A Democracia Burguesa nesse período de crise
Desde a ascensão da direita e da extrema-direita no Brasil (e em outras partes do mundo) temos insistido na tese de que esse fenômeno não é contra a democracia burguesa, pelo contrário, é uma forma de se manifestar nesse período de crise do capital, momento em que ataca ainda mais os direitos sociais e trabalhistas. Os ditos regimes democrático-burgueses passam a assumir características cada vez mais repressoras como a tentativa de impedir mobilizações populares.
Caracterizar o regime político é uma das questões mais importantes para a militância, pois daí decorrem tarefas fundamentais na luta de classes. Por isso, a importância de retomarmos e também por termos nessa realidade várias organizações que usam essa caracterização para justificar a política de aliança de classes, defender a formação de uma frente ampla, apoiar candidaturas e programas burgueses.
Não cometamos o erro de negar a existência e nem o crescimento de setores fascistas, de uma maior consciência reacionária no interior da classe média e nem a penetração dessas ideias em setores mais explorados da classe trabalhadora. É uma parte da realidade que exige uma resposta das organizações e movimentos de luta para medidas concretas de enfrentamento dessa situação, em especial dos grupos de extrema-direita. Mas, é um erro superestimar essa realidade em curso para justificar que haveria uma ruptura da democracia burguesa.
Democracia no capitalismo, crise econômica e exploração
O capital passa por uma grave crise econômica e com efeitos sociais não menos graves. Fome, miséria, desestruturação de serviços públicos, etc. é um processo mundial que atinge todos os países de forma desigual. Os dados sociais são abundantes nesse sentido.
E toda crise coloca como possibilidade a rebelião da classe trabalhadora. A burguesia conhece essa história e sabe dos riscos. Toda a discussão sobre o regime político deve partir desse ponto.
Na tentativa de enfrentar os efeitos dessa crise (como diz Mészáros, não conseguem combater as causas) os remédios prescritos são cada vez mais amargos e os efeitos colaterais são as constantes rebeliões em várias partes do mundo.
Rebeliões que, em razão da inexistência de alternativas contra o sistema capitalistas, terminam se enfraquecendo ou desviadas para a institucionalidade. A Primavera Árabe, as lutas dos trabalhadores gregos contra os ajustes da União Europeia, os coletes amarelos na França, a rebelião de negros e negras nos Estados Unidos, as manifestações dos povos equatoriano, boliviano e colombiano são parte desse cenário.
Diante desse risco ao sistema que nada de bom tem a oferecer, a burguesia lança mão de mais repressão pelo Estado, o aparato repressivo se torna mais importante e aumenta a sua autonomia em relação aos órgãos de controle. A ação policial no Jacarezinho no Rio de Janeiro contra a decisão do STF (até com críticas públicas e vinculando-o ao aumento do tráfico de drogas) de proibir ações policiais nos morros durante a pandemia e as dificuldades de governadores controlarem as PM’s nos estados são demonstrações desse deslocamento da repressão para controlar os movimentos e a classe trabalhadora de conjunto.
Esse movimento na forma de exercer o seu poder “pelas vias democráticas”, que dão maior relevância para os aparatos repressivos, é em função dos insucessos da burguesia na “gestão política” da crise do capital (eleição de partidos de direita, teorias como pós-modernismo e “fim da história” de Fukuyama, políticas sociais que se mantêm somente nos momentos de lucratividade alta, etc).
A burguesia não abandonou seus métodos, mas têm se mostrado insuficientes. Aumentar os aspectos repressivos se faz necessário para aplicar seus planos. Assim, seguem as ações policiais contra a população pobre (assassinatos pelas polícias são parte), mudanças na legislação penal para criminalizar os movimentos sociais e a pobreza, maior controle pelo Estado das organizações sindicais, etc. E aqueles surrados argumentos de “sacrífico e colaboração de todos” (ricos ficando mais ricos) vão deixando de surtir os mesmos efeitos, o que exige o aumento de doses de repressão como uma saída para manter o controle.
Nos países de economia dependente, como no Brasil, essa realidade é histórica, Mas, nas últimas décadas se estendeu aos países centrais. Como dizem alguns analistas europeus: há “uma recessão democrática” com o aumento da influência de partidos e grupos de direita e extrema-direita e o aumento da intervenção repressiva do Estado contra os movimentos de luta.
E a explicação é a mesma: a crise estrutural do capital e sua expressão no cotidiano da população dos países desenvolvidos fazem com que a resposta do capital seja atacar também os trabalhadores desses países. A qualidade dos empregos é cada vez pior (jornada e salário parcial, fim da estabilidade no emprego (dificuldade legal para demitir), menos direitos, aumento no ritmo de trabalho, menos direitos (vários países fizerem reformas trabalhistas), maior quantidade de pessoas pobres, dentre outras mudanças bruscas na vida da classe trabalhadora.
Com mais contradições sociais e bem no coração do sistema, rapidamente podemos nos referir às rebeliões de jovens nas periferias de Paris e Amsterdam, a rebelião negra e as greves de professores nos Estados Unidos, etc. O tratamento dado pelo Estado foi de mobilização de um gigantesco aparato policial.
Essa é a realidade. No período de expansão do capital no pós-guerra, principalmente nos países da Europa, a democracia burguesa foi bastante ampla, quando, por exemplo, as forças policiais nem usavam armamento letal nas manifestações. Mas, hoje, o aumento dos aspectos repressivos se destaca. Não foi apenas uma mudança da burguesia, mas, uma situação política muito mais instável e conflituosa. Isso é o determinante. Essa mesma burguesia enquanto “agia pacificamente” nos países imperialistas, dava outro tratamento aos trabalhadores dos países sob seu domínio, como na Argélia sob domínio francês, ou seja, o domínio e a exploração nunca ocorrem com democracia.
Nos países do capitalismo dependente a repressão é estrutural na sociedade. É verdade que se agrava nos momentos de crise econômica, mas é permanente por conta do importante elemento da superexploração da força de trabalho na formação social desses países, mecanismo de acumulação do capital em que o Brasil é parte significativa.
Países capitalistas dependentes a democracia sempre foi mais restrita
Como já sustentamos, há uma relação entre democracia e desenvolvimento econômico. Por isso, como regra, nos países desenvolvidos os espaços democráticos são maiores. E nos países da periferia do sistema predomina mais repressão, sob várias formas. Com as especificidades de cada país, essa realidade se aplica a todos os subdesenvolvidos do mundo.
O conceito de economia dependente ajuda também a explicar a especificidade do regime político burguês nesses países. Resumidamente: as burguesias internas mantêm uma relação de subordinação e dependência com o capital imperialista, se constituindo como sócia minoritária nesse processo. Isso implica em ter que repartir parte da mais-valia extraída da classe trabalhadora com a burguesia imperialista e, para “compensar essa perda”, impõe sobre a classe trabalhadora o que Marini chama da superexploração da força de trabalho – que é sistêmica e estrutural no Brasil.
Os vários mecanismos que constituem a superexploração da força de trabalho (pagamento da força de trabalho abaixo do seu valor normal, extensas jornadas de trabalho e imposição de ritmos de trabalho que levam ao excessivo desgaste físico do trabalhador, desprover o trabalhador de meios de reproduzir a sua força física, etc.) levam a níveis alarmantes de desigualdades, fome, pobreza, etc. da população desses países.
Com tanta riqueza disponível e tantas contradições sociais, a luta de classes tende sempre a explosão social como um barril de pólvora, impossível de ser controlada e gerenciada pelos meios democráticos, ou exige a aceitação dos explorados.
Diante dessa impossibilidade, o capital no Brasil recorre a um sistema político estruturalmente repressivo e que busca excluir a classe trabalhadora. Esse cotidiano é cercado pela repressão, direta e indireta. Na história brasileira, por exemplo, mesmo nos momentos de alguma estabilidade política e “calmaria social” temos muitos acontecimentos de demonstração de força contra o movimento social como a chacina de Eldorado de Carajás, quando o Estado agiu em nome da milícia ruralista, a UDR.
Essa normalidade antidemocrática é bem-sucedida pela capacidade da burguesia brasileira de construir um regime político com as instituições bem articuladas em torno desse projeto de poder. Judiciário, Legislativo, executivo e outras instituições (devemos considerar também o aparato policial e a grande mídia) cumprem funções muito bem definidas. Umas aplicam medidas repressivas, outras dão um verniz legal e outras justificam o papel desempenhado pelo Estado. As Forças Armadas também participam e, quando necessário, agem na esfera da política. Na prisão de Lula a posição favorável das Forças Armadas foi imprescindível.
A questão fundamental é, portanto, que não há possibilidade de o Estado brasileiro, como representação das classes dominantes brasileiras, ser inteiramente democrático. Por ser essa representação da classe dominante, a sua função social é criar as condições necessárias para a acumulação de capital, que, como já desenvolvemos acima, ocorre sob a forma da superexploração da força de trabalho.
Não se pode idealizar a democracia burguesa
Muito desse debate sobre regime político no Brasil tem como pano de fundo a defesa da democracia como algo abstrato, desconsiderando o fato de o mundo estar dividido em classes sociais e que são os capitalistas que dominam o mundo, política e economicamente.
Para nós, não é possível debater sobre regime político, democracia, etc. sem considerar esse aspecto fundamental, ou seja, a democracia tem classe social. Quando falamos de democracia burguesa é democracia para essa classe e não para a classe trabalhadora.
É um erro acreditar que um sistema social baseado na exploração possa oferecer democracia de fato, que os explorados possam viver livremente e conspirando contra os exploradores. Somente em uma sociedade sem explorados e exploradores haverá democracia, não há nos países desenvolvidos e nem nos países dependentes.
Como diz Lênin a forma burguesa de democracia sempre vai ser “estreita, amputada, falsa, hipócrita, paraíso para os ricos, uma armadilha e um engano para os explorados, para os pobres”. Uma ditadura disfarçada de democracia, com alguma liberdade para a classe trabalhadora somente até o ponto em que os interesses da burguesia não estão em risco. Por mais ampla que seja, sempre terá alguma previsão legal para o Estado agir “contra a democracia em casos extremos”. Todos os Estados têm esses mecanismos.
Como um sistema social com alto grau de concentração de riqueza e monopólio para bem poucos vai permitir uma sociedade democrática, com livre debate de ideias e de circulação de pessoas? Esse sistema não conhece o que é liberdade e democracia.
Por isso, a necessária luta pelas liberdades democráticas não pode estar dissociada da luta contra o capitalismo. É em essência uma luta contra a burguesia que não tem nenhum apego à democracia para todos.
Fascismo, fascistas e um regime fascista
– O governo Bolsonaro já entrou na segunda metade do seu mandato e não há nenhum sinal de conseguir convencer toda a burguesia para se impor como ditador, fechar Congresso, organizações do movimento social, proibir partidos políticos, etc. É uma pretensão pessoal, mas nem a burguesia e nem as demais instituições estão embarcando numa aventura desse tamanho. Também não é política do imperialismo. Nesse aspecto, acertamos em avaliar que não existia e ainda não existe condições históricas necessárias para um regime fascista no Brasil.
– Bolsonaro individualmente é fascista, mas o regime político e o seu governo não são. Têm e sempre teve concepções fascistas, defende tortura, milícia, pena de morte, etc. Mas, essas concepções individuais não se refletem no regime. O parlamento, o Judiciário e até setores das Forças Armadas têm freado as iniciativas nesse sentido. A posição contrária e majoritária na burguesia inclui os principais grupos de mídia como Globo e Folha de São Paulo, que são barreiras para suas pretensões.
A tradição marxista diferencia os indivíduos e as instituições do Estado. E o regime político – papel que instituições cumprem na gestão do Estado e a base jurídica em que se apoiam – é determinante porque expressa a política do setor dirigente da burguesia. No caso do Brasil também devemos considerar que o governo (ministérios, etc.) é mais amplo que o indivíduo Bolsonaro pois, tem as representações de partidos e grupos econômicos.
– Há um movimento fascista e de extrema-direita no Brasil, que apoia e é simpático a Bolsonaro, mas não tem apoio entre as massas da população. É formado principalmente por setores da pequena burguesia e classe média alta, que guinaram para posições reacionárias diante da decadência econômica. E, por não existir um movimento operário forte como alternativa, conseguiram arrastar setores mais empobrecidos da classe média como demonstraram as composições dos últimos atos convocados pelo bolsonarismo.
Não é um movimento fascista estruturado nacionalmente (comparando com os integralistas, maior movimento fascista de nossa história que contava com uma estrutura política e militar nacional), é de amadores, não tem força política para alterar a correlação de forças e suprimir as liberdades democráticas.
A base eleitoral de Bolsonaro não é formada só por fascistas, ainda que seja uma parte relevante, o que mudaria qualitativamente a força política desse bando. É uma base eleitoral mais ampla que o fascismo brasileiro e inclui parcelas desiludidas com a política, setores corporativos de armas, agronegócio, dentre outros reacionários.
O fascismo fora do bolsonarismo também é marginal. Há mais grupos ativos que são pequenos e com menor influência sobre as massas da população. Superestimar suas forças é tão grave quanto desconhecer sua existência nesse processo.
No caso brasileiro a superestimação do fascismo tem servido para justificar políticas de conciliação de classes com propostas de frentes eleitorais amplas, incluindo setores da “direita liberal democrática”.
– É um movimento que deve e precisa ser enfrentado, por menor que seja é uma ameaça ao movimento social e à classe trabalhadora. O enfrentamento físico é necessário diante de qualquer agressão. Na política necessitamos apresentar um programa para atrair a sua base para as lutas da classe trabalhadora, principalmente a classe média e pequena-burguesia pauperizadas que vão se proletarizando. Não nos referimos à camada mais rica da classe média brasileira (que compõe os 3-4% mais ricos do país), mas, aos pequenos comerciantes e lojistas muitos nos bairros periféricos; funcionários públicos que têm perdido direito atrás de direito na maioria das carreiras; trabalhadores administrativos de empresas (sob diversas formas de empregos precarizados); profissionais liberais que se proletarizam cada vez mais, etc., que tiveram suas vidas pioradas.
Parâmetro para caracterizar Regime no Brasil e Governo Bolsonaro
O governo Bolsonaro é um dos mais duros contra a classe trabalhadora e os direitos democráticos. Uma opção da burguesia para acelerar os ataques, que em todas as áreas o ritmo tem sido rápido: meio ambiente, legislação trabalhista, povos indígenas, direitos das mulheres, negros e população LGBTQI+, o fim da autonomia universitária, etc.
É uma realidade inegável, mas o desafio e principal ponto é entender qual a essência (o quê não aparece ou aparece de forma distorcida) desse Regime e seu conteúdo na forma desse governo. Esses fenômenos, em menor ou maior grau, são parte da realidade em todos os países do mundo. Estão ligados às necessidades do capital em recompor suas taxas de lucro, ou seja, como o capital garante a sua reprodução com a superexploração.
Em nosso modo de ver, essa é a base para a compreensão desses fenômenos políticos. É sobre essa base que o poder político se estrutura. Quando Salles, ex-ministério do Meio Ambiente, propôs ampliar a destruição de terras indígenas, o objetivo foi ampliar a reprodução do agronegócio (fundamental para a acumulação capitalista no Brasil). Assim como, os ataques às universidades públicas visam cortar verbas, transferi-las para as instituições privadas e permitir que o capital financeiro amplie a apropriação de recursos públicos também através da Educação.
Com tantos ataques aos direitos sociais e trabalhistas, superexploração da classe trabalhadora (mais miséria, fome, etc.), ataques às populações indígenas, etc. a burguesia necessita do regime político mais violento. Então, o Estado se organiza para cumprir essas funções.
No Brasil, o Estado tem feito tudo isso sem mudar seu regime político, a democracia burguesa. Combina o funcionamento das instituições da democracia parlamentar, algum nível de liberdade político (passeatas, sindicatos funcionando, etc.) com níveis de repressão maiores sem chegar em uma ditadura aberta ou no fascismo.
A diferença com o regime fascista é grande e necessitamos compreender o processo em sua essência. Regimes fascistas ocorrem quando há o fechamento dos espaços democráticos, ataques diretos e sistemáticos contra as organizações do movimento de luta, fim de todas as garantias e direitos individuais, prisões políticas, etc., apoio da grande burguesia, das FFAA’s e do Judiciário. Também com o movimento social representando um perigo para a burguesia.
A diferença central – de Bolsonaro, da forma atual de democracia burguesa e o período anterior – é de fato o ritmo dos ataques. Todos os governos anteriores adotaram políticas que atacaram os direitos sociais, incluindo obviamente os petistas.
O governo Lula criou a Força de Segurança Nacional em 2004 e ocupou o Haiti (com muitos casos de assassinatos e estupros nunca apurados). A convocação das Forças Armadas pelo governo Dilma para garantir o leilão da Petrobrás em 2013, depois para garantir a Copa. A Lei Antiterrorista em 2016 e outras legislações penais foram formas de criminalização de militantes e da pobreza.
A política da burguesia brasileira não é de fechar o regime, além dos atuais mecanismos antidemocráticos já existentes no Brasil. O parlamento, mesmo com uma composição de maioria reacionária, também não tem acordo para isso. A recente decisão sobre o caso Lula é uma mostração de que o Judiciário não apoia esse tipo de saída. O setor bolsonarista das FFAA’s se mostrou minoritário. Com tudo isso a grande burguesia conseguiu aprovar todas as medidas econômicas fundamentais para seu sustento (as Reformas Trabalhista e Previdenciária, poucos ou básicas medidas para enfrentar a COVID, etc.). E para Bolsonaro realizar sua vontade, precisa combinar com esses setores.
Chacinas e Milícias
A repressão do Estado não é somente contra os movimentos sociais, mas, sobretudo, contra a população trabalhadora. A ação das polícias nas periferias é uma forma de conter e tentar impedir que ocorram rebeliões sociais. Uma chacina como a de Jacarezinho/RJ, além de sofrimentos e traumas pelas mortes, serve também para aterrorizar a população. É um recado de como vão agir, se a população tentar enfrentar os problemas que causam sua pobreza.
Além de chacinas, têm as milhares de mortes provocadas pelas policias no Brasil. Não é coincidência que as vítimas sejam pobres, negros e jovens. É uma escolha. São os maiores potenciais de rebelião, que continuarão e aprofundarão conforme a crise econômica se amplia.
Como parte do aumento da repressão contra a classe trabalhadora, nos últimos anos temos assistido a uma parceria do Estado com as milícias (crime e policiais) para controlar o povo nos bairros mais pobres e periféricos. É essa a função que as milícias cumprem nas periferias e como recompensa pratica vários lucrativos crimes (cobra taxas de pequenos comerciantes, toma casas de trabalhadores e aluga, controla distribuição de internet e canais, etc.) com a proteção de forças policiais que, em muitos casos, têm participação nos lucros.
No caso do Rio de janeiro, o apoio que recebem do governo Bolsonaro e do governo carioca permitem que controlem o tráfico de drogas, comércio de armas, etc. em várias áreas da periferia. Em outros estados, onde não há as milícias, é o crime organizado que cumpre essa função de ameaçar a população.
Bolsonaro: um governo de continuidade do projeto do capital
Regimes políticos e governos devem ser analisados à luz dos interesses do capital. Ao assumir a condução do Estado, os partidos e indivíduos estão submetidos a essa lógica. Foi assim com todas as experiências ilusórias de mudanças por dentro do Estado.
E, como termos argumentado, nesse momento de crise estrutural, o capital precisa impor maior ritmo para as mudanças. É o que vem ocorrendo no Brasil, desde os anos 90, com a imposição do neoliberalismo no país.
Nesse sentido, vemos o governo Bolsonaro como continuidade dos ajustes econômicos de antidemocráticos que o capital vem realizando no Brasil ao longo dos anos, ou seja, é parte de um processo político que visa acabar com as poucas conquistas dos movimentos de luta nos anos 1980.
A Constituição Federal de 1988 trouxe algumas vitórias do movimento social (a ampla liberdade de organização partidária, o direito de greve, nacionalização da exploração de recursos do solo e subsolo, etc.), mas que começaram a ser desmontadas já nos anos 1990. Lembrando que foi em 1988 que o Exército ocupou e matou operários na CSN em Volta Redonda.
Não é preciso listarmos todos os direitos paulatinamente retirados, mas a questão do direito de greve é exemplar. De uma interpretação ampla na Constituição, atualmente esse direito sofre muitas restrições (por mudanças na legislação ou interpretação do Poder Judiciário, parte do poder burguês). A imagem que representa esse ataque do Estado (não apenas de um governo) é a declaração de Lula ao defender o corte de ponto dos grevistas do INCRA em 2007.
Uma questão teórico-metodológica importante é compreender o processo como uma totalidade, na qual as partes têm seus ritmos próprios mas, estão articuladas entre si e com a totalidade. O que diferencia o governo Bolsonaro dos demais é o ritmo desses ataques. Sob os governos petistas o ritmo foi em conta-gotas, desde o governo Temer tem sido acelerado. O impeachment de Dilma, manobra jurídico-parlamentar, é um exemplo dessas diferenças. Mas, o fundamental é entender que a aceleração dos ataques está relacionada ao agravamento e aprofundamento da crise econômica e social, conforme os dados apresentados.
Num possível novo governo Lula, tudo isso ficará mais evidente pois, apostamos que não revogará nenhuma dessas medidas e também não mudará a política econômica que tem como eixo o pagamento da dívida pública. Possíveis programas sociais manterão a lógica anterior de não afetar a lucratividade do capital.
Derrubar Bolsonaro e lutar contra as falsas saídas burguesas
Estar contra o fechamento do regime, para uma parcela da burguesia, não significa derrubar Bolsonaro. Mesmo com a gestão catastrófica da crise nesse período de pandemia; o alinhamento internacional contra a China que dificulta o comércio exterior; os vários choques com o Judiciário à beira de uma crise institucional, a política burguesa é manter Bolsonaro até 2022. O impeachment poderia abrir espaço para uma crise política desproporcional.
Numa tentativa de controlar e pressionar Bolsonaro, a instauração da CPI da COVID-19, mesmo quando juridicamente já poderia ter sido dado a quantidade de crimes que comete todos os dias, é apenas para enfraquecê-lo. É o máximo que a burguesia de conjunto está disposta.
Nesse arranjo estão todos os partidos e candidatos que pretendem disputar a sucessão de Bolsonaro, desde Dória a Ciro Gomes. Também se enquadra o PT e os lulistas, interessados em “sangrá-lo” até as eleições de 2022; a CUT e demais movimentos sociais sob influência do petismo e que têm sido contra qualquer mobilização pelo “Fora Bolsonaro”. O cenário ideal para o PT/Lula é chegar em 2022 com essa polarização e Bolsonaro bem desgastado.
Para nós, a luta por derrubar Bolsonaro é uma necessidade política da classe trabalhadora pois, significa enfraquecer um pilar do regime burguês. Uma política revolucionária pelo Fora Bolsonaro não é para estabilizar esse regime, pelo contrário, é parte da luta da classe trabalhadora pela recuperação de direitos econômicos e sociais retirados nos últimos anos.
Enfrentar a extrema-direita e a direita liberal
O campo de direita é amplo e tem a dita direita “liberal democrática” (por exemplo, autodefinição de Reinaldo Azevedo). Em muitos momentos da história se juntaram e em outros não. Têm em comum a defesa do capitalismo, da burguesia e são inimigos da classe trabalhadora. Mas, diferem na forma de explorar o trabalhador.
As diferenças táticas entre esses setores não os tornam nossos aliados. Citamos como exemplo Dória, em São Paulo, que se opõe a Bolsonaro e aplica toda a mesma política.
O enfrentamento à extrema-direita deve ser parte do mesmo enfrentamento à direita de conjunto e aos governos. Nesse sentido, a esquerda participar de uma política de Frente Ampla com esses setores é uma traição à classe trabalhadora, pois aplicam o mesmo projeto antidemocrático, retiram direitos e acionam o aparato repressivo para atacar quem luta.
A luta pelas liberdades democráticas
A classe trabalhadora, além de enfrentar nos locais de trabalho a superexploração cotidiana, enfrenta também uma verdadeira ditadura sem o direito de se expressar e com todo tipo de perseguição pela patronal, que atua preventivamente com ameaças constantes e vigilâncias exercidas por chefias e capatazes para que não se interesse pelas lutas e movimentos.
Trabalhadores/as ativistas são constantemente perseguidos/as, quando não possuem garantia legal são demitidos e colocados em uma “lista suja” que circula entre empresas. As proteções legais para dirigentes sindicais, Cipeiros, etc. não representam, de fato, uma garantia. E os mecanismos utilizados pela patronal e governo somente se diferenciam porque precisam dar um ar de legalidade para as perseguições e processos administrativos, que frequentemente são chancelados pelo Poder Judiciário.
Há muito tempo que o direito de se manifestar vem sendo cerceado e de várias formas: cordões feitos pela PM nas passeatas, imposição de trajeto, ataques ao direito de greve, etc. são intervenções do Estado no livre direito à manifestação e ações contra as liberdades democráticas.
A luta pelas liberdades democráticas não é nenhuma confiança na democracia burguesa, pelo contrário, sabemos que somente a forte mobilização da classe trabalhadora pode impor essas garantias legais. A burguesia não garante direitos democráticos, somente quando há forte mobilização que se sente obrigada a respeitar essas garantias.
Lula e PT não são alternativas
Um tema para os próximos meses certamente será as eleições de 2022. As articulações já começaram. Até o momento, a polarização entre Lula e Bolsonaro é a única certeza. E até agora o melhor cenário para o PT é Bolsonaro desgastado, com popularidade em queda, Lula liderando as pesquisas e demais setores da burguesia sem um candidato capaz de enfrentar Lula e Bolsonaro.
Ao seguir nessa dinâmica, a pressão sobre a esquerda (externa e interna) vai ser muito grande. O debate interno no PSOL sobre apoio ao Lula já no primeiro turno é parte dessa pressão e tem produzido resultados pois, Correntes importantes defendem a aliança.
De nossa parte reafirmamos que Lula e o PT não são alternativas. O programa que defendem é burguês, a experiência de governos petistas mostra bem isso. Os programas sociais, nos quais o discurso de “governar para os pobres” se apoia, se mostraram insuficientes para combater esses problemas no país; deixaram intactas a concentração de riqueza; a desarticulação dos movimentos sociais (causou muitos danos à consciência de classe da classe trabalhadora) e houve a continuidade de implementação do projeto neoliberal. Com esses mesmos programas, um eventual governo Lula, não se pode considerar como um governo de esquerda ou muito menos como um governo dos trabalhadores/as.
O programa do PT foi e é burguês, com aspectos desenvolvimentistas, mas, em essência, é a continuidade do neoliberalismo no país. Certo é que nunca se propôs a isso. E busca construir uma aliança ampla com os vários setores burgueses para 2022, que não vai além de um programa econômico para banqueiros continuarem ganhando “como nunca”.
Certamente, como garantia à burguesia, vai buscar atrelar o movimento social à gestão do Estado, incorporando lideranças políticas em órgãos públicos e, novamente, chamará os trabalhadores a terem paciência e colaborarem com esforços para que o país se recupere, etc.
Uma política de exigências à Lula
Lula ainda é uma direção política do movimento de massas da população. É maior que o PT e, em muitos momentos, faz questão de fazer essa diferenciação e se desgarrar devido o desgaste que o partido teve principalmente nos grandes centros urbanos.
É difícil precisar a inserção da candidatura de Lula nos setores operários da classe trabalhadora, mas, certamente terá apoio de uma parte importante. A tendência é que mobilize contingentes de ativistas.
Não sermos parte desse projeto não pode nos levar a uma relação sectária com os ativistas e com quem apoiará Lula. Não podemos ser sectários, tão pouco capituladores/as.
Outro risco é parecer se aliar com a direita, nas críticas ao Lula e ao PT. “Inimigos do meu inimigo não são meus amigos”. O nosso lado é o da independência de classe. Por isso, é importante destacar e nos prepararmos para colocar o debate pela esquerda e diferenciar os projetos: Lula tem um projeto burguês e é parte do sistema; nós propomos uma ruptura com o sistema.
A melhor tática, para esse próximo período, é termos uma política de exigências ao possível governo Lula: deixar de pagar a dívida pública; reestatizar o sistema Petrobrás; revogar as Reformas, etc. E continuarmos com os chamados constantes à classe trabalhadora para mobilização por essas bandeiras políticas.
Por uma Frente de Esquerda Anticapitalista e Socialista
Além do significado da candidatura Lula, precisamos considerar também o papel das direções sindicais nessa conjuntura. De olho nas eleições de 2022 e procurando se mostrar confiável para a burguesia, a maioria das direções sindicais buscam até desmobilizar a classe trabalhadora.
No âmbito de muitos sindicatos ainda são empurrados acordos rebaixados, abre-se mão de direitos trabalhistas, não busca mobilizar a classe para enfrentar a pandemia com seus efeitos e na luta pelo Fora Bolsonaro até silencia para não prejudicar a candidatura Lula.
Outros aspectos importantes a serem considerados são a fragmentação, o isolamento político e social da esquerda anticapitalista justamente numa conjuntura marcada por ataques do capital e empobrecimento geral da classe trabalhadora. Isolada, a esquerda anticapitalista não tem como se colocar nessa conjuntura de forma independente.
A esquerda anticapitalista e socialista não pode continuar refém de suas direções. Precisamos de uma política em que possamos apresentar um programa alternativo e que responda aos principais problemas vividos pela classe trabalhadora nessa conjuntura. É necessário e urgente chegarmos nos setores mais pauperizados da classe trabalhadora, nos estruturarmos nos locais de trabalho, moradia e estudo. Também é urgente buscarmos alcançar um setor especial da classe trabalhadora, os operários. A mobilização da classe operária é fundamental. É decisivo que a esquerda anticapitalista tenha influência sobre essa parte da classe trabalhadora. A presença da classe operária nas mobilizações é um elemento de qualidade.
Para isso, defendemos no movimento uma Frente de Esquerda Anticapitalista e Socialista com um programa que se oponha ao projeto da burguesia e das direções traidoras do movimento.
A estratégia dessa Frente de Esquerda é disputar a consciência de classe da classe trabalhadora para que rompa com as ilusões nas direções burguesas e no capitalismo. E que não tenha somente as eleições como horizonte, mas, a participação e a intervenção nos acontecimentos da luta de classes. Um eventual posicionamento nas eleições, apoio a algum partido da esquerda, deve ser resultado de uma ampla discussão política e tática dessa Frente.
E outra questão importante, aí reside a maior dificuldade da esquerda, é termos como objetivo a organização de pessoas para além da militância, incorporando setores de base. A construção de fóruns de base, atuação conjunta nos sindicatos contra as burocracias sindicais, plenárias de base, etc. são partes da luta para conformarmos um movimento político de classe.