1. Introdução
Esse texto sobre a atual situação política nacional tem por objetivo identificar como a burguesia está implementando o seu projeto político-econômico, as tendências e a luta entre as classes sociais no Brasil no próximo período. Com isso buscaremos traçar hipóteses de como a classe trabalhadora e demais explorados vão reagir, como poderemos contribuir na luta e na construção de um projeto na perspectiva revolucionária.
Com base em dados e informações buscaremos apresentar propostas políticas e táticas de atuação na realidade com eixos políticos e alguns elementos programáticos.
O Brasil mesmo com imenso potencial de riqueza (minério, petróleo, imensa área agricultável, etc.), que se apropriado pela classe trabalhadora poderá ser revertido em bem-estar social, é um país com uma das maiores desigualdades do mundo:
De um lado, somos milhões de pessoas desempregadas e subempregadas que sobrevivemos com salário-mínimo ou muito menos. Mais de 50% da população sobrevive com a fome, isto é, com a falta do alimento básico ainda que seja em uma das refeições (insuficiente e não permanente, vulgo Insegurança Alimentar de acordo com a ONU/FAO) sendo que 9% não têm nada o que comer. Enquanto isso, o país bate recorde (mais 4,5%) na colheita de toneladas de grãos para exportação. Temos 8 milhões de pessoas sem uma casa própria, sob aluguel ou sofrendo despejos. Já somos milhares de mortos por Covid-19 e por outras doenças que o Sistema Único de Saúde tragicamente socorre, devido a falta de verbas e investimentos. O sistema Educacional público também sofre ano a ano constantes cortes de verbas (inclusive para manutenção cotidiana) e profundas mudanças que possibilitam transferir o dinheiro público para as redes particulares (desde creches até faculdades), que recebem boa parte dos Orçamentos públicos. Essa é uma parte da situação da classe trabalhadora, do povo brasileiro, que tem se agravado com o governo de Bolsonaro e nesse período de pandemia.
Do outro lado, estão grandes empresários, banqueiros, latifundiários que lucram, mantêm a concentração de riquezas e altos privilégios em poucas mãos (mansões, ilhas, seguranças, escolas, hospitais, helicópteros, lanchas particulares), não pagam impostos devidos, possuem incentivos fiscais, destinam bilhões de imóveis à especulação imobiliária, invadem terras, enviam bilhões de dólares para o exterior, pioram condições de trabalho e salário, etc. mesmo durante todo esse período do coronavírus e com o respaldo desse governo de ultradireita. Toda essa vida de luxo e riqueza com a exploração da classe trabalhadora exige ainda maior intensificação dos cortes de direitos, inclusive básicos, para sustentarem suas altas taxas de lucro.
É um Brasil cruelmente dividido. São milhões de pessoas desempregadas ou trabalhando que vivem nas piores condições sociais e econômicas. Enquanto outras poucas vivem da riqueza do que não produzem. Essa contradição não somente marca a atual conjuntura como toda a história brasileira. Compreender isso sempre orientou a nossa atuação mas, nesse momento, merece um olhar para a classe trabalhadora de conjunto sob o peso de contaminados e mortos por Covid-19 com suas graves consequências. E possibilitará construirmos nossa política para o próximo período e encaminharmos questões táticas de nossa luta estratégica.
Entendemos que esse período de pandemia tem representado para a classe trabalhadora muito mais danos e perdas. Além de todas as vidas perdidas (mais de 580 mil ou 77% dos óbitos anuais) que têm suas consequências individuais e coletivas, aprofundou o colapso do sistema de Saúde (sem UTIs), aumentou o desemprego, retira-se ainda mais direitos e intensifica-se as horas de trabalho (rebaixando o nível salarial), constantes altas de preços dos alimentos, carestia, etc. Há total descaso dos vários governos e parlamentares ao desconsiderar as necessárias barreiras sanitárias/lockdowns e, com tudo isso, ainda contamos a morosidade das principais Centrais Sindicais em construir, de fato, a Greve Geral Sanitária ou um “Lockdown” da classe trabalhadora.
Diante dessa realidade enfrentamos também as constantes tentativas de partidos e movimentos (ditos de oposição ao governo Bolsonaro) de desviar a atenção para o parlamento (vide CPI da Covid) e desviar o foco das lutas da classe trabalhadora para o processo eleitoral de 2022, sem oferecer as saídas necessárias e urgentes. Nesse barco também estão as direções de movimentos comprometidos com o projeto do capital.
Assim, cabem aos partidos e organizações de esquerda socialista e anticapitalista se apresentarem à classe como uma alternativa por fora e contra esse sistema que conduz a humanidade para a destruição. De nossa parte insistimos na luta cotidiano nos locais de trabalho (mesmo no trabalho remoto) a fim de manter emprego e direitos; por vacina sob controle da classe trabalhadora junto com os necessários cuidados sanitários; voltarmos a construir e participar de atos e manifestações presencias; defendermos a conformação da Frente de Esquerda Socialista e Anticapitalista como uma das alternativas junto à classe para aglutinar as forças que não se rendem ao capital e seus engodos.
2. Situação da classe trabalhadora brasileira se explica pela superexploração da força de trabalho
Fome, pobreza, falta moradia, de Saúde, de Educação, de lazer, desemprego, acidentes e lesões decorrentes do trabalho, baixa expectativa de vida, mortalidade infantil, enfim, todos esses problemas sociais estão relacionados a superexploração que rebaixa o valor pago pela força de trabalho, que é insuficiente para recompor social e cotidianamente a força (física, espiritual, cultural, etc.) do trabalhador brasileiro.
Segundo Marini, a superexploração é uma condição imposta pela burguesia sobre a classe trabalhadora brasileira como forma de aumentar a extração de mais-valia, para compensar a repassada para a burguesia imperialista. Para manter sua riqueza intacta, a burguesia, então, ainda extrai da classe trabalhadora essa dita “perda” de várias formas como:
Pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor – o salário-mínimo ideal no Brasil, apontado pelo DIEESE, deveria ser de R$ 5.351,00 (de acordo com pesquisa mensal da cesta básica de alimentos, em forte alta de alguns itens nesse período de pandemia). O mínimo para garantir a quem trabalha as condições dignas de recomposição de sua força de trabalho, todo valor mensal abaixo desse significa um salário abaixo do valor. Prolongamento da jornada de trabalho além do normal – a jornada de trabalho no Brasil é uma das maiores do mundo, o que significa que o tempo que o trabalhador está produzindo mercadorias para o patrão é muito maior em relação a outros países. Há condições que esse limite extrapola, inclusive, a mais-valia absoluta com categorias profissionais que trabalham 55 horas semanais e outras atividades como reciclagem, trabalho doméstico (considerado como parte da recomposição da força de trabalho), etc. com jornadas muitos superiores. Aumento da intensidade do trabalho – em que se produz mais mercadorias em menos tempo. Além de aumentar a produtividade (também pode ser com melhoria na técnica), há outras formas utilizadas pela burguesia e, com consequências drásticas para a classe trabalhadora, como o aumento de velocidade da linha de produção (sem melhorar a tecnologia) ou o pagamento por produção (e meta) como forma de obrigar o trabalhador a acelerar o ritmo de trabalho. Dois exemplos: O aumento de produtividade na indústria automobilística e o corte de cana manual, que provocam também o aumento de lesões (na indústria) e a diminuição da expectativa de vida (no campo) em decorrência do trabalho.
Essa essência da relação capital-trabalho e países imperialistas-dependentes com o conceito de superexploração permitem entendermos os dados econômicos e sociais tanto na conjuntura como historicamente e oferecermos uma explicação científica da forma de acumulação do capital no país e, principalmente, como temos insistido, a impossibilidade de soluções de fato para os problemas sociais sem romper o capitalismo. Mesmo as tentativas mais radicais e que não seguiram esse caminho, na América Latina, se transformaram em tragédias como no caso chileno na década de 1970.
Ao nos apoiar nesse conceito permitimos também algumas conclusões fundamentais para a luta revolucionária: a) os problemas nacionais não se explicam apenas pela gestão de governos, mas também pelo modo como ocorre a acumulação capitalista no Brasil; b) nenhum projeto econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção (desenvolvimentista, neodesenvolvimentista, nacionalista, etc.) resiste e enfrenta essas questões. c) concluímos que é impossível superar ou mesmo amenizar essa relação de exploração e intensificação por vias pacíficas e institucionais. A experiência chilena, como citado, terminou de forma trágica; d) a libertação nacional somente será completada com o socialismo e, por isso, na luta anti-imperialista; a burguesia nacional (mesmo tendo seus interesses subordinados aos da burguesia imperialista) não é aliada, pelo contrário, é inimiga pois está em uma Frente Contrarrevolucionária com o imperialismo e contra toda a classe trabalhadora; d) o sujeito desse processo é a classe trabalhadora, no Brasil e no mundo, principalmente seus setores operários.
Esse debate que sempre teve sua importância teórica necessita, nesse momento, ser considerado também no contexto da pandemia com o aumento do trabalho informal, via plataformas, aplicativos sem nenhum direito (trabalhar “por conta própria” para uma empresa como empreendedor) ou o uberismo ou o “contrato zero hora” (fica à disposição sem vínculo e sem estabilidade) ou carteira verde-amarela, considerados como parte do “regime de acumulação por espoliação de direitos trabalhistas”. E ainda o Trabalho Remoto que joga os custos do trabalho e de sua intensificação para a próprio trabalhador.
E tudo isso para contribuir na análise e caracterização da atual composição de nossa classe, de sua consciência e das possibilidades de avanços das lutas para o próximo período, considerando que além de lutas cotidianas estamos, nesse momento, na luta por vida, pelo Fora Bolsonaro e todo o seu governo e por Imunização já de toda a classe trabalhadora. Além de já estar colocado também o debate sobre as eleições de 2022 (com PT e Lula dizendo que vão “fazer o Brasil crescer de novo”). Questões essas que poderão contribuir para demonstrar as contradições e limites do projeto petista e do psolista para dialogar com a vanguarda e ativistas na construção de um projeto anticapitalista.
3. Qual a situação econômica da classe trabalhadora brasileira?
As pesquisas realizadas pelo IBGE têm alguns problemas conceituais e o limite de ser um órgão oficial estatal, mas, com as devidas cautelas ainda são importantes. Alguns problemas que podem distorcer a realidade: na População Ocupada conta trabalhador e empregadores; o critério de considerar como Ocupado qualquer atividade independente de tempo (chamados bicos); não considerar como desempregado quem desistiu de procurar emprego; a força de trabalho subutilizada (quem trabalha menos do que gostaria ou precisa) é considerada parte dos ocupados.
PNAD Contínua (IBGE)- Dez-Jan-Fev 2021 |
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Taxa |
População/pessoas |
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População em idade de trabalhar (acima de 14 anos) |
176,70 milhões |
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Fora da Força de trabalho (universitário, dona casa que não trabalha fora, etc.) |
76,4 milhões |
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Força de trabalho (Ocupada e desocupada) |
100,3 milhões |
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População ocupada |
48,6%, |
85,9 milhões * |
Empregados no setor público |
12,0 milhões |
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Empregados com carteira de trabalho |
29,7 milhões |
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Empregados sem carteira assinada |
9,8 milhões |
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Trabalhadores por conta própria |
23,7 milhões |
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Trabalhadores domésticos |
4,9 milhões |
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Na informalidade |
39,6% |
34,0 milhões |
População desocupada (desemprego) |
14,4% |
14,4 milhões |
População desalentada |
5,6% |
6,0 milhões |
Taxa de subutilização |
29,2% |
32,6 milhões |
*contando, conforme IBGE, 3,9 milhões de empregadores
Sabemos que a situação é muito pior do que apresentam os dados e estatísticas oficiais. No entanto, esses dados nos ajudam compreender os desafios de “quem precisa trabalhar para sobreviver” e da esquerda anticapitalista na luta de classes. Também são úteis para tentarmos compreender e explicar algumas questões sobre a atual situação da Informalidade, do Trabalho por Conta Própria, da subutilização e da parcela desalentada, durante e pós-pandemia, e procurar entender as consequências dessa “espoliação” pela retirada de direitos trabalhistas (13º, férias, acesso ao sistema previdenciário, etc.), a relação com a queda da taxa de sindicalização (sindicatos não atuam com desempregados e Informais) e o possível caráter das mobilizações para o próximo período.
Esses dados são importantes para considerarmos também que, nesse contexto de pandemia, muitas vidas da classe trabalhadora foram perdidas, os ambientes de trabalho têm demorado para se adaptar, a legislação trabalhista básica de segurança não tem sido cumprida e a maioria dos sindicatos não organizaram ainda as categorias como necessitam. Somente em 2020, de acordo com o Observatório Digital de Segurança e Saúde do Trabalho, 21 mil trabalhadores “se infectaram por Covid-19 exercendo tarefas em seu ambiente de trabalho”, mas nem todos os casos foram tratados como acidente ocupacional (poderia gerar aposentadoria diferenciada, pensão à família ou multa). No entanto, tem sido deixado para o trabalhador a tarefa de provar que pegou Covid-19 no trabalho. A cada 10 denúncias 04 foram relacionadas à pandemia em 2020. De 22 mil inquéritos, 44% foram irregularidades trabalhistas relativas à doença, conforme ao Ministério Público trabalho. O Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), de março de 2020 a fevereiro 2021, registra aumento de desligamentos por morte entre trabalhadores com carteira assinada (CLT), especialmente “essenciais”: Saúde Humana de 75 a 204%; Comércio de 28 a 67%; Serviços 34 e 87%; Motoristas 86 e 43%, etc. Na Educação subiu 106,7% (CNTE).
Uma situação significativa é o caso da Petrobrás: somente em maio/21 a FNP (Federação Nacional dos Petroleiros) iniciou Campanha para abertura de CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho) por morte ou doença causada por coronavírus no sistema Petrobrás. Foram “registrados 5.895 casos com Covid-19 ou 12,7% de 46.416 funcionários, até 29/03/2021”, conforme estudo Fiocruz (sem Terceirizados). A incidência de casos na estatal corresponde a mais de duas vezes a taxa registrada no país. A empresa confirmou 32 óbitos por Covid-19. No entanto, não há notícia de CAT, o que é um ataque direto a um direito (que pode atacar outros como estabilidade, recolhimento FGTS, etc.) e pode prejudicar o trabalhador diretamente nos trâmites para os casos de sequelas da doença (tromboses, tonturas, dores, etc.)
4. Superexploração da força de trabalho e o aumento da pobreza e da fome
A fome é inerente ao capitalismo e está presente nas várias partes do mundo. No Brasil, historicamente e sob o governo Bolsonaro, não é diferente. O salário-mínimo oficial brasileiro é de R$ 1.100,00 (26/05/2021) e, como dissemos, bem abaixo do salário-mínimo do Dieese (de acordo com pesquisa mensal da cesta básica de alimentos de R$ 5.350,00 de maio/21.). E com milhões de brasileiros/as sobrevivendo com valores ainda muito inferiores.
Conforme critérios de organismos internacionais, são pobres as pessoas que ganham até US$ 5,50 por dia (28/06 = R$ 4,92), ou seja, R$ 27,06. E estão na extrema pobreza as pessoas que ganham até US$ 1,90 por dia, ou seja, R$ 9,34. Embora esses critérios tenham vários problemas (alterações no câmbio com sobe e desce do dólar) os dados não perdem a validade e podemos considerá-los junto com dados do IBGE 2019; considera-se somente a renda por dia e sem levar em conta a necessidade de direitos básicos (acesso à moradia, Saúde, Educação, serviços de saneamento, etc.):
São 13,8 milhões de pessoas (6,7% da população) em extrema pobreza, ou seja, vivendo com R$ 9,34 por dia. E mais de 38 milhões de pessoas em situação de pobreza, ou seja, vivendo com R$ 27,06 por dia.
Como dissemos, esses dados ainda não revelam toda a realidade e nos reportamos à concessão do Auxílio Emergencial em 2020: 65 milhões de pessoas receberam o benefício (alcançando 124 milhões de pessoas somando filhos, dependentes, etc). Os critérios para recebê-lo eram restritivos: não ter emprego formal; renda per capita familiar de até meio salário-mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal total de até três salários-mínimos.
Os dados demonstram que ter um trabalho não garante sair da linha de pobreza. A precarização do trabalho atinge milhões de pessoas trabalhando com salário, inclusive, abaixo do mínimo legal: São 12,2% de Trabalhador Familiar Auxiliar na extrema pobreza (R$ 9,34) e 39,5% na pobreza; São 25,6% de Domésticas, 23,3% de Empregados sem carteira e 19,3% de Trabalhadores por conta própria que estão na condição de pobreza (R$ 27, 06 por dia).
Além disso tudo, nesse período de pandemia, podemos registrar (desenvolver em outro momento) o desenvolvimento e aumento do trabalho em casa (remoto, Home office – fora da empresa sem ser considerado trabalho externo) e da considerada “divisão das horas de trabalho” em híbridas (adotado o trabalho presencial mesmo em momento de alta da pandemia e o trabalho “on-line”, vulgo pela internet), que trazem várias consequências ao trabalho e ao trabalhador/a e que já têm sido impostos na Educação, por exemplo, mesmo sem os devidos debates e assembleias.
Por óbvio junto com a pobreza está a fome. Mais da metade da população brasileira passa fome com a falta diária de, pelo menos, uma refeição básica. Isso coloca o país entre um dos mais desiguais do mundo, mesmo como grande produtor. São os filhos e filhas da classe trabalhadora, considerados pobres ou na extrema pobreza e que enfrentam mais cruelmente a falta ou os constantes cortes de políticas públicas como no governo Bolsonaro ou “superficialmente” conduzidas nos governos do PT como o Fome Zero e o Bolsa Família.
Pode ser considerado que o Brasil tenha autossuficiência alimentar ou capacidade de produção agrícola (desenvolver em outro momento), mesmo com toda essa população com fome. A “segurança alimentar” (ONU/FAO) é direito fundamental da Constituição Federal, estruturalmente desrespeitado e que tem sido completamente ignorado nesse governo de extrema-direita.
A própria burguesia imperialista tratou de classificar como situação de “insegurança alimentar” (um nome técnico para falta de comida, considerada cruelmente como leve, moderada e aguda) a fome de 19 milhões de pessoas que não têm o que comer; outras 24 milhões de pessoas com privação severa de alimentos e mais 73 milhões com incerteza se vai ter acesso à quantidade ou qualidade necessárias.
Há vários elementos da realidade que apontam para um agravamento dessas condições sociais da população brasileira. Além de diminuição dos programas sociais (Auxilio Emergencial, Bolsa Família, etc.), o modelo agrário voltado para a exportação, uma contradição, resulta também no aumento da fome.
O governo Bolsonaro tem tomado decisões de esvaziar o “estoque público de alimentos”: em fevereiro havia em estoque somente 30 toneladas de feijão e 1.649 toneladas de trigo diferente, por exemplo de 2014, com 333 mil toneladas de feijão e 450 mil de trigo). Tem também desativado os programas de apoio à agricultura familiar, exportado alimentos tradicionais da população brasileira como arroz e feijão e fechado os armazéns da CONAB usados para estoque.
O próprio organismo internacional (ONU/FAO) já apontava a necessidade de o país se preparar para os “desafios impostos pela pandemia”, alertava que “a suspensão do pagamento do auxílio emergencial e a instabilidade da economia impulsionavam o aumento de preços dos produtos da cesta básica” e que o “investimento no setor agrícola não pode objetivar apenas a produção de commodities”.
Com essas ações do governo e sem atender o básico indicado no âmbito internacional, em relação ao período de pandemia, a tendência é o aumento da fome e da miséria com o aumento de preço dos alimentos (sem estoques as empresas praticam livremente preços mais altos).
Esse cenário revela mais uma das faces da superexploração da força de trabalho no Brasil em que o trabalhador/a não tem acesso ao básico para repor o desgaste físico e atender outras necessidades para a reprodução social da força de trabalho e manutenção da família. Toda essa pobreza e miséria mostra um país rico com uma enorme massa de pobres. A riqueza produzida, que seria suficiente para uma vida digna para toda a população brasileira, está concentrada em poucas mãos e mantendo o país como o segundo mais desigual do mundo.
Como temos insistido, essa situação é vinculada à superexploração da classe trabalhadora brasileira e à forma de acumulação de capital. Enquanto a imensa maioria trabalha muito e ganha pouco, uma parcela cada vez menor segue acumulando riqueza e sem “pôr a mão na massa”.
São somente 65 bilionários brasileiros que, juntos, têm riqueza acumulada de US$ 219,1 bilhões (aproximadamente R$ 1,2 trilhão). O empresário Paul Lemann está nessa lista com a propriedade de um Banco de Investimento, da AmBev (Brahma e Antarctica em 140 países), Burger King, Lojas Americanas, Laticínios Leco, buscando dinheiro público via Educação, etc. E carrega bem a “atual cultura empresarial” no capitalismo em crise: Além de superexplorar a força de trabalho ao pagar salário abaixo da média, dá o comando para o formato do atual “mercado de trabalho” com as exigências de “desempenho individual” e “fortalecimento da meritocracia” em suas empresas (que registram abuso de horas extras, assédio moral, desvio de função, etc.). Ao mesmo tempo, se diz “entusiasta da Educação” e desde 2002 (com a Fundação Lemann) busca ter o comando também da Educação pública no Brasil, inclusive já com treinamento de professores durante esse período de pandemia com o Trabalho Remoto, na tentativa de criar um Centro de Estudo de Empreendedorismo e Inovação em parceria com a Universidade de Stanford. Essa é uma relação entre riqueza e pobreza no Brasil e como a nossa vida é guiada com a burguesia no comando.
5. Desafios para as lutas da classe trabalhadora
O próximo período é de continuidade do projeto político-econômico e democrático burguês, que mantém em linhas gerais a política de ofensiva contra a classe trabalhadora para manter e até aumentar os lucros com produtividade (considerada principal fator para crescimento sustentado e aumento do padrão de vida). De acordo com a CNI, Confederação Nacional da Indústria, a produtividade do trabalho (volume produzido pelas fábricas e dividido pelas horas trabalhadas na produção) na indústria de transformação brasileira recuou 0,6% em 2020 com a crise do coronavírus. A produtividade não apresentava queda nos últimos 06 anos, mas no último trimestre foi considerada estagnada (refletindo alta do volume produzido e aumento das horas trabalhadas) o que pode confirmar a intensificação dos níveis de exploração. Abaixo destacamos importantes e prioritários ataques que são tidos como “espinha dorsal” nos acontecimentos da luta de classes e principais desafios para o próximo período:
5.1. Os ataques aos direitos seguem. A burguesia e seus aliados reservam a pobreza para a classe trabalhadora
A política econômica da burguesia já está definida com a continuidade de aplicação dos mecanismos neoliberais em vigência no país desde os anos 1990. O aprofundamento dessas medidas está na raiz e é uma das causas da situação social da classe trabalhadora. No entanto, as grandes empresas da indústria brasileira têm defendido medidas para que “resistam ao período de redução da atividade econômica no país” e atenue a crise decorrente do coronavírus. Retirada de direitos com desregulamentações trabalhistas e sociais, entrega de bens estatais para iniciativa privada, saída do Estado dos serviços públicos, etc. que foram fundamentais para produzir esse quadro social fazem parte do conjunto de propostas da CNI, em 2020, ao governo Bolsonaro, Guedes e Maia para essa atenuação de crise (medidas nas áreas de tributos, financiamentos, “adequação” na legislação trabalhista, etc. como a Redução de exigências para realização do teletrabalho; Permissão de turnos mistos alternados entre teletrabalho e trabalho presencial na realização de uma mesma atividade; Reativação do Programa Seguro-Desemprego; Não aplicação de multas por medidas não adotadas pela empresa em função do enfrentamento da atual crise; Exclusão expressa no texto de lei da doença da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho) dentre outras.
Caracterizar a continuidade desse projeto implica também afirmar que ao prevalecer o cenário político-econômico-social atual, independente da troca de governo em 2022 (Bolsonaro-Lula-3ªvia e aliados burgueses), o receituário neoliberal será aplicado mesmo com mudança no ritmo, forma de implementar e/ou intensidade. Um exemplo é a insistência em privatizar o SUS, mesmo durante a pandemia. Lula teria mais dificuldade, como quer Guedes, mas poderá passar para a iniciativa privada nos municípios (como nas Organizações Sociais em São Paulo no governo Haddad). Os governos petistas anteriores, com ritmo mais lento, implementaram as várias Reformas da Previdência, privatizações (inclusive na Petrobrás), etc.
O ritmo imposto para aprovar reformas, leis, etc. está ligado à saída que a burguesia quer para a crise econômica. No segundo mandato de Dilma, com Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, o aprofundamento da crise contribuiu para a pauta prioritária da burguesia avançar bastante; depois com Temer; agora com Bolsonaro e esse Congresso, ainda mais reacionário, pisaram o pé no acelerador.
A urgência da burguesia é faturar com a privatização da Eletrobras (nesse momento já foi aprovada pela Câmara); aprovar as Reformas Administrativa e Tributária; Lei do Gás; Autonomia do Banco Central (já aprovada); Regulação do Registro, Posse e Comercialização de armas de fogo; Liberação da Mineração em terras indígenas; Educação Domiciliar de crianças (homeschooling); Conversão de pedofilia em crime hediondo, etc.
Isso tudo não pode ser considerado somente um “programa de governo”, é muito mais. É um programa do capital, decidido na esfera extraparlamentar por banqueiros e empresários que elegem seus governos. O papel do Estado burguês e do Regime político democrático-burguês é implementá-lo.
Mesmo as crises políticas provocadas por Bolsonaro e seu governo não têm inviabilizado a aprovação dessas medidas, pelo contrário, têm servido para desviar a atenção enquanto deputados e senadores as aprovam. A PEC da privatização da Eletrobras foi uma demonstração, enquanto falava-se de CPI, a Câmara aprovou praticamente sem resistência. Aliás, essa é uma característica da democracia burguesa no Brasil, as instituições públicas “muito bem articuladas” levam adiante o projeto do capital.
5.2. Dívida pública como mecanismo de sangria do dinheiro público
Outro grande problema para a classe trabalhadora é a dívida pública. O Estado brasileiro é refém do sistema financeiro. Muitas das concessões e empréstimos feitos aos empresários foram bancados com o endividamento estatal. Como consequência há uma redução da capacidade financeira do Estado e a necessidade de novos empréstimos, ou emissões de títulos da dívida para pagar essa dívida. É dívida para pagar dívida.
Esse é um dos maiores desafios a ser enfrentado, pois, esse mecanismo é uma forma de transferência ininterrupta da riqueza produzida pelos trabalhadores aos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros secundarizando ou negando o atendimento das necessidades fundamentais e básicas da classe trabalhadora. E é justamente por causa dessa dívida que negam às parcelas mais pobres um serviço de público decente na Saúde, Educação, saneamento, habitação, etc.
Enquanto isso, durante a pandemia, os grandes empresários da indústria dentre as reivindicações ao governo Bolsonaro exigem ações para “atenuar a crise decorrente do coronavírus” considerando até o não pagamento dos tributos: “Adiamento, por 90 dias, do pagamento de todos os tributos federais, incluindo as contribuições previdenciárias; Parcelamento do pagamento do valor dos tributos que tiverem o recolhimento adiado; Prorrogação, por 90 dias, do prazo para apresentação das obrigações acessórias das empresas; Dispensa de pagamento, por 90 dias, sem multa, de parcelas de programas de refinanciamento de dívidas dos contribuintes com a União; Suspensão, pelo prazo de 90 dias, de inscrições em dívida ativa, protestos e execução fiscal; Suspensão dos prazos para resposta do contribuinte em razão do exercício de fiscalização.”
Conforme a Auditoria Cidadã a dívida pública interna é de quase R$ 7 trilhões (dez/2020). E a externa é de aproximadamente R$ 3 trilhões (551 bilhões de dólares). Em 2020 foram pagos quase R$ 1,4 trilhão ou R$ 3,9 bi por dia!
É fundamental entendermos que enquanto o país for refém desse pagamento a vida da classe trabalhadora não poderá melhorar. Portanto, não é possível qualquer governo deixar de pagar os bancos e organismos nacionais e internacionais sem enfrentá-los e sem mexer com a estrutura do capitalismo brasileiro, pudemos ver isso nos governos do PT com todo a lucro dos banqueiros. Assim, continuarão se submetendo a essas condições.
Entendemos que a bandeira “não pagamento da dívida pública” é uma luta que pode levar a ruptura do sistema e, como uma palavra de ordem, pode ter sua aceitação ampliada entre as massas de trabalhadores/as, além de ser um meio de combater o capital financeiro e o próprio capitalismo como um todo.
5.3. As privatizações e os ataques aos serviços públicos: Contra as privatizações e a reforma administrativa
Bolsonaro e Paulo Guedes deram sequência, com ritmo maior, às privatizações e/ou presença do capital privado em empresas que o governo mantém algum controle político (nomeações e indicações) através de maioria das ações com direito ao voto, como é o caso da Petrobrás atualmente. Governos estaduais e prefeitos seguem a mesma linha.
Numa política de ampliar as possibilidades de aumento da lucratividade da burguesia, estão na lista de privatizações de Bolsonaro e Guedes empresas como Eletrobras (já aprovada na Câmara), Correios, Porto de Vitória Trensurb (Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre), CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos de Minas Gerais), dentre outras tantas. A política é vender todas.
Mas, há resistência de partidos em relação a algumas que envolvem até segurança de dados. Atualmente são 46 estatais sob controle direto da União, com mais de 50% das ações com direito a voto. E outras 151 subsidiárias de empresas públicas que o STF já liberou para a venda sem a necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional.
Os serviços públicos, como Saúde e Educação, também estão na mira do governo Bolsonaro, mas, já em alguns estados e municípios com vários desses serviços sendo entregues ou controlados pela iniciativa privada.
Mesmo o SUS, que conseguiu projeção e notoriedade na pandemia, Guedes defende abertamente a sua privatização. E os constantes cortes de verbas públicas do ensino público (escolas, universidades, institutos federais, etc.) são parte desse projeto de ir sucateando para inviabilizar o funcionamento e ampliar o espaço para empresas privadas.
Dessa forma, governos e burguesia também buscam impor a Reforma Administrativa ao combinar o ataque aos direitos do Funcionalismo público com a destruição dos serviços públicos, uma política que permite a iniciativa privada o controle desses serviços e tenha remuneração feita pelo Estado, ou seja, essas empresas não correm nenhum risco de terem prejuízo.
5.4. Desemprego estrutural no Brasil
O desemprego é um dos maiores dramas da classe trabalhadora, em vários sentidos. É uma forma de privação de condições básicas para a vida e um momento em que o fantasma da fome ronda trabalhadores/as e famílias inteiras. Mas, é também uma das formas que a burguesia brasileira utiliza para submeter trabalhadores/as a salários mais baixos e a abrir mão de direitos, pois sentem a pressão de uma enorme força de trabalho procurando emprego. Assim, o empresariado e os governos mantêm intactos os mecanismos de superexploração citados acima.
Os altos índices de desemprego, além de serem uma necessidade do capital em muitos momentos, são também o resultado do previsível fracasso das políticas neoliberais aplicadas no Brasil desde os anos 1990. As promessas de criação de “milhares” de empregos, com a flexibilização de direitos, nunca se tornaram real. E a maioria de “novos empregos” é com maior jornada, menor salário, sem direitos, etc., como já dissemos, caracterizados pelo próprio IBGE como “mão de obra subutilizada”, ou seja, desocupada.
É muito sútil a diferença entre Subemprego e Informalidade com Desemprego, com isso os órgãos oficiais os excluem dos dados. É, na prática, uma manipulação de dados e uma forma de esconder o quanto é alto o desemprego no Brasil.
Desde fevereiro de 2016 as taxas de desemprego estão acima dos 10%, juntamente crescem as taxas de Subemprego, Desalento (não procura mais emprego) e Informalidade. Pode ter pequenas oscilações, mas, mesmo com as manobras estatísticas, o desemprego deve se manter alto no próximo período, pois a crise econômica permanecerá. Além disso, as mudanças tecnológicas no campo fazem com que o aumento de produção proporcionalmente seja maior que o de empregos (produtividade).
O fechamento de fábricas que impactam a cadeia produtiva e a diminuição do peso da indústria indicam que o problema do desemprego já é estrutural, ou seja, não haverá redução. São muitas as implicações sociais e políticas, tanto as pressões sofridas pelos trabalhadores/as que levam a perdas, como dissemos acima, quanto as possibilidades de haver explosões sociais de uma massa de pessoas se rebelando por aproximar-se da barbárie.
Com essa grave situação de desemprego e com a falta de políticas públicas para geração de emprego no governo Bolsonaro, durante o período de pandemia do Covid-19, ainda têm sido editadas Medidas Provisórias inconstitucionais para reduzir salário, jornada e suspender Contrato (tudo sem Acordo Coletivo). E também “não são poucas as empresas que vem efetuando a dispensa de grande número de trabalhadores” e “em um determinado lapso temporal, por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos. Com efeito, em razão da crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19”, a “dispensa em massa” que já vem ocorrendo não está precedida por negociação coletiva com os sindicatos (muitos insistem em não reconhecer a gravidade) e nem respeitam as normas constitucionais.
5.5. Aumento da violência do Estado e do crime organizado contra os pobres
A burguesia brasileira tem consciência de todos esses problemas e teme revoltas e explosões sociais. Como não combate a causa dos problemas e não implementa políticas públicas sem abrir mão de sua alta lucratividade, apela para a violência estatal com a continuidade do fortalecimento do aparato policial e miliciano, inclusive facilitando essa intervenção sem risco de punição pelos crimes.
E também tem avançado nos acordos com o crime organizado, o que permite o controle sobre o tráfico de armas em vastas regiões e em troca mantém populações periféricas sob controle. No Rio de Janeiro, por exemplo, não há de fato um crime organizado e centralizado, o Estado atua para as milícias avançarem no controle sobre as comunidades, inclusive, nas relações políticas com a extrema-direita. A chacina no Jacarezinho é parte desse processo.
Essa violência se expressa na continuidade dos assassinatos da população negra, jovem e periférica pela polícia como uma política de Estado; os movimentos sociais seguem monitorados e perseguidos e busca-se sistematicamente a judicialização de greves e das lutas nos locais de trabalho.
A pressão que setores da extrema-direita exercem sobre as Forças Armadas, como ameaça a outras instituições, deve seguir com ações mais radicalizadas mesmo que com mais contradições, devido a ampliação das mobilizações do movimento social. Não descartamos a utilização de forte repressão nas ruas.
6. Uma questão mais de fundo: impossibilidade do Brasil ser um país desenvolvido sob o capitalismo
Com a crise estrutural do capital e suas irrupções cíclicas (programas econômicos burgueses cada vez mais limitados e de curta duração) os debates sobre alternativas são fundamentais para a classe trabalhadora. São três os momentos importantes nesses debates: a) identificar o caráter da crise; b) combater as propostas burguesas que, no máximo, adiam a transferência caos para os trabalhadores e; c) apresentar junto à classe trabalhadora um programa radical anticapitalista e com organização de base e de luta para torná-lo possível.
No Brasil, a ilusão de “mudar as coisas por dentro e por uma gestão competente do capital” ainda permanece e precisa ser combatida, até porque já mostrou o seu fracasso.
O discurso de Lula e PT para retornarem ao Palácio do Planalto é o de convencer as pessoas da possibilidade de implementar um programa que gere emprego, aumente a renda e retome o consumo. Essa é a promessa. Os argumentos são: “que ele fez” e gerou emprego, baixou desemprego, teve política de valorização do salário-mínimo, de aumento das exportações, de investimento na indústria nacional, etc. Alguns dados podem aparentar um êxito do modo petista de governar, mas, como marxistas, precisamos diferenciar aparência e essência dos fenômenos.
Observando atentamente, identificamos as contradições do discurso petista que traz o projeto capitalista de valorização do capital e, consequentemente, de superexploração da classe trabalhadora com a negociação de algumas migalhas que, diante de apenas pequenas oscilações na economia, não se sustentam e evaporam.
Sem nos aprofundar nesse momento (outros textos trazem esse tema e mantém atualidade), destacamos: geração de emprego e desemprego: esses dois elementos estão ligados. As baixas taxas de desemprego que experimentamos em alguns momentos foram com empregos e salários muito aquém do salário-mínimo necessário. Cerca de 95% dos empregos gerados durante as gestões petistas tinham salários em média de 1,5 salário-mínimo (ver Márcio Pocchman); a relativa valorização do salário-mínimo (entre 2003-2008) representou um pequeno aumento do poder de compra, mas o valor representava somente 25% do salário-mínimo necessário; as exportações de produtos primários foram em função do aumento de demanda sobretudo chinesa e o capital que entrou no país foi, como historicamente, parar em poucas mãos. Outra questão foi a continuidade do processo de desindustrialização sob os governos petistas, que reforçou o papel de economia destinada à exportação.
Buscando compreender a essência desse processo, percebemos que o modelo petista não é, de fato, uma ruptura com o neoliberalismo, mas sua continuidade. Tem suas particularidades, mas sua essência é um projeto liberal. Nos 14 anos de gestão petista ocorreram várias medidas de cunho neoliberal como manutenção do pilar econômico do plano real, Joaquim Levy como Ministro da Fazenda no governo Dilma, banqueiros controlando o Banco Central, etc.
A impossibilidade dessa ruptura também deriva do desenvolvimento histórico do Brasil no interior da ordem capitalista, pois a economia brasileira tem uma relação de dependência e subordinação às economias imperialistas. Situação que, objetivamente, impede a burguesia brasileira de se insubordinar contra essa relação.
Atualmente pode-se acrescentar o fato de a economia brasileira ser, cada vez mais, dependente de capital externo para financiar a balança comercial, para pagamento da dívida pública e suas altas taxas de juros. Trata-se de uma condição estrutural de acumulação de capital no Brasil que só pode ser rompida com a ação revolucionária anticapitalista, pois a burguesia brasileira não vai enfrentar o imperialismo armando a população que pode se voltar contra ela e o capitalismo.
O subdesenvolvimento brasileiro é histórico, definido pela condição do país no desenvolvimento geral do capital mundial. Nos limites da governabilidade burguesa não há como desviar dessa lógica. A história do desenvolvimento capitalista no mundo já demonstrou a impossibilidade de um país sair da condição de dependente, como o caso brasileiro, para um país de economia desenvolvida através de um processo de industrialização ou aumento de sua participação no comércio mundial através de exportações.
A ideia de o Estado realizar investimentos e com isso permitir um salto na economia brasileira se mostra inviável, pois a burguesia se apossou do Estado e suga a maior parte da riqueza nacional. A burguesia brasileira e as multinacionais se apropriam da maior parte da riqueza produzida através de uma política tributária que privilegia as grandes fortunas (pagam menos impostos e de muitas formas se livram de impostos); o serviço da dívida pública, como dissemos, confisca trilhões todos os anos; isenções fiscais para empresas, benefícios aos bancos, incapacitam o Estado de investir, etc. As tentativas que ocorreram de contornar essa lógica produziram novas contradições como o endividamento do Estado, de empresas, de famílias e novas crises (precisamos pensar melhor o pós-pandemia).
7. A burguesia tem conseguido impor derrotas à classe trabalhadora. Precisamos reagir.
Observando o desenvolvimento da luta de classes nos últimos anos concluímos que a classe trabalhadora sofreu derrotas pesadas em vários aspectos. É fundamental que os revolucionários reconheçam essa realidade, mesmo desfavorável, pois é a possibilidade de corrigirmos os rumos e os necessários próximos passos. Negá-la é o primeiro passo para novas derrotas.
De maneira geral, a burguesia e o governo Bolsonaro têm conseguido implementar os principais planos e se utilizado da calamidade pública da Covid-19 para supressão ou redução de direitos. No plano econômico, mantiveram a base da política econômica e avançou na aprovação das reformas e privatizações. Politicamente a eleição de Bolsonaro, serviu para acelerar o ritmo desses ataques aos direitos e provocou, pelo menos no primeiro momento, um certo desanimo na vanguarda reforçado por um processo de isolamento social, trabalho remoto ou teletrabalho, altas taxas de mortos e contaminados da classe trabalhadora, a deficiência escancarada da sistema de Saúde e o descaso com a vida diante de não aquisição e distribuição de vacinas contra o vírus, que rapidamente se espalhava pelo país e pelo mundo.
As altas taxas de desemprego impactam a classe trabalhadora, tiram sua confiança para lutar com a ausência de sindicatos e centrais combativas, é quando a burguesia aproveita para impor e intensificar os ataques. As principais lutas têm ocorrido contra o fechamento de fábricas mas, como dissemos, sem conseguir reverter demissões. No funcionalismo as greves sanitárias serviram para demarcar um posicionamento das categorias em favor da vida, mas, apresentaram muitos limites nesse momento, principalmente, pela dispersão e mudanças no ritmo e estilo de vida que o trabalho remoto e a rotina da pandemia impuseram e dificultaram o agir como categorias profissionais.
A greve mais importante, até o momento, foi sem dúvida a da Petrobrás por obter uma vitória, se diferenciar por ser um setor operário “essencial” e com a luta feita “na prática” da paralisação de produção.
A ação dos movimentos populares também teve recuo e diminuiu o número de novas ocupações urbanas, também considerando questões como o distanciamento social, aglomeração e cuidados necessários com o Covid-19. O movimento estudantil vive um momento de maior paralisia dos últimos anos, sem forças para enfrentar a acelerada destruição da universidade pública e as profundas mudanças impostas ao ensino público de conjunto com os intensos cortes de verbas, que servem para sustentar universidades e escolas particulares. É até mesmo confuso, mas, essas alterações pedagógicas no sentido de adaptar (uberização, 4G, plataformas digitais, aplicativos, ensino híbrido etc. desenvolver em outro momento) a escola pública para a realidade de pandemia; desemprego e “mercado de trabalho” meritocrático; a intensificação do desempenho individual, etc. têm dispersado e aumentado a “doutrinação”, que tem sido comandada inclusive por grandes empresários (como a Fundação Lemann).
É uma realidade muito complexa e problemática de conjunto, mas não se trata de derrota histórica que abale a moral da classe trabalhadora. A burguesia e o governo Bolsonaro sabem das contradições existentes na realidade e da possibilidade de reação da classe trabalhadora, já voltando a participar de mobilizações presenciais nas grandes cidades.
Uma das explicações “sobre a falta de lutas” que concentra a responsabilidade nas direções do movimento é parcial e, portanto, incompleta. No entanto, desconsiderar a responsabilidade dessas direções do movimento, num momento como esse – em que a burguesia, Bolsonaro, governos estaduais/municipais e Congresso atacam a classe trabalhadora das várias formas, ritmos e intensidade – seria um erro grave, principalmente, pelo abandono das lutas em detrimento da antecipação de articulação da candidatura Lula para eleições de 2022 a fim de demonstrarem, à burguesia, força e dar confiança no controle das lutas.
É preciso considerarmos elementos como a unidade da burguesia e o alinhamento do Congresso Nacional, com Bolsonaro ou sem, para seguirem superexplorando e retirando direitos mesmo com a pandemia. E também a ausência da consciência de classe (para si e em si), que desarma a classe trabalhadora para compreender a necessidade de lutarmos.
A realidade é dinâmica e vai mudar. Na continuidade e agravamento da crise e à medida que vão ocorrendo mais ataques, a tendência é haver mais lutas. A situação causada pela pandemia e as suas consequências, inclusive na demonstração de abandono dos poderes públicos, podem alavancar essas lutas.
A juventude nesse sentido segue como setor promissor, sofre de forma direta as consequências da crise (desemprego, falta de perspectivas, etc.) e os ataques. Outra possibilidade é o surgimento de um movimento social mais amplo e de caráter popular empurrado pela situação de fome e miséria com saques, bloqueios de ruas e intensificação das reivindicações por emprego, moradia, etc.
Cabe à esquerda anticapitalista e socialista, primeiro, se unir para buscar a unidade da classe, fortalecer e conseguir fazer frente ao papel das direções pelegas, depois apoiar e propor um programa de reivindicações para ampliar e ganhar o apoio e participação dos vários setores da classe trabalhadora na luta.
Assim, indicamos, então, que todo esse documento é, na verdade, uma defesa da vida, da luta cotidiana pela sobrevivência, por garantia de direitos, por democracia operária, unidade da classe e da revolução socialista para construirmos uma sociedade justa, fraterna e livre. Não há outra possibilidade que transforme o interior dessa realidade. O capital em sua crise estrutural e diante de suas irrupções/crises cíclicas já não pode oferecer vantagens aos trabalhadores como ocorreu em sua “época de ouro”, em que o Estado de bem-estar-social garantia uma vida mais confortável, ao menos, para os trabalhadores de países capitalistas centrais. Não é o caso nos dias de hoje, mesmo onde esta estrutura de benefícios sociais melhor se desenvolveu já não é possível sua manutenção.
A) Eixos políticos programáticos
Mobilização operária-popular para derrubar Bolsonaro: Fora Bolsonaro e todo o seu governo! A luta é para agora. Contra as ilusões eleitorais! Temos exigido das direções que organizem as lutas e enfrentem o governo e os patrões nas ruas. Esperar as eleições de 2022 é um crime. Até lá a pandemia, a fome, violência, etc. matarão milhares. Quem tem fome não pode esperar. Mesmo setores de esquerda socialista cedem a essa pressão eleitoral e compactuam com a situação. Direções pelegas não organizam ou entregam as lutas, portanto, a esquerda revolucionária precisa se colocar como alternativa.
Vacina para todos e todas. Vida acima do lucro: Imunização já de toda a classe trabalhadora! Quebra das patentes de vacinas e de medicamentos! Não defendemos apenas a suspensão da patente, pois, o vírus segue existindo e há mutações. As futuras vacinas precisam partir desses acúmulos de conhecimento.
Frente de esquerda anticapitalista e socialista: A esquerda anticapitalista e socialista está fragmentada e isolada, não tem tido força para se colocar como alternativa. Assim, o caminho segue aberto para saídas burguesas que se apresentam como de esquerda sem serem. Juntemos movimentos sociais, coletivos, organizações e partidos da esquerda socialista! Com debates sobre as formas de se organizar, funcionar, programa mínimo, objetivos ou estratégias da luta, etc. sem imposição, construídos coletivamente e na luta.
B) Programa emergencial para a classe trabalhadora enfrentar a crise
– Pelo fortalecimento do SUS e contra qualquer proposta de privatização (Guedes propõe, inclusive, a entrega de um voucher para a pessoa ser atendida em clínicas particulares) desse serviço público, que se mostrou fundamental para enfrentar a pandemia;
– Para garantir necessidades básicas: Auxílio emergencial de 02 Salários-mínimos para desempregados; trabalhadores/as por conta própria, pequenos comerciantes;
– Contra o desemprego: estabilidade no emprego; redução da jornada de trabalho num nível que garanta emprego para todos e todas e sem redução de salários;
– Os patrões devem pagar pela crise: nenhum direito a menos;
– Reestatização de todas as empresas concessionárias para garantir isenção de tarifas de água, luz e saneamento;
– Petrobrás 100% estatal para garantir gás, gasolina e diesel a preços baixos e realizar o refino no país;
– Para Trabalhadores/as de aplicativos: todos os direitos trabalhistas (férias, 13º salário, piso salarial, proteção contra acidente de trabalho, etc.) e Carteira de Trabalho assinada.
C) Para garantir a implementação desse Programa Emergencial
– Não pagar a dívida pública para banqueiros e especuladores!
– Fim da remessa de lucros. Nenhum centavo da riqueza produzida, com suor e sangue da classe trabalhadora brasileira, pode ir para o exterior!
– Sobretaxação de grandes fortunas, taxação sobre rendimentos de aplicações em Bolsas de Valores (hoje 0%) e de bens de luxo como jatinhos, iates, helicópteros, etc.!
D) Outras reivindicações
– Contra a Reforma Administrativa e em defesa do serviço público;
– Revogação de todas as Reformas contra os direitos da classe trabalhadora;
– Cancelamento de todas as vendas do sistema Petrobrás e monopólio estatal, sob controle dos trabalhadores/as, da extração de óleo, de refino e de distribuição dos derivados de petróleo e de minerais;
– Reestatização, sob controle dos trabalhadores/as, de todas as empresas privatizadas;
– Reforma Agrária sob controle dos trabalhadores/as;
– Reforma Urbana por moradia e contra a especulação imobiliária. Nenhum ser humano sem casa e desapropriação de terrenos vazios. Por um programa de habitação que atenda a quem precisa de moradia;
– Estatização do sistema de transporte, tarifa social e vale-transporte para desempregados/as, passe livre para estudantes em todos os dias da semana. Mobilidade é um direito fundamental, por isso, transporte público de qualidade.
E) Sobre os Direitos democráticos
– Liberdade de organização sindical. Direito de organização por local de trabalho e estabilidade para representantes eleitos;
– Direito irrestrito à greve, atacado também com o “serviço essencial”. Contra qualquer intervenção do Poder Judiciário. São os trabalhadores que decidem como e quando lutar;
– Prisão de todos os torturadores (e quem os auxiliou como médicos, etc.), tortura é crime inafiançável;
– Contra todo ataque aos direitos democráticos.
F) Necessária Luta anti-imperialista
– Fora imperialismo do Brasil e da América Latina;
– Nacionalização das empresas multinacionais e quebra de patentes para ser produzir o necessário para população e sem entraves;
– Fim das remessas de lucros para o exterior.