, a pobreza aumentou em 6,8 pontos chegando a 42,5% da população (um aumento de quase 7% em relação a 2019) e o déficit chegou a 8% do PIB, dados pertinentes a uma década perdida. Mais de 3,6 milhões de colombianos foram para a situação de extrema pobreza.
O projeto original de Duque previa a cobrança de imposto de renda para pessoas que ganhassem mais do que US$ 656,00 por mês, quando hoje é só para quem recebe acima de US$ 1.000,00. O IVA da gasolina, por exemplo, passaria de 5% para 19%, e os impostos sobre serviços básicos aumentariam em áreas de classe média alta. Até a taxação sobre funerais seria aumentada.
Uma greve geral nacional, acompanhada de uma explosão social em que 80% da população se pôs contra o projeto, tomou conta da Colômbia, a partir de 28 de abril, tendo a Cidade de Cali, sudoeste do país, como o local central nos embates entre policiais, o Exército e os manifestantes. Regiões e cidades inteiras foram bloqueadas, com os manifestantes criando postos de vigilância e barricadas. O ministro da Economia Alberto Carrasquilla foi derrubado em meios aos protestos, em 03 de maio. Até o dia 09 de maio, os números apontavam 35 mortos (20 jovens e um policial), e 1526 feridos, sendo 826 policiais e 680 civis e 400 presos. Mas as entidades de direitos humanos apontam muitos mais mortes e segundo a Defensoria Pública existem 87 desaparecidos.
A saída do governo ultra burguês de Iván Duque para enfrentar os protestos foi militarizar a cidade de Cáli, terceira maior cidade do país, mandando três mil soldados para lá. Os prefeitos de Bogotá e Medellín rejeitaram a oferta de militarizar suas cidades, ainda que soldados patrulhassem a capital por ordem presidencial. Cáli, de 2,2 milhões de habitantes, ficou bloqueada por ar e terra, durante dias. Desde o início dos protestos, segundo dados do próprio governo, houve ocorreram 733 bloqueios de estradas, gerando desabastecimento de combustíveis, alimentos em cidades como Cáli e Pereira. Os preços das coisas se multiplicaram por dez em Cáli. Ocorreram saques de comércios e queima de bancos e prédios governamentais e o bairro de Siloé, um dos mais pobres, se insurgiu contra o Governo.
O governo contra-atacou. Buscando reverter a sua impopularidade crescente do governo e procurando jogar a opinião pública contra os protestos, o ministro da Defesa colombiano, Diego Molano, acusando os manifestantes como vândalos e baderneiros e afirmando que dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estavam por trás da radicalização dos protestos, insinuando o envolvimento de narco-traficantes na explosão popular. Logo um governo que jamais se preocupou em combater a produção de cocaína, que se manteve estável, segundo a ONU e chegou a 951 toneladas, sendo os maiores níveis históricos, gerando a Colômbia 70% do fornecimento mundial da droga.
Ao mesmo tempo, Iván Duque, que com o projeto anterior pretendia arrecadar 6,3 bilhões (R$ 34,43 bilhões) entre 2022 e 2031, dentro do espírito da contra-ofensiva governamental, busca construir uma nova proposta, envolvendo partidos políticos, setor privado e sociedade civil, que se concentrará em taxar temporariamente as empresas e as classes sociais mais abastadas. Entre outras coisas, a nova reforma teria uma tarifa temporária sobre a renda das empresas, um imposto sobre o patrimônio, os dividendos e pessoas de maior renda. Em contrapartida, sem deixar os ataques à população pobre, a nova reforma aprofundaria os programas de austeridade do Estado.
Com a diminuição dos protestos nos últimos dias, Duque procura acenar para a juventude, o setor mais destacado na explosão popular. Também o governo tem tentado negociações com o Comitê da Greve Nacional – centrais sindicais com direções burocratizadas, estudantes, taxistas, caminhoneiros, agricultores, indígenas— , que tem imposto condições para sentar para negociar como o governo concordar em discutir uma reforma policial, uma renda básica de US$ 250 para os mais pobres, a suspensão da fumigação aérea de plantações de drogas com glifosato, ainda a ser implementada, e a desmilitarização de campos e cidades, entre outras solicitações.
As lições recentes do Equador e do Chile para o processo colombiano
Ainda que existam elementos de muito mais presença da classe trabalhadora organizada na explosão popular na Colômbia do que nos protestos do Equador de 2019 e do Chile de 2019/20, ora pela presença das centrais sindicais, ora pelo método de luta da Greve Geral, ora pelos sinais de um poder alternativo dos trabalhadores e da população pobre na terceira maior cidade do país (Cáli), materializado nas centenas de bloqueios de estradas e na criação de postos de vigilância e barricadas, os trabalhadores e a população pobre colombiana não podem perder de vista com o que ocorreu no Equador e no Chile, de dois anos para cá.
Essa discussão é importante, pelo que passaram recentemente Equador (vitória da direita, na eleição de 2021) e o Chile (absorção dos protestos violentos de 2019/20 para o processo de feitura de uma nova Constituição) pode ser também o processo que esteja sendo pavimentado pelo governo e pela burguesia colombiana, contando com o apoio das burocracias sindicais e com as oscilações costumeira da classe média, que aderiu em peso aos protestos.
A nova proposta de reforma de Iván Duque vem com uma série de recuos, visando cooptar as direções do movimento e recuar o movimento. Mas, ardilosamente, embute o aprofundamento dos programas de austeridades do Estado, o que deve ser denunciado como tentativa de desmobilização dos trabalhadores e da população pobre, como foi feito no Equador e no Chile.
Por fim, é importante a solidariedade internacional política e material à classe trabalhadora e aos setores explorados da Colômbia, através de protestos em embaixadas locais e da campanha pela hashtag #SOScolômbia.
Fontes: