Perfil programático

Perfil programático da organização Emancipação Socialista aprovado em sua conferência de fundação (2019).

Você pode também baixar o perfil programático da organização Emancipação Socialista em PDF.

Emancipação Socialista, uma organização para lutar pela Revolução Socialista

A organização Emancipação Socialista nasce a partir da fusão de Espaço Socialista com o Movimento de Organização Socialista. Quase 4 anos de debates e atuação em comum resultaram em acordos  políticos nas lutas, no avanço da construção de um perfil programático e de uma nova Organização. Numa situação política nacional de ataques aos direitos sociais e trabalhistas, profunda crise  econômica e social, avanço de forças de direita e fragmentação da esquerda esta união é um passo pequeno, mas muito importante para o fortalecimento da militância e por ir em sentido contrário à dispersão atual.

Sabemos de nossas limitações e dificuldades, entretanto, ao nos apoiar nas lutas e experiências da classe trabalhadora aprendemos e encontramos saídas. Assim, a Emancipação Socialista traz a convicção de que a estratégia de uma organização revolucionária é estar junto à classe trabalhadora contribuindo para desenvolver a consciência socialista, condições para que se tornem sujeitos do processo revolucionário. Quanto a um programa tem muito a ser feito, no entanto, avaliamos que avançamos em questões-chaves para a compreenção a situação política atual. Apresentamos os principais pontos políticos e programáticos que servem de base para construção de Emancipação Socialista.

As questões centrais desse Perfil Programático são a crise estrutural do capital (entendida como sem solução dentro do sistema), a crise de alternativa socialista (classe trabalhadora, por várias razões, perdeu o socialismo como referencial) e trabalhadores/as não se reconhecem enquanto classe social. Essa situação tem marcado a nossa realidade. No momento em que é mais necessário e urgente uma revolução socialista, a classe trabalhadora não vai por esse caminho e ainda se iludiu com saídas reacionárias. Essa contradição precisa ser resolvida.

Capital e capitalismo não são necessariamente a mesma coisa

Em modos de produção anteriores, o capital aparecia em sua forma embrionária e até de forma esporádica, como nas atividades mercantis em que o comerciante obtinha seu lucro apenas vendendo uma mercadoria por valor superior ao comprado. Ou seja, muito antes de haver capitalismo já havia capital.

Já no capitalismo há a forma mais desenvolvida de capital, em que a força de trabalho (homem) é separada dos meios de produção (a crise do feudalismo), fica disponível como uma mercadoria (pode ser comprada), que tem uma característica muito peculiar: é capaz de produzir outras mercadorias e, assim, retornar ao seu comprador um valor muito superior ao inicialmente gasto. A partir desse elemento, outros como o mercado, a mais-valia, a propriedade privada, etc. também se desenvolvem e alcançam formas superiores a de outros momentos precedentes da história.

Em outra forma de capital, como o “tipo soviético”, mesmo havendo a expropriação da burguesia – por revoluções como a Russa ou Chinesa ou pelo Exército Vermelho como parte de acordos da Segunda Guerra – não se instalou o socialismo.

Nesses Estados, leis do capital como a lei do valor, extração de mais-valia (sob a forma estatal), alienação do trabalho e do trabalhador, etc. permaneceram não sem contradições ou sem sofrer qualquer oposição.

Como veremos no decorrer do texto, a distinção entre capital e capitalismo é muito importante para a luta revolucionária e fundamental para a compreensão dos vários processos de luta da classe trabalhadora nas últimas décadas juntamente com os conceitos de Revolução, consciência de classe trabalhadora e questões como do balanço da Revolução Russa, da Queda dos Estados do Leste Europeu, etc.

A não compreensão dessas questões levaram setores importantes da esquerda mundial a equívocos que custaram muito caro, por exemplo, defender Estados como a União Soviética, Cuba, Alemanha Oriental e outros como socialistas, quando na verdade o que existia eram resquícios do que chamamos de socialismo.

E uma questão que deve ser destacada é o fato de a luta dos revolucionários é contra o capitalismo, mas é principalmente para varrer todas as formas que o capital poderia adquirir.

As crises cíclicas capitalistas

A ideia de o capitalismo ser um sistema social capaz de garantir crescimento ininterrupto e atender as necessidades humanas é totalmente falsa. Primeiro porque a história do capitalismo é de sucessivos períodos de prosperidade seguidos por crises econômicas. Segundo porque é cheio de contradições internas, o que impede de superar essas crises de forma definitiva.

De tempos em tempos essas contradições próprias do capital se avolumam a ponto de romper um certo equilíbrio entre produção-consumo-circulação/distribuição, eclodindo as crises econômicas. Importante frisar que as crises no capitalismo são parte da “normalidade da reprodução” de capital, portanto, inerente ao seu funcionamento.

Em circunstâncias normais, em cada ocorrência de crise, o sistema adotava medidas em que mesmo marcadas pela provisoriedade conseguiam, a partir da implementação daquilo chamado por Marx de contratendências (queima de capitais, aumento da exploração com o aumento da jornada de trabalho e intensificação do trabalho, ampliação de mercado, redução de salário, etc.) deslocar as contradições para o futuro e abrir um novo período de crescimento econômico.

A implementação das contratendências (inclusive guerra em grandes proporções) não significava a superação das contradições, pois permaneciam como parte da essência do sistema. Em outro momento essas contradições voltavam a se manifestar, provocar novas crises e exigir novas medidas anticrise. Repetia o processo de crise, recuperação e novo ciclo de crescimento até uma nova situação de desequilíbrio.

No entanto, esse tipo de crise denominada cíclica, quando adotadas as medidas corretas e mesmo sem alcançar uma solução definitiva, permitia ao capital retomar o processo de reprodução, ou seja, obstáculos superáveis ainda com crise profunda como foi a de 1929.

Nessa crise, como se provou, a burguesia tinha várias medidas a serem implementadas para iniciar um novo ciclo. Nos Estados Unidos, por exemplo, adotou-se a política econômica de caráter keynesiano (forte atuação estatal) para impulsionar o crescimento econômico. E quando se mostrou insuficiente para a recuperação global do capital, as nações imperialistas se lançaram à guerra para queimar uma quantidade de capital capaz de impulsionar uma nova fase do capitalismo.

Essa é a característica principal da crise cíclica, ou seja, se tem à disposição mais instrumentos para contornar os obstáculos e abrir espaço para a produção de valor e reprodução do capital. O sistema consegue deslocar as contradições e expandir em escala sempre superior ao período anterior da crise. As Primeira e Segunda Guerras foram instrumentos fundamentais (é um sistema que precisa de guerra para crescer!), mas citamos também os recursos do Estado (a grande indústria militar, políticas econômicas como o New Deal e a implementação do Welfare State, políticas de crédito, etc.), a expansão do mercado a partir de acesso a créditos privado e público e algumas concessões sociais e trabalhistas como forma de conter os movimentos sociais.

A crise estrutural do capital

No entanto, a partir do início dos anos 70, o ciclo crise-medida-de-contratendência-retomada-de- crescimento mostrou sinais de esgotamento, já não haviam mais tantos instrumentos para serem utilizados e os obstáculos já não eram facilmente contornáveis pelas políticas clássicas.

Entramos, assim, no período de crise estrutural do capital, caracterizada pelo esgotamento e insuficiência das medidas de contratendências utilizadas para as crises cíclicas. As contradições já não podem ser deslocadas na escala necessária para reprodução de capital, se torna impossível iniciar um novo período de retomada de crescimento consistente e superior ao anterior.

De forma resumida a crise estrutural se diferencia de crise cíclica nas seguintes características: afeta todas as esferas da vida social (ainda que na aparência possa se expressar no ramo financeiro, por exemplo); também afeta, de forma direta ou indireta, a totalidade dos países; não se limita aos solavancos cíclicos da economia, se prolonga no tempo; a diminuição de instrumentos para administrá-la se depara com obstáculos cada vez maiores.

A crise de 1929, mesmo com toda gravidade, esteve longe de ser estrutural devido a possibilidade de superação de contradições. A crise estrutural é qualitativa e quantitativamente superior, pois tem ativado limites que não podem ser contornados, ou seja, o capital não tem como resolver. São limites para o sistema como um todo e que impõem bloqueios permanentes para a autoexpansão do capital, em que as contradições “ao invés de serem absorvidas/dissipadas/desconcentradas e desarmadas, tendem a se tornar cumulativas e, portanto, estruturais, trazendo com elas um perigoso bloqueio ao complexo mecanismo de deslocamento das contradições” (Mészáros).

Na crise estrutural os agentes do capital não podem mais utilizar os mesmos instrumentos do passado para deslocar ou postergar suas contradições, garantir recuperação e retomada de novos ciclos de crescimento. É crise estrutural do capital por referir-se à essência do modo de funcionamento da economia capitalista como “representação de um continuum depressivo, que exibe as características de uma crise cumulativa, endêmica, mais ou menos permanente e crônica” (Mészáros).

Há duas confusões importantes a serem elucidadas: A primeira, refere-se à a uma certa ausência de manifestações explícitas desse tipo de crise, o que faz muitos negarem o conceito.

Aqui é preciso recorrer a uma das categorias da dialética: a aparência e a essência. O crescimento da bolsa de valores, taxa positiva de crescimento econômico, aumento de comércio exterior ou mesmo diminuição de taxa de desemprego não são necessariamente indicativos de desenvolvimento consistente no capitalismo, pois expressam tão somente políticas econômicas de curto prazo. Nos anos de 2017 e 2018, por exemplo, a economia dos Estados Unidos cresceu na base de empregos precarizados e de políticas fiscais de apoio às empresas, por sua vez, também serão causa de novo declínio na economia em um futuro breve. Por isso, apenas aparentemente as crises são solucionadas.

A segunda é que a crise estrutural do capital não exclui a possibilidade de período de crescimento na economia de alguns países ou mesmo na economia global. No entanto, crescimentos não são fortes o suficiente para atacar o caráter estrutural da crise e nem resolvem as contradições mais explosivas do sistema como o desemprego estrutural, o caráter destrutivo da produção e os interesses conflitivos entre Estados nacionais, dentre outros.

Merece destaque que o conceito de crise cíclica não é eliminado, ao contrário, é englobado e continua acontecendo momentos de crescimento e crise. A diferença consiste no fato de as saídas apresentadas serem incapazes de contornar as contradições, ou seja, mesmo quando há crescimento econômico (tão só) aparentemente o problema foi solucionado, o sistema continua operando sob a crise estrutural do capital. O crescimento é efêmeros, imediatista e frágil e não pode ir além disso.

É preciso reconhecer que os agentes políticos e econômicos do capital não ficam admirando a situação de braços cruzados, a cada crise adotam algumas medidas na tentativa de “estancar” seus efeitos e esbarram no fato de não existir remédio para curar a doença, o que existe para melhorar têm efeitos colaterais que fazem a humanidade mergulhar em período de maior destruição: crise ambiental, condenação de imensos contingentes humanos a viverem sem mínimas condições, encarceramento de outros milhões, aumento de desigualdade entre ricos e pobres, guerras, etc.

É uma situação muito grave. Ao contrário da promessa eleitoral de que basta trocar o gestor do Estado, chegar na condição estrutural, da crise, significa que é impossível encontrar soluções nos marcos do sistema do capital. Aliás, a razão do fracasso de “novas” alternativas políticas (petista, Syriza, chavismo, etc.) e a falência do “velho” reformismo são seus programas restritos à lógica do capital, quando na realidade já não existem margens de negociação.

A definição de crise estrutural é fundamental para elaboração política, tática e orientação da ação de revolucionários. A impossibilidade de solucionar problemas que afetam a classe trabalhadora, dentro do capitalista, impõe a necessidade de um programa de ruptura com o sistema do capital.

É evidente que não se trata de negar a importância e urgência das lutas imediatas contra os efeitos das crises, mas é preciso ter a consciência da necessidade de ir além, de estruturar as lutas e a organização da classe trabalhadora direcionando-as à causa, ou seja, contra o capital.

O Estado e Política

Em relação ao Estado também ocorre uma mudança substancial, pois, com a crise estrutural, passa a ser utilizado (apropriado) de forma contínua para tentar salvar o sistema em sua totalidade com, entre outras medidas, um gigantesco endividamento público e com o consumo destrutivo (apropriação/destruição de recursos naturais, guerras como mecanismo de consumo de arma, etc), razão de fundo da defesa de “Estado mínimo” em relação aos direitos sociais e serviços públicos.

Aqui novamente se revela os limites impostos pela crise estrutural, uma vez que limitada a implementação de políticas públicas para minorar os problemas sociais a gestão do Estado (por qualquer vertente de partido burguês ou “reformista”) não consegue sequer oferecer serviços públicos e, dessa forma, se opõe às necessidades da população. Assim, regime após regime, governo após governo, partido após partido vão se sucedendo no poder político sem conseguir resolver os problemas econômicos e sociais. Essa é a razão de sucessivas crises políticas na atualidade. E como o Estado capitalista não pode revelar as causas reais dessas crises se limita a ação de substituir políticos e partidos no poder do Estado.

Aqui a relação dialética entre economia e política é muito importante. A “crise da política” pode, por conta de sucessos temporários na economia, em alguns momentos, parecer estar resolvida. Mas, se trata de exceções e de curta duração. Assim que o temporário sucesso na economia se esgota (e tem sido cada mais rápido) a crise se transfere para a esfera da política e volta a manifestar com mais força os elementos estruturais da crise. No Brasil, os governos petistas, principalmente o segundo mandato de Lula, são as melhores expressões desse processo.

A crise de subjetividade de classe trabalhadora e a crise de consciência socialista

Há no movimento uma interpretação equivocada, muito comum, marcada pelo objetivismo, como se a simples explosão de crise fosse, por si só, suficiente para a classe trabalhadora se movimentar pela derrubada revolucionária do capitalismo. Essa interpretação ignora grosseiramente o fator subjetivo, ou seja, a questão da consciência de classe, o papel de organizações revolucionárias e a existência de organizações de frente-única da classe como Conselhos Operários, todos elementos extremamente necessários para materializar a ofensiva pela tomada do poder. Sem esses elementos é impossível pensar em uma Revolução Socialista.

Para nós, esses elementos estão ausentes na atualidade e bloqueiam o avanço de lutas contra o sistema. Caracterizamos, assim, esse momento como de crise de alternativa socialista. Isso significa que a classe trabalhadora, principalmente o proletariado, está desprovida de um projeto político e estratégico capaz de fazer frente ao domínio do capital. É, junto com o conceito de crise estrutural do capital, o elemento central a ser respondido pelos revolucionários, no sentido de buscar a construção de um programa e de uma prática capazes de contribuir com a classe para desenvolver sua consciência contra o capital.

A constatação dessa crise da alternativa socialista é ainda mais dramática porque ocorre exatamente no momento em que a crise do capital mostra seus efeitos com mais severidade: fome, concentração de renda, desemprego estrutural, problemas ambientais, precarização do trabalho, etc. É como uma tesoura: uma lamina traz os motivos para fazer revolução; na outra vem a crise da alternativa socialista. Só quando trabalhadores/as desenvolvermos a consciência de classe conseguirão duas lâminas, necessidade e possibilidade, se encontrarem e avançaremos contra o poder do capital.

São muitos os fatores que convergem para a crise chegar nesse patamar – as experiências com os regimes stalinistas (derivações como o maoísmo, castrismo, etc.), o papel desempenhado por maioria de direções sindicais que hoje faz mais parte da gestão do capital do que da representação da classe trabalhadora, o fracasso de experiências de partidos que se reivindicam de esquerda, etc. – e contribuem para o descrédito em propostas socialistas.

A Queda do Muro de Berlim e dos Estados burocráticos da Europa do Leste (mal chamados de socialistas), nos anos 89-90 do século passado, abriram uma nova etapa na luta de classes marcada pela ofensiva política e econômica do capital (restauração capitalista, neoliberalismo, etc.) e também pela ruptura da classe trabalhadora com esses regimes.

A exploração da classe trabalhadora (mais-valia apropriada pelo Estado), a opressão que sofria e os privilégios da burocracia estatal fizeram com que a maioria da classe trabalhadora identificasse esses regimes como inimigos, por isso caíram sem serem defendidos pela maioria da classe.

Como essas burocracias faziam tudo em nome do socialismo permitiram aos ideólogos burgueses intensificarem a campanha antissocialista e semearem a confusão junto à classe trabalhadora mundial. Contribuiu também para o sucesso da burguesia o fato de a ruptura da classe trabalhadora não ser acompanhada pela construção de um movimento de esquerda que rompesse com a burocracia, no campo anticapitalista.

Esses elementos contribuíram com a confusão ideológica no interior da classe trabalhadora e para que o socialismo deixasse de ser uma alternativa de sociedade para o conjunto de trabalhadores no mundo. Assim, as pessoas passaram a ter consciência de sua condição de vida, a não aceitar o capitalismo, mas não a ver no socialismo a alternativa.

Portanto, diversas experiências burocráticas pelo mundo contribuíram com essa situação, restringiram liberdades democráticas, mantiveram formas de exploração sobre o trabalho, dentre outras práticas que terminaram sendo, sem ser, identificadas como socialistas. Também há de considerar que a burguesia e seus governos trabalham diuturnamente para destruir a consciência de classe dos trabalhadores/as e não se utilizam somente de erros das burocracias como, nos exemplos acima, distraem também a classe trabalhadora através de diversos instrumentos como meios de comunicação, estilos de vida baseados no consumismo, crendices, etc.

Desde a “Primavera árabe” entramos em um ciclo de rebeliões populares, gigantescas mobilizações de massas, multitudinárias. Nos países árabes as reivindicações eram basicamente democráticas (contra as ditaduras, por eleições, direito de manifestação, etc.) ainda que a motivação fosse social (desemprego, miséria, etc.).

No Brasil, Argentina (direito ao aborto), Grécia, Espanha, Polônia também ocorreram essas manifestações. E a crise de alternativa socialista tem tido reflexo nas lutas pelo mundo como no caso dessas rebeliões populares ocorridas nos últimos anos. A crise de alternativa socialista impede as mobilizações de avançarem para lutas anticapitalistas, isso abre espaço para intervenções de forças políticas burguesas. Todas essas lutas retrocederam como o Egito, com o golpe militar do General Sissi, ou a direita conseguiu ganhar parte do movimento para posições reacionárias.

Uma de nossas principais tarefas para esse próximo período é contribuir para a reconstrução da consciência socialista e de classe dos trabalhadores/as. A esquerda revolucionária pode contribuir para construir, impulsionar as lutas e disputar que avancem para além de reivindicações econômicas e imediatas, para a propaganda e agitação de ideias socialistas e para a construção de direções políticas comprometidas com o processo de organização dos próprios trabalhadores, sua vanguarda, dentre outras medidas.

Parece-nos bastante atual quando Lênin diz numa das teses do “Projeto de programa do partido socialdemocrata e explicação desse projeto” que “O partido socialdemocrata da Rússia proclama como sua missão cooperar nessa luta da classe operária russa, desenvolvendo a consciência de classe dos operários, contribuindo para a sua organização e indicando as tarefas e os objetivos dessa luta”.

O conceito de crise de alternativa socialista reconhece e incorpora o conceito de crise de direção e também ajuda a compreender e buscar razões da ausência de uma consciência socialista no interior da classe trabalhadora. Também busca explicar os motivos de não existir uma direção socialista revolucionária com influência de massas, que é a crise de direção.

Enfrentar esses problemas passa não só pela construção de organizações revolucionárias, mas também de um forte movimento da classe trabalhadora. É uma combinação dialética entre construção do movimento e construção de organizações revolucionárias, pois a não existência de consciência de classe dificulta imensamente a construção de organizações revolucionárias e vice-versa. Aliás, é impossível resolver a crise de alternativa por fora da (e sem a) disputa pela direção política e real da consciência da classe e de seus organismos, como parte da batalha.

O crescimento das ideias de direita

Toda crise coloca de imediato a questão de alternativas e, não por acaso, têm-se momentos de revoltas, rebeliões e revoluções.

A classe trabalhadora quando organizada e confiante sai à luta, se coloca como alternativa e busca solucionar a crise de acordo com os seus interesses. Mas, do contrário, quando são setores da burguesia e mais reacionários que possuem força impõem seus projetos e, invariavelmente, são de intensificação da exploração, retirada de direitos sociais e trabalhistas, políticas contra imigrantes, aumento de repressão para impedir mobilizações, maior divisão entre os trabalhadores, etc.

A persistência da crise econômica mundial (sem que a burguesia encontre soluções duradouras), a desagregação social e política, a falta de perspectiva de vida (sobretudo para a juventude) e a inexistência de um projeto socialista entre a classe trabalhadora formaram as condições objetivas para ideias de direita ganharem influência em amplos setores da população mundial. Não entendemos apenas como um momento conjuntural, mas com enraizamento social, inclusive, entre setores da própria classe trabalhadora e juventude das periferias.

Essa influência tem se expressado nas vitórias eleitorais em vários países, nas manifestações massivas lideradas por movimentos/partidos de direita e, principalmente, no desenvolvimento da consciência de ódio aos imigrantes e refugiados, fortalecimento do racismo, sexismo, misoginia, homofobia, transfobia, de ideias punitivistas e de encarceramento em massa.

Como esses setores não podem explicar que a situação de crise é por conta do próprio capitalismo, direcionam a responsabilidade pela crise aos programas sociais, ao socorro aos imigrantes, às políticas públicas para mulheres, etc. Nesse sentido, banqueiros, empresários e ricos são tidos como vítimas e não culpados pela crise.

Setores da burguesia interessados em criar condições para seus planos “anti-crise” buscam também o controle do aparato estatal, construem candidaturas que reproduzem as ideias de direita que já estão bastante respaldadas na população. As eleições de Trump, Macri, Bolsonaro, o crescimento eleitoral da extrema-direita na Áustria, Polônia, Hungria, as oposições de direita na Venezuela, etc. são demonstrações que a burguesia, cada vez mais, procura formas de aplicar e de que o Estado aplique seus planos maneira mais direta, sem mediações.

A burguesia, ao eleger candidatos com esse perfil, deixa o Estado cumprir sua função primordial de gestão do capital e controle social, implementar medidas legais de retirada de direito e, principalmente, fortalecer o aparato repressivo para impedir a mobilização da classe trabalhadora.

Mesmo com todo o fortalecimento e ampliação da influência da direita e seus problemas decorrentes, opinamos que, ao menos ainda nessas condições, não é fascismo.

O fascismo se caracteriza por um Estado totalitário e centralizado além do “normal”, com retirada de garantias democráticas pela violência política contra a classe trabalhadora e suas organizações, como os sindicatos. Sustenta-se politicamente no movimento de massas. É uma medida extrema adotada pela classe dominante para enfrentar a radicalização, presente ou em potencial, do movimento de trabalhadores que poderia comprometer a própria existência do capitalismo.

No entanto, mesmo em minoria, existem movimentos fascistas com pequena projeção de massas na Alemanha, Grécia, França, Austria e nos quais a burguesia pode se apoiar diante de um agravamento da disputa interburguesa por mercados e do comprometimento de mecanismos garantidores da autovalorização de seus capitais. É necessário acompanharmos.

O fortalecimento da extrema direita (do fascismo é ainda mais grave) é um risco não somente para a geração atual como também para o futuro, pois prevalecerá uma sociabilidade construída pelos aspectos mais destrutivos, material e espiritual, do capital. Não que os regimes democráticos-parlamentares andem em outra lógica, ressalta-se apenas o ritmo de enfrentamento à burguesia e as condições, pois lutar sob condições autoritárias é muito mais dificil.

É preciso trazer também um outro elemento para esse debate que é a relação entre as questões táticas e estratégicas. Um setor de esquerda, no enfrentamento à direita, se localiza na realidade para disputar ou apoiar outros setores parlamentares do Estado, como se o problema fosse de gerenciamento das instituições e não da própria lógica do capital, impossível de ser controlada.

Para nós, só a classe trabalhadora mobilizada poderá derrotar a direita. É uma luta prática, com greves políticas ou mesmo greves econômicas que poderão desarmar esse poder da direita. Cada vitória da classe trabalhadora fortalecerá a luta e ainda ajudará a ganhar para o lado da esquerda alguns setores simpáticos às ideias e, consequentemente, enfraquecerá a direita.

Para isso necessitamos ganhar politicamente e ideologicamente a classe trabalhadora contra as ideias da direita. É um novo momento para as lutas, no qual a esquerda revolucionária precisa se relocalizar e (re)construir a sua relação com a classe trablhadora de conjunto. Não podemos nos acomodar no campo da luta econômica, em última instância, é de reconhecimento e legitimação do capital.

As reivindicações econômicas, mesmo importantes, não são suficientes e a direita também tem programa econômico que promete melhorar a vida das pessoas, é por isso que muitas a segue.

O campo de luta dos revolucionários – abandonado pelas pressões parlamentares, reformistas e sindicalistas – sempre foi o de organizar a classe trabalhadora, da luta política e ideológica contra o capital, de mostrar as contradições do sistema e relacionar os problemas à lógica de lucro do capitalismo. Uma base para essa luta é a recomposição de um forte movimento da classe trabalhadora para enfrentar a burguesia e suas várias “facetas políticas”, sejam as democrático-parlamentar, as reacionárias ou as fascistas. E esse enfrentamento só pode obter sucesso no campo das lutas diretas, da organização de base e com a retormado do protagonismo da classe trabalhadora.

Para isso é necessária a construção de unidade da esquerda socialista em todas essas lutas, desde as locais e imediatas até as de avanço para o enfrentamento ao sistema. Essa unidade pode se concretizar de diversas formas: a construção de frentes, comitês, unificação de correntes, etc., no entanto, não com o objetivo da disputa eleitoral, pois o que está em jogo são questões que não cabem no parlamento devido ao papel que cumpre.

As consequências programáticas na atual configuração do capital

Diferenciarmos crise cíclica e crise estrutural é muito importante para nos orientarmos quanto aos meios para enfrentarmos os desafios da realidade.

Um programa que levava em consideração o período anterior em que era possível obter algumas conquistas sociais, hoje está ultrapassado. Insistirmos em construir uma plataforma política que tenha como referência apenas reivindicações econômicas é insistir em uma prática que tem levado parte significativa da esquerda para a institucionalidade.

A crise estrutural do capital coloca na ordem do dia a necessidade de avançarmos para a revolução social. Isso quer dizer que as lutas “defensivas” precisam ter como impulso as lutas contra o sistema, ou, como chama Mészáros, a ofensiva socialista. A crise é profunda, grave e insolúvel no capitalismo. Só a Revolução Socialista pode oferecer para a humanidade uma saída do pântano em que se encontra.

E não nos iludamos, a crise, por si, não levará ao fim o capitalismo. O capital ainda tem recursos a serem utilizados, como destacou Mészáros não podemos “minimizar a capacidade do capital de somar novos instrumentos ao seu já vasto arsenal de autodefesa contínua”. O problema é que esses novos instrumentos agravarão ainda mais as condições de existência da humanidade.

Diante disso, reputamos como fundamental a construção de um programa que responda aos aspectos mais profundos dessa realidade e das tarefas estratégicas postas. Também frisamos que é a luta de classes que dá concretude a esse programa e se não for apropriado pelas massas, se resumirá a palavras cheias de boas intenções.

Por isso, a elaboração de táticas, tarefas imediatas no combate ao capital, precisa considerar a relação dialética estabelecida com a estratégia, ou seja, como a luta do dia-a-dia por reivindicações imediatas dá impulso à luta geral contra o sistema capitalista.

Essa relação é importante porque, como disse Trotsky, “A tática se limita a um sistema de medidas relativas a um problema particular da atualidade ou de domínio determinado da luta de classes, enquanto a estratégia revolucionária se estende a um sistema combinado de ações que em sua relação, em sua sucessão, em seu desenvolvimento, devem levar o proletariado à conquista do poder” (Estratégia e tática na época imperialista. CEIP.org.ar).

Nessa etapa da luta de classes as táticas de atuação no parlamento para acúmulo de forças, as lutas parciais e economicistas (por categorias) desvinculadas da crítica ao sistema social e a disputa por sindicatos precisam ser criticadas e entendidas como insuficientes, não por acaso a classe trabalhadora tem acumulado muitas derrotas nas últimas décadas. É como o “cachorro correndo atrás do rabo”, apesar de na aparência estar se movimentando não consegue sair do lugar. E mesmo quando vitoriosas os resultados são temporários, pois a burguesia tem muitos meios de “recuperar aquilo que foi obrigada a ceder ou recuar”.

A nós, ainda mais nesse momento histórico, cabe apresentar à classe trabalhadora propostas de luta não só econômicas e imediatas, mas sim pela derrubada do sistema e das relações que o cercam. É preciso recuperar as lições de teóricos revolucionários que buscavam avançar a luta econômica para luta política, anti-imperialista para luta anticapitalista, luta democrática para luta contra o sistema. Enfim, em cada luta, em cada local, devemos mirar o nosso projeto estratégico de luta revolucionário pelo socialismo.

Isso não quer dizer abandonarmos a luta tática, pelo contrário, participamos e contribuímos para impulsionar toda e qualquer luta imediata/econômica, mas buscaremos nos afastar do “taticismo” (elaboração da tática desvinculada de questões estratégicas).

a) A impossibilidade de Reformas (conquistas) no interior do sistema

Com a crise estrutural do capital, o reformismo ficou no passado, assim como as conquistas sociais e qualquer possibilidade de chegar ao socialismo com atuação no interior do Estado. Esse caminho, das reformas, foi muito longo no interior do movimento de trabalhadores pelo mundo, sobretudo nos países europeus onde as organizações/partidos reformistas tinham peso entre os trabalhadores. Havia uma base material para isso, era o período de boom econômico no pós-guerra. A superexploração exercida sobre os trabalhadores de países periféricos permitia à burguesia imperialista distribuir parte dessa mais-valia aos trabalhadores de seus países.

No entanto, com a crise estrutural do capital, essa possibilidade se esgotou e partidos/organizações reformistas se diluíram até em partidos de direita ou carregando nome de socialdemocratas e se tornaram principais aplicadores de planos de ajuste do capital.

Mesmo com a possibilidade de medidas de caráter reformista estar distante, ainda hoje, partidos/organizações reformistas atuam no interior dos movimentos orientando a classe trabalhadora a buscar suas reivindicações atuando no interior das instituições do Estado. Alegam que isso contribui com o desenvolvimento do capitalismo e assim a riqueza poderia ser repartida. E para alcançar direitos o exercício da cidadania, e não a Revolução, é o instrumento a ser utilizado. Ocorre que na atual situação nem mesmo a cidadania pode de fato ser realizada, etc. Entendemos ser impossível qualquer transformação da sociedade por meio de atuação e acumulação de forças no interior do Estado. Defendemos um programa de ruptura radical com o capital, pela ação revolucionária da classe trabalhadora.

Há partido que, até para tentar atrair setores de massas para projetos eleitorais, se passa por esquerda e reformista, mas não passa de colateral da burguesia. Nesse rol estão PT, PCdoB, peronistas na Argentina, Frente Ampla do Uruguai, chavista, partidos socialistas na Europa, Syriza na Grécia, etc. que sequer podem ser chamados de reformistas, pois adotam programas deliberadamente liberais.

Esses partidos têm na atuação a defesa de Estado democrático, de instituições parlamentares, de direito à cidadania, de humanização do capitalismo, etc. como se os problemas enfrentados pela classe trabalhadora decorressem de decisões políticas desses governos e não da exploração do trabalho pelo capital. Entendemos, obviamente, que esses problemas são ainda mais sentidos pela classe trabalhadora diante de governos autoritários que aplicam de forma mais direta a exploração e sua intensificação.

b) Questão de estratégia: só a Revolução nos conduzirá ao socialismo

É a Revolução Socialista que se opõe ao reformismo. As experiências reformistas serviram para mostrar o quanto é ilusório tentar controlar as forças do capital. Somente a Revolução, ação organizada das massas exploradas, poderá colocar fim à exploração do trabalho e à propriedade privada, base sobre a qual assentam todas as relações sociais da sociedade capitalista.

A Revolução, diferente do reformismo, se propõe à destruição do aparato estatal burguês, principalmente o repressivo como as Forças Armadas, a polícia e o judiciário. Também possibilitará construir novas formas de representação da classe que produz riqueza.

Somente a Revolução poderá abrir caminho para as necessárias transformações, para se chegar a uma sociedade sem propriedade privada, consequentemente, sem exploração do trabalho, com a produção e distribuição de riquezas atendendo a necessidade e a satisfação humanas, com a garantia máxima de liberdade da classe que produz riqueza, enfim, a uma sociedade socialista que criará as condições para o comunismo, momento em que viveremos sem classes sociais e sem Estado. Questões importantes sobre a Revolução Socialista:

  • Se direciona a mudar o modo de produção, rompe relações de produção e acaba com a contradição entre quem produz (trabalhadores) e quem se apropria da riqueza (burguesia). Ou seja, não se direciona a um dos setores como na sociedade capitalista, mas a totalidade das relações que vigoram na sociedade;
  • Não ignoramos o rico debate sobre o sujeito revolucionário diante da nova configuração do capital, mas continuamos opinando que o proletariado industrial não deixou de ser o sujeito revolucionário, em decorrência de sua posição no processo produtivo, por ser quem produz e valoriza o capital. Isso não significa ser o único a fazer a Revolução, mas deverá ser vanguarda e atrair os demais setores da classe trabalhadora;
  • A classe trabalhadora em armas, organizada em Conselhos (ou outra forma) eleitos pela base de diversos setores explorados. Esse Conselho, direção do processo revolucionário, será democrático e aberto a todas as organizações socialistas para defenderem suas posições políticas. Também é importante destacar que partidos da classe são fundamentais no processo revolucionário, mas, até para reparar erros do passado, não fazem a revolução, ou seja, nenhum partido substitui a classe trabalhadora nessa tarefa;
  • A tomada do poder de Estado é o primeiro ato político da Revolução, e quando começam os primeiros problemas como a burocratização. Por isso, é fundamental medidas que garantam a fiscalização e o controle pelo conjunto da classe trabalhadora sobre o Estado e seus dirigentes para não repetir experiências como a Russa quando o Estado foi apropriado por uma casta burocrática que conduziu à contrarrevolução ainda nos primeiros anos da Revolução.

Sobre a democracia parlamentar burguesa: a dialética entre lutar contra e para preservar as conquistas democráticas

Não há meios, manobras políticas, eleição, atuação ética ou boa vontade nesse mundo capaz de transformar o Estado em um instrumento representativo dos interesses de todas as pessoas. O Estado é por definição um instrumento de dominação de uma classe sobre outra. Na definição de Lênin o Estado “é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados”. Definição importante e orientadora da nossa estratégia de destruição do aparato do Estado.

Mas, essa é só uma parte do problema. Esse mesmo Estado capitalista pode ter diversas formas de impor seu domínio sobre a classe trabalhadora. Mesmo caráter burguês, portanto, com a manutenção da exploração sobre o trabalho pode ser democrático parlamentar, fascista, nacionalista burguês, etc. São os chamados regimes políticos, definidos conforme qual instituição a burguesia se apoia para exercer o seu domínio.

A cada conjuntura e dependendo do risco imediato ou potencial representado pelo movimento operário, a burguesia recorre a regimes mais ou menos democráticos, monarquias ou a regimes totalitários como o fascismo ou o bonapartismo. Todos com o objetivo de garantir a exploração do capital sobre o trabalho.

A democracia parlamentar é, essencialmente, um dos instrumentos “refinados” utilizados pela burguesia para dominar a classe trabalhadora. É um avanço em relação ao feudalismo, mas não avança para ser uma democracia plena, pois como uma forma burguesa de democracia sempre vai ser “estreita, amputada, falsa, hipócrita, paraíso para os ricos, uma armadilha e um engano para os explorados, para os pobres” (Lênin). Nada mais que ditadura disfarçada de democracia, com alguma liberdade para a classe trabalhadora, mas só até ao ponto em que os interesses da burguesia não estão em risco.

Nos Estados Unidos, por exemplo, mesmo se autoconsiderando a maior democracia do mundo, há muitas restrições às liberdades democráticas, de forma ilegal como são as infiltrações de agentes secretos nos movimentos sociais ou mesmo por meios legais como o ato patriótico autorizando as agências de segurança e inteligência a prender e realizar escutas sem ordem judicial, sequestrar pessoas fora do território estadunidense, interrogar com uso de tortura, bisbilhotar redes sociais, etc.

Exatamente por esses limites a luta pelos direitos democráticos é permanente, pois a burguesia mantem as liberdades somente até um grau aceitável aos seus interesses. A justa e necessária luta pelas liberdades democráticas não pode ser compreendida como um fim, mas como um meio para a organização da classe trabalhadora. Não pode ser uma luta de defesa da democracia parlamentar burguesa, mas de questionamento permanente de sua função na sociedade capitalista.

De fato, as liberdades democráticas foram conquistas importantes das lutas desenvolvidas pela classe trabalhadora em diversas partes do planeta, mas, por outro lado, essas conquistas foram e são utilizadas pela burguesia e seus agentes políticos para desviar as lutas para o plano institucional e até mesmo para o parlamento, na aposta em aprovar leis em uma instituição dominada pelas próprias forças burguesas. Ainda hoje, no interior do movimento se desenvolvem correntes com política voltada para a ação parlamentar, para acumular forças no interior do Estado e, assim, realizar políticas de redistribuição de renda, aumento de espaços para exercício da cidadania, etc. Essas experiências tem terminado ou “como farsa ou como tragédia”.

Algumas questões fundamentais sobre a democracia parlamentar burguesa

  • Os interesses históricos da classe trabalhadora não podem ser obtidos no parlamento, um órgão, por essência, de controle do capital sobre a totalidade da vida. A luta direta, greves e ocupações são os únicos caminhos para as conquistas de direitos políticos e sociais. Em momento de crise estrutural do capital, quando as concessões econômicas consistentes são praticamente inexistentes, a possibilidade de obter conquistas via parlamento se torna remota.

A ideia de ser possível obter conquistas com um melhor gerenciamento do Estado não passa de traição e charlatanismo. É uma concepção que supõe ser possível alcançar transformações a partir do controle das instituições estatais por organizações do movimento social. Para a “social democracia clássica”, de Bernstein e Kautsky, tratava-se de ampliação dos espaços democráticos e transformação do Estado até alcançar o socialismo. Com a chegada ao poder, pela via eleitoral, em vez de transformar o Estado foi a socialdemocracia que se transformou e hoje é a vanguarda em aplicar os planos de ajustes econômicos contra a classe trabalhadora;

  • Nos processos eleitorais burgueses (independente de apoiar alguma candidatura) atuamos com uma posição tática, temos como princípio a denúncia da exploração, do sistema capitalista, do sufrágio universal, das manobras da burguesia e dos meios de comunicação burgueses que se dedicam a iludir a classe trabalhadora e o povo pobre. Também participamos do processo eleitoral como forma de fomentar a auto-organização da classe trabalhadora, de desenvolvimento da consciência de classe e unidade dos diversos setores da classe trabalhadora.
  • Mesmo sem estar no horizonte da Organização, não descartamos a participação de revolucionários no parlamento burguês e, caso ocorra, deverá seguir critérios rígidos como ocupar a tribuna do parlamento para denunciar o capitalismo e as instituições burguesas, não semear ilusões no parlamento, limitar a quantidade de mandatos, não usufruir de regalias, ter o salário pessoal limitado ao rendimento médio da classe trabalhadora, dentre outros.
  • A definição de posição tática (voto nulo, voto crítico a partidos da esquerda socialista, boicote, etc.) é considera a avaliação de conjuntura e correlação de forças entre as classes. Em qualquer posição se mantém a total independência política da Organização.

Para nós a luta contra a “forma democrática” de dominação burguesa é fundamental, pois a maioria da esquerda socialista no mundo tem dado pouca importância a esse tema e termina por capitular e se adaptar ao parlamento. Seus dirigentes são cooptados pelo aparato institucional e passam a ter como centro de sua política a ocupação de cargos e secundariza a luta direta, inclusive, passam a defender que problemas econômicos derivam de comportamentos moral ou ético e negam totalmente que a exploração do capital é a causa de todos os problemas que o mundo enfrenta.

As distintas variações de “esquerda progressista” e nacionalista

Nos últimos anos apareceram vários movimentos, candidatos e partidos se colocando no campo da esquerda progressista. Para citar alguns: Tsipras e Syriza na Grécia, PODEMOS na Espanha, Lopez Obrador no México, Bernie Sanders do Partido Democrata nos Estados Unidos ou Jeremy Corbain do Partido Trabalhista na Inglaterra. Todos têm programas burgueses, mas com críticas ao “capitalismo selvagem”, aos banqueiros ou neoliberalismo.

É um subproduto da crise de alternativas. Como a esquerda revolucionária não tem conseguido (por razões objetivas e subjetivas) se colocar como alternativa na construção da luta, esses movimentos ocupam espaço, procuram mostrar algum tipo de radicalidade e chamam a atenção principalmente da juventude. Nós não apoiamos esses movimentos e nem governos com essas características que iludem a classe trabalhadora e a juventude.

Syriza é um exemplo desses “progressistas”, mesmo com a disposição de mobilização da classe trabalhadora grega, preferiu aceitar os planos de ajustes da Troika (FMI, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia liderada pela Alemanha) que contavam com aumento da idade para se aposentar, aumento de imposto, aumento de contribuição da Previdência, dentre outros.

O bolivarianismo é outra variante junto com o chavismo, neste momento em crise, como a principal corrente. É ideologicamente burguesa e dirigida por uma burocracia estatal, no caso da Venezuela, também pela cúpula das Forças Armadas. Politicamente se situa no campo de um nacionalismo burguês, servil aos interesses capitalistas. Mesmo em relação ao imperialismo estadunidense, por conta da dependência de exportações a esse país, nunca rompeu de fato a não ser em bravatas.

Diferentemente de alguns setores, inclusive de esquerda, avaliamos que o bolivarianismo não se propôs a enfrentar a burguesia venezuelana com o ataque à propriedade privada e às instituições do Estado burguês e a estabelecer um regime socialista, tanto por ser uma corrente burguesa quanto pela impossibilidade de Revolução “de cima para baixo” como quer fazer crer. Ou é uma ação da classe trabalhadora com seus organismos ou não é revolução.

Não entendemos esses regimes como alternativas para a luta da classe trabalhadora, muito menos para enfrentar setores de direita e o imperialismo. Disputam, em última instância, para manter e até intensificar a exploração da classe trabalhadora.

Nesse sentido, nos opomos aos setores “progressistas”, de direita e imperialistas. E defendemos a necessidade da classe trabalhadora se colocar em campo e independente, responsável por toda a produção e distribuição da riqueza. Também demarcamos que diante de uma intervenção da direita ou do imperialismo nos colocamos imediatamente ao lado do povo, seja o boliviano, o venezuelano ou o mexicano. Somente o povo de cada país pode decidir sobre o destino de seu próprio país.

As ditas experiências socialistas

Incorporamos um aprendizado importante: União Soviética, China, Cuba e demais países que se autointitulavam ou intitulam comunistas, mesmo tendo expropriados a burguesia, não eram e não são socialistas. As exceções são os primeiros anos da Revolução Russa, antes da ascensão stalinista, quando, ainda que com muitos problemas, a classe operária junto com o campesinato e os soldados eram maioria nos sovietes, órgãos em que se decidiam os rumos da Revolução. Eram compostos por representantes eleitos nas fábricas, nas comunidades agrárias e nas frentes de batalha.

Nos primeiros anos da Revolução os dirigentes de fábricas e os oficiais do exército eram eleitos pela base e expropriaram empresas e bancos. Foram garantidas medidas de defesa da mulher, liberdade sexual e de expansão da Revolução para outros países.

Mas, apesar dos enormes avanços que haviam representado a expropriação da burguesia e a estatização da economia, o processo revolucionário foi interrompido sem haver a passagem para uma sociedade socialista. Essa Revolução que foi a experiência mais importante da classe operária mundial, a partir da contrarrevolução stalinista degenerou-se e de modo imprevisto passou a explorar e oprimir a classe trabalhadora, inclusive, com perseguição a quem se opusesse ao avanço da burocracia no controle do Estado. Essa contrarrevolução se caracterizou por afastar a classe operária dos sovietes e transformá-los em aparatos controlados diretamente pelo partido, o Estado foi inchado com a nomeação a cargos de aliados de Stalin em todas as cidades, oficiais militares passaram a ter privilégios e deixaram de ser eleitos por soldados.

O surgimento e ascensão de burocracia tão poderosa no interior do processo revolucionário surpreendeu muitos revolucionários pelo mundo, levou confusão e desilusão para toda uma geração, alguns dos mais valiosos revolucionários do Partido Bolchevique chegaram até ao suicídio.

A contrarrevolução na URSS significou um enorme atraso para as lutas revolucionárias em várias partes do mundo. Um exemplo foi a China com a ordem para os comunistas se aliarem a setores burgueses, o que permitiu a reorganização da burguesia. Outro exemplo foi a Revolução Espanhola que não teve o apoio soviético e deixou os revolucionários espanhóis na mira dos nazistas, que apoiaram incondicionalmente os fascistas espanhóis. Processos que se tivessem sido vitoriosos poderiam ter aberto um novo período na história da humanidade.

Muitos resistiram e pagaram com a vida, mas Trotsky levou muito longe esse combate, inclusive, foi um dos que pagou com a vida. Foi também quem procurou explicar as bases materiais do desenvolvimento da burocratização e as tendências em desenvolvimento no interior do processo revolucionário. Sua contribuição é imensurável para o marxismo e foi o primeiro a enfrentar o problema da burocracia soviética.

Mas, não estamos de acordo com Trotsky sobre a definição da natureza do Estado soviético sob o domínio stalinista. Para Trotsky, mesmo com a degeneração era possível tratar o Estado soviético como “operário”, pois conservava “as formas de propriedade criadas pela Revolução de Outubro” e desde que não fossem liquidadas, o proletariado continuava sendo a classe dominante. (L. Trotsky, A natureza de classe do Estado Soviético).

Não obstante a enorme contribuição de Trotsky para entendermos a burocracia soviética, considerar as formas de propriedade (estatal ou privada) como critério para definir a natureza do Estado é base de seus erros sobre o tema no debate da caracterização social da União Soviética, em que prevaleceu a concepção estatista/jurídica do socialismo – principalmente nos textos que compõem o livro “Em defesa do marxismo” .

As relações de propriedade nada mais são do que a expressão jurídica, ou seja, a superestrutura jurídica da sociedade. Ao ter essa referência, abandonou o critério de ter as relações de produção como o elemento para definir a estrutura socioeconômica da sociedade soviética. Com isso, desconsiderou haver no interior da sociedade soviética a extração de mais-valia (estatizada) em que esse excedente ao invés de ser apropriado por um burguês, é administrada pela burocracia que tem o controle do Estado.

O stalinismo não só se beneficiou desse excedente extraído dos trabalhadores como aperfeiçoou o processo produtivo para aumentar a taxa de exploração. Essa é uma das razões de não considerarmos a União Soviética, após a consolidação da burocracia stalinista no final dos anos 20 do século passado, um “Estado Comunista” como a tradição stalinista reivindica e nem um “Estado Operário degenerado” como define a tradição trotskista.

Mas, é preciso ser justo com Trotsky que em nenhum momento tratou essa caracterização como algo fechado, pelo contrário, como marxista via o processo soviético ainda em aberto e com necessidade de acompanhar o seu desenvolvimento. Trotsky dizia que tratar a União Soviética como Estado Operário era “uma categoria histórica que atingiu os limites de sua própria negação”.

E ainda “Naturalmente que os doutrinários não se satisfarão com uma definição tão vaga; desejariam fórmulas categóricas; sim, sim e não, não. As questões de sociologia seriam bem mais simples se os fenômenos sociais tivessem sempre um caráter acabado. Mas nada é mais perigoso do que eliminar, no desenvolvimento de uma precisão lógica, os elementos que contrariam os nossos esquemas e que, amanhã, os podem refutar. Em nossa análise, tentamos evitar violentar o dinamismo de uma formação social que não tem precedentes e que não conhece nada de análogo. A tarefa científica e também política, não é dar uma definição acabada a um processo inacabado, mas analisar todos seus estágios, separar as tendências progressistas das reacionárias, avaliar suas relações mútuas, prever as múltiplas variantes do desenvolvimento posterior e encontrar nesta previsão um ponto de apoio para a ação”. (A Revolução Traída)

A maioria das correntes trotskistas nem tentaram responder às contradições dessa questão teórica e se apegaram a uma concepção teórica que se mostrou equivocada. Não por acaso, a partir da queda desses regimes as correntes trotskistas se afundaram em crise com sucessivos rachas e fragmentações.

Algumas correntes que fizeram um esforço de contestar no campo do marxismo a tese de Trotsky, cunhando o conceito de Capitalismo de Estado, também insuficiente, pois desconsiderava as especificidades da forma de produzir e apropriar existente na União Soviética, desconsiderando, por exemplo, o fato de não haver uma burguesia nesses países. E não há capitalismo sem burguesia.

A nossa posição sobre esse processo tem como elemento central verificar se a classe operária está no poder, uma questão negligenciada pela maioria da esquerda como forma de justificar suas posições teóricas.

A classe operária não exercia o poder na União Soviética e nem nos países que mais tarde se declararam como socialistas. No caso soviético, a contrarrevolução stalinista retirou o poder dos sovietes e o colocou sob controle da burocracia soviética, uma casta privilegiada e contrarrevolucionária, “a única capa social dominante” (Trotsky). Este fato foi decisivo para o retrocesso no processo revolucionário russo, pois se desenvolveu e fortaleceu uma burocracia que vivia às custas do Estado com regalias e privilégios. Como podemos definir um Estado como operário se essa classe não está no poder?

Um poder operário se caracteriza fundamentalmente por existir organismos da classe, como os sovietes nos primeiros anos da Revolução Russa, a atuar de forma democrática a ponto de garantir a liberdade de expressão até para correntes anticapitalistas; a ter dirigentes de fábricas eleitos por trabalhadores, planos econômicos discutidos e aprovados nos organismos de poder. Esses foram os ensinamentos também da Comuna de Paris, a primeira experiência de poder operário.

Essa caracterização também se estende aos Estados não-capitalistas do pós-guerra, onde a burguesia foi expropriada por revoluções de tipo camponês (países essencialmente agrários), mas o poder foi ocupado por partidos já burocratizados e da órbita de influência stalinista como os das Revoluções Chinesa, Coreana, vietnamita, etc. Os Estados, na Europa, surgidos no pós-guerra que se reivindicavam comunistas também não podem ser considerados operários ou socialistas. Nesses, inclusive, têm a particularidade de o Exército Vermelho, que os libertou da ocupação nazista, ter expropriado a burguesia e entregado o poder para os partidos sob a influência de Stálin, ou seja, nem ocorreram revoluções nesses países.

A batalha contra essas burocracias e para que a classe operária assuma o poder se combinam com a luta contra a restauração capitalista. Na União Soviética, foi a burocracia liderada por Gorbatchov que pavimentou o caminho para a restauração com a Perestroika e a Glasnost. O problema foi que perderam o controle, diferente de China e, até agora, Cuba que a burocracia conseguiu manter sob controle a transição de “economias não- capitalistas” para abertamente capitalistas.

Não defendemos a restauração capitalista em nenhum país. Mesmo sem avançar para o socialismo, a expulsão do imperialismo e a expropriação das burguesias foram vitórias importantes da classe trabalhadora mundial, o que demonstra possibilidade de derrotá-los. Ao contrário, a restauração capitalista na União Soviética, China, Alemanha, etc. são derrotas para a classe trabalhadora mundial e, como dissemos, abriram uma etapa defensiva da luta de classes.

Essas revoluções também demonstraram como a propriedade privada é um entrave para o desenvolvimento humano, pois somente com o ato de expropriar a burguesia a classe trabalhadora passa a ter acesso universal a serviços públicos como hospitais, escolas, moradia, transporte, etc. Imaginemos um poder operário – sem a existência do empresariado, banqueiro e burocracia – com a distribuição da riqueza produzida entre toda sociedade, além de serviços públicos, teremos a diminuição drástica da jornada de trabalho, que possibilitará mais tempo para estudo, pesquisa, lazer, prazer e um longo etecetera.

Outros elementos importantes para esse debate e alguns passos importantes no sentido de avançar na transição do socialismo ao comunismo:

  • A estatização dos meios de produção é diferente de socialização dos meios de produção. Quando só há estatização, há centralização no Estado e quem o controla também controla toda a economia, nesse caso, uma burocracia, diz respeito somente a superestrutura. Já a socialização dos meios de produção é controle social, coletivo, dos meios de produção com o poder exercido pela classe operária de forma democrática e através de seus organismos revolucionários. É a estrutura da sociedade.
  • O poder operário necessariamente é democracia operária. Liberdade dos trabalhadores para participação na vida política social, legalidade de todos os partidos revolucionários, controle sobre as atividades dos organismos de poder, direito de os trabalhadores se organizarem (em sindicatos e outras formas) para defender suas reivindicações. É a ditadura do proletariado contra a burguesia e não uma ditadura sobre o proletariado.
  • Oficiais das forças armadas são eleitos por soldados/as;
  • A planificação da economia é decidida por organismos de poder da classe operária. Planeja-se tendo como base as necessidades da sociedade e não de uma burocracia;
  • A Revolução é internacional. Não há socialismo em um só país. Cada Revolução deve ter entre suas tarefas fundamentais a ajuda e solidariedade aos trabalhadores de outros países para expandir a revolução. Enquanto houver burguesia no mundo haverá dificuldade para o socialismo.

No entanto, se esses países não eram capitalistas e nem socialistas o que eram?

Entendemos que, na União Soviética, eram Estados burocráticos com restos proletários e comunistas como disse Cristhian Rakovsky, membro da Oposição de Esquerda na União Soviética, anos 30 do século passado, em Perigos profissionais do poder.

Algumas características, resumidamente, desse Estado burocrático: a) mesmo expropriado a burguesia, não se apoia nos organismos de trabalhadores e é controlado por uma burocracia, que “não é uma classe social, mas também não é uma simples burocracia”, é um grupo social com interesses próprios e distintos daqueles do proletariado, conforme definido por Cristhian Rakovsky e depois por Trotsky; b) Ao invés de ser um meio a serviço dos trabalhadores afasta-os de decisões que dizem respeito à sociedade e reprime todas as suas manifestações; c) Deixa de atender aos interesses imediatos e históricos dos trabalhadores; d) No lugar de impulsionar o processo revolucionário sabota e trai as lutas e as revoluções que poderiam fortalecer a organização e a luta da classe trabalhadora no mundo.

Queda do Muro: derrota ou vitória?

Há um importante debate sobre as consequências da queda da burocracia stalinista na União Soviética e nos países da Europa do Leste, o qual a luta de classes ainda não deu todas as respostas. Esse debate, em geral, podemos dividir em dois “blocos”: quem considera uma vitória do movimento revolucionário mundial e quem considera como derrota.

O primeiro bloco argumenta que a queda da burocracia representou o fim de um aparato mundial da contrarrevolução e, com isso, as lutas podiam avançar mais porque não havia mais esse obstáculo que era a traição das direções de muitos partidos e organizações pelo mundo.

O outro bloco, sem desconhecer o papel nefasto dessas direções, considera como uma derrota porque permitiu a consolidação da hegemonia neoliberal, o avanço contra as conquistas sociais e trabalhistas e também abriu uma forte ofensiva ideológica contra o socialismo e a esquerda. No aspecto ideológico o revés para os revolucionários também foi muito grande: o fortalecimento do pós-modernismo, a crise na esquerda revolucionária, a desmoralização da vanguarda e principalmente a dispersão da classe operária como sujeito social.

Nós, nos colocamos no segundo bloco. A Queda do Muro e da burocracia representou uma derrota para a classe trabalhadora mundial. Os problemas dos trabalhadores terminaram por se agravar dado o fato de não ter surgido um movimento organizado de trabalhadores e de grupos de esquerda capazes de enfrentar ao mesmo tempo as burocracias e as alternativas burguesas que dirigiram o processo.

E a questão mais importante e desconsiderada por muitos é o fato de ter havido a restauração capitalista com a privatização generalizada, com a burocracia (que ocupava importantes postos do Estado) a se transformar na “nova burguesia”, com a precarização dos serviços públicos, dentre outros retrocessos. E toda essa transformação, sem a burguesia precisar disparar um único tiro porque a classe trabalhadora nesses países apoiou a mudança, pois não se reconhecia nesses Estados.

Mas, é evidente que esse balanço precisa ser aprofundado, pois o simplismo tem predominado nos debates, a desconsiderar as contradições e a complexidade que os processos históricos como esse carrega e, portanto, exigem dos marxistas um esforço para a compreensão do todo, pois são várias questões políticas e teóricas a serem consideradas.

Há um outro elemento importante e que ficou mais explícito com o passar dos anos: esse processo na Rússia e nos demais Estados Burocráticos, na verdade, já era expressão das crises de Consciência de Classe e Alternativa Socialista, marcadas pela ruptura da classe trabalhadora com aquilo que as burocracias diziam ser socialismo. Essa situação contribuiu com a perda de referência no socialismo, pois a classe trabalhadora de conjunto confundia socialismo com o que a burocracia fazia. Desde então, essa crise de subjetividade tem se aprofundado.

Reafirmando, o socialismo é a democracia da maioria, desenvolvimento humano, preservação da natureza, trabalho coletivo e apropriação coletiva, livre expressão da arte, etc. Esses são alguns valores socialistas pisoteados pela burocracia e que a burguesia se aproveitou para relacionar ao socialismo, aos privilégios para um pequeno grupo e à ditadura contra o proletariado.

Por isso, a necessidade de recuperar o verdadeiro sentido do socialismo como o poder exercido pela classe trabalhadora de conjunto e não por um punhado de privilegiados e burocratas.

Revoluções e rebeliões: o papel da consciência

A Revolução Nicaraguense foi o último feito da classe trabalhadora a chamarmos de Revolução. Não foi uma Revolução com objetivos socialistas (expropriação da burguesia, organismos de poder da classe trabalhadora, ruptura com o imperialismo, etc.) até mesmo pela composição social e política (pequena burguesia e setores burgueses) do governo que se instalou pós queda de Somoza.

Como em toda a crise revolucionária a radicalização não está descartada, mas a política da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), hoje cumpre papel reacionário, impôs uma política de conciliação de classes com a “burguesia patriótica” e não fez uma Reforma Agrária de fato a acabar com o latifúndio, não rompeu com a dívida externa, etc. Na Nicarágua houve uma Revolução. Mas, não avançou para romper com a burguesia por conta do papel cumprido pela direção.

Depois da Revolução Nicaraguense as mobilizações, na Ex-União Soviéticas e nos países do Leste, moveram milhões de pessoas, derrubaram burocracias e colocaram em seus lugares governos que restauraram o capitalismo. Não eram Revoluções porque no lugar da burocracia, que cumpria papel contrarrevolucionário, se instalaram capitalistas com todo o processo de exploração.

Anos mais tarde, a “Primavera Árabe” mobilizou milhões de pessoas em vários países do Norte da África e Oriente Médio. Vários regimes e governos caíram como resultado dessa pressão. Outros foram derrubados por ações militares, inclusive algumas com apoio dos Estados Unidos e da Otan, como Kadafi na Líbia. Síria entrou em Guerra Civil entre as frações burguesas. No Egito a Irmandade Mulçumana ocupou o lugar de Mubarak e, meses depois, foi derrubada por golpe militar “a pedido de milhões de pessoas que ocupavam a praça Tahir”.

Esses três acontecimentos contribuíram para a reflexão e o debate sobre as questões estratégicas da Revolução Socialista: como e quando caracterizar um processo de luta da classe trabalhadora como a Revolução Socialista. Esse debate é importante, pois ainda tem prevalecido na esquerda “esquemas teóricos” que deturpam o conceito marxista de Revolução, levam em conta apenas os elementos objetivos da realidade e desconsideram os subjetivos.

A luta teórica travada por marxistas revolucionários contra reformistas tem tido como objetivo recolocar como central a estratégia revolucionária para se chegar ao socialismo. Isso implica uma articulação entre elementos objetivos e subjetivos, isto é, as crises políticas e sociais, a consciência, o programa, a ação independente da classe trabalhadora em relação a burguesia, organizações de frente-única da classe trabalhadora capazes de dirigir os explorados, partidos e direções revolucionárias, ação direcionada a desestruturar o Estado burguês e o objetivo de instalar o poder operário (nos países onde exista classe operária forte para essa tarefa histórica), etc. conforme a situação concreta de cada país.

O caráter consciente da Revolução é fundamental, pois é a expressão da vontade da maioria, ou seja, uma ação “da maioria para a maioria”. É, como disse Lênin, “Por conseguinte, para que estoure a revolução é necessário, em primeiro lugar, conseguir que a maioria dos operários (ou, em todo caso, a maioria dos operários conscientes, reflexivos e politicamente ativos) compreenda a fundo a necessidade da revolução e esteja disposta a sacrificar a vida por ela”. (Esquerdismo, doença infantil do comunismo).

Entendemos que a Primavera Árabe foi um processo muito importante para a classe trabalhadora fazer a experiência com o fundamentalismo islâmico e com as direções burguesas. Mas, demarcamos que não foi Revolução e sim uma rebelião popular na luta por democracia. Era esse o horizonte das milhões de pessoas que ocuparam ruas e praças.

Também nos opomos ao subjetivismo, via de regra expresso nas concepções vanguardistas e substituístas, quando a classe trabalhadora não avança na sua consciência de classe as organizações se julgam capazes de substituir a classe de conjunto nas tarefas que lhe são próprias, ou seja, uma ação sem considerar a disposição de luta da classe trabalhadora.

A crítica ao objetivismo e ao subjetivismo busca destacar a necessidade de compreensão da Revolução como uma totalidade (a necessidade da Revolução por conta da situação econômica em que a classe trabalhadora está submetida) que encontra a possibilidade de se realizar por existir também uma classe trabalhadora preparada ideologicamente para a tarefa de derrotar a burguesia e seu sistema social. A ausência da condição objetiva ou subjetiva inevitavelmente condena a Revolução a ficar pelo meio do caminho.

Essa questão também é importante para a ação dos revolucionários como direção da Revolução. Lênin, em 1917, foi bastante pedagógico no sentido de ter conseguido identificar a necessidade de “preparar a classe operária” para tomar o poder na Rússia. De abril a outubro o Partido Bolchevique se dedicou a convencer a classe trabalhadora russa para encadear a luta contra o governo provisório e a tomada pelo poder.

A compreensão da Revolução como processo é importante não só para a tomada do poder, mas também para todas as lutas da classe trabalhadora, isso implica na relação entre tática e estratégia definida sempre conforme as condições concretas da realidade e nas tarefas a serem propostas à classe trabalhadora, definidas conforme o estágio de sua consciência. Nesse sentido estamos com Rosa Luxemburgo quando diz Lutas práticas reais se dividem em três categorias: a luta sindical, a luta por reformas sociais e a luta pela democratização do Estado capitalista. Essas três formas de nossa luta são realmente socialistas? Para nada (…). Então, o que é que nos torna um partido socialista nas lutas diárias? Só pode ser a relação entre essas três lutas práticas e nosso objetivo final. É apenas o objetivo final que constitui o espírito e o conteúdo de nossa luta socialista, que a transforma em uma luta de classes” (Rosa Luxemburgo. Intervenções no Congresso de Stuttgart).

Considerando esse conceito de revolução, o modo como se dá a articulação entre tática e estratégia e o papel da consciência o papel que as organizações revolucionárias deve cumprir é o de ajudar a classe trabalhadora a desenvolver a sua consciência e dessa forma recuperar o papel de protagonismo como sujeito histórico na luta contra o capitalismo.

Ao partido não cabe fazer a Revolução, mas organizar, unificar e dirigir – não de forma alienada e impositiva– a classe trabalhadora (com a classe operária à frente) para a tomada do poder. É como diz Marx: “a emancipação da classe trabalhadora será obra da própria classe trabalhadora”. Sem isso não haverá Revolução Socialista.

A América Latina e o aprofundamento da condição de dependência

Marini inicia o livro “Subdesenvolvimento e Revolução” com a frase “a história do subdesenvolvimento latino-americano é a história do desenvolvimento do sistema capitalista mundial”. Bem poderia ser a conclusão, pois a situação política na América Latina (em qualquer período histórico), mesmo com suas especificidades e particularidades, não pode ser compreendida sem ter em conta a dinâmica da acumulação global do capital e o processo de integração do continente ao mercado mundial. Por isso “a compreensão das grandes transformações da economia mundial, particularmente de seus centros mais dinâmicos, torna-se um componente fundamental para explicar as possibilidades de desenvolvimento da economia capitalista dependente” (Nildo Ouriques).

O caráter dependente da América Latina determina as relações políticas

Pensar a América Latina como um continente à parte das relações de reprodução do capital mundial e como as nações imperialistas impuseram uma divisão internacional do trabalho ao determinar o que a América Latina produz e como o consumo se dá é cair em um simplismo e unilateralismo com muitas consequências para a luta da classe trabalhadora e também para a ação revolucionária.

Os países desenvolvidos, com a concentração de suas forças econômicas e humanas no processo de industrialização, impuseram aos países da periferia do sistema as tarefas de abastecimento das matérias-primas (minérios, recursos naturais, etc.) para as indústrias inclusive de alimentação, fundamentais para a recomposição da força de trabalho das massas operárias desses países. Essa foi a forma de integração do continente latino-americano ao mercado mundial e consequentemente ao desenvolvimento do capitalismo mundial.

No interior do processo de acumulação do capital a partir da revolução industrial, o desenvolvimento de alguns países é parte de uma mesma totalidade que, necessariamente, implica a existência de economias subdesenvolvidas, ou seja, o subdesenvolvimento é produto do desenvolvimento capitalista mundial.

A América Latina está inserida no mercado mundial na condição de uma economia dependente “entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (Dialética da Dependência. Ruy Mauro Marini).

Não é possível desenvolver aqui todos os elementos da teoria marxista da dependência, elaborada por Marini e outros. No entanto, é importante destacarmos alguns para demonstrar a força dessa teoria que foi um divisor de água no interior da esquerda e o fundamento teórico da ruptura com teorias reformistas e desenvolvimentistas muito populares nos movimentos sociais, nos meios intelectuais e também em muitos partidos e organizações da esquerda, principalmente aqueles de origem stalinista.

Nos limites desse texto de caráter programático, apresentamos, de forma ultra resumida, os elementos constitutivos da dependência dos países da América Latina em relação ao imperialismo, que são a base da fundamentação (e polemizar com os Reformistas e neodesenvolvimentistas) da estratégia revolucionária para o continente.

Os países da América têm basicamente a oferecer para o mercado mundial produtos primários que, mesmo com um intenso e constante fluxo de riqueza (ouro, cobre, prata, produtos agrícolas, petróleo, etc), têm valores de troca inferiores em relação àqueles produzidos pelos países industrializados. Como são essas economias que praticamente detêm o monopólio de produtos industrializados podem impor preços superiores aos praticados no mercado quando vão exportar para os países periféricos. E como os países da América Latina exportam as matérias-primas de menor valor e importam produtos industrializados com maior valor, a conta é simples: há uma diferença em favor das burguesias dos países industrializados. É a troca desigual.

Outro mecanismo de transferência de valor para as economias centrais é o chamado movimento de capitais como o serviço da dívida, pagamento de royalties (licenças), remessa de lucro das filiais para as matrizes de multinacionais, etc.

Com as trocas de forma desigual e a transferência de recursos as burguesias locais perdem uma parte de seus lucros e, no lugar de aceitar essa redução ou de enfrentar a burguesia imperialista, procuram compensar as perdas ao aplicar sobre a classe trabalhadora um conjunto de medidas que elevam a exploração a um nível superior ao praticado nos países imperialistas.

São medidas como aumento da intensificação do trabalho, pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor (taxas de mortalidade infantil, por exemplo, são associadas ao fato de que mesmo com a venda da força de trabalho, o trabalhador não consegue o mínimo para manter a família), aumento da jornada de trabalho sem o aumento do salário.

Até mesmo a industrialização que ocorreu em alguns países do continente foi orientada pelos interesses dos países industrializados. O desenvolvimento industrial e tecnológico nos países imperialistas, por conta da intensa competição entre os países desenvolvidos, tornou máquinas e tecnologias obsoletas para as necessidades desses parques industriais e por isso têm necessitado de destinos capazes de ainda garantir lucratividade. Também resultado desse desenvolvimento as economias centrais detinham grande excedente de capitais que precisavam ser reinvestidos para completar o ciclo de reprodução do capital.

Esses dois elementos levaram grandes corporações a direcionar investimentos para o processo de industrialização de alguns países, com a transferência dessa tecnologia obsoleta e com o financiamento, por organismos internacionais, condicionado à aquisição dessas máquinas, ferramentas e insumos já subutilizados nos países industrializados. Até mesmo os maquinários de guerra, os destroyed, eram de tecnologia inferior a utilizada pelas Forças Armadas estadunidense.

Esses fatos se já são determinantes para impedir o desenvolvimento de uma burguesia independente na América Latina, no interior desse processo opera outro mecanismo que é a separação entre produção e consumo de mercadorias. Enquanto nos países imperialistas foi criado um mercado interno para absorver a sua produção e o capital girar internamente, a industrialização e até mesmo a atualização desse parque industrial nos países dependentes ocorrem para atender mercados externos e as mercadorias têm sido produzidas para atender demandas já estabelecidas pelas grandes potências.

Assim, a dinâmica da economia latino-americana está totalmente subordinada às necessidades das economias imperialistas.

Ainda é importante destacar que essa subordinação econômica precisa ser resguardada politicamente e para isso o Estado desenhado na América Latina, mesmo sob o regime democrático-parlamentar, tem por base a extrema violência contra os povos latino-americanos para impor sobre os movimentos sociais um “estado de sítio”, sufocar as rebeliões populares e impor sobre a classe trabalhadora as políticas de arrocho e exploração, como vimos, fundamentais para compensar a parte da mais-valia que perderam para os países imperialistas.

Não é uma violência somente das forças militares é também de todo o sistema legal e jurídico do país como Constituição, códigos penais, leis com interpretações dúbias, nomeação dos militares como “guardiões da democracia” e sempre colocada a possibilidade da intervenção “legal” das Forças Armadas na política, com Judiciário controlado por seitas e ordens reacionárias, etc.

Aliada à violência está a formação de lideranças políticas capazes de ocupar postos importantes no aparato estatal para implementar medidas necessárias à continuidade desse padrão, ou seja, são governos, parlamentares, jornalistas, lideranças civis, intelectuais, todos, a atuar no dia-a-dia para dar base política e social para esse mecanismo de acumulação do capital.

O mercado da América Latina está em disputa

Como o mercado tem limites insuficientes para absorver a totalidade de mercadorias e de capitais, no cenário de aprofundamento da crise, a tendência é aumentar os conflitos entre as frações de capitais, cada uma procura controlar a maior parte do mercado mundial e, assim, ampliar seus domínios econômicos e territoriais. Lutam uns contra outros para obter mais pedaços do mundo. Perder mercado significa ser sacrificado ou ser obrigado a se submeter aos interesses dos mais poderosos.

Essas disputas aparecem como se fossem conflitos entre países ou governos, mas são os Estados a representarem os interesses de suas respectivas burguesias. Muitas vezes resolvem os conflitos pela diplomacia, mas podem chegar à guerra como foi a II Guerra Mundial, quando a Alemanha ao precisar conquistar novos mercados dominados por outros países imperialistas, a Guerra foi a única saída para Hitler.

Quando um país imperialista domina, pela política ou pela guerra, um continente ou outro país favorece as empresas que representa. A ocupação do Iraque, por exemplo, permitiu às empresas petrolíferas tomarem conta da indústria de petróleo do país.

A crise estrutural agravada por mais uma crise cíclica tem colocado a necessidade dos diversos capitais expandirem seus mercados para realizarem seus lucros, por isso, os conflitos dos Estados Unidos contra China e Rússia, Inglaterra contra União Europeia (Brexit), China contra Japão, etc. Por enquanto, o G20, BRICS, ONU, OMC, etc. têm conseguido mediar, não se sabe até quando. No entanto, isso é o que tem ocorrido atualmente na América Latina.

O conflito entre Estados Unidos e China bastante acirrado, a ofensiva dos Estados Unidos no continente com o apoio e organização de grupos de direita, a propaganda política contra “o comunismo e a esquerda”, o crescimento da extrema-direita no continente inspirada no Tea Party (corrente do Partido Republicano) e a pressão dos Estados Unidos contra os governos bolivarianos somente podem ser compreendidas a partir dessa disputa no continente.

População de mais de 600 milhões de pessoas, amplo acesso ao mar, minério de ferro, petróleo, gás, ouro, grande potencial agrícola e pecuário colocam a América Latina como um dos maiores mercados do mundo. Ter o controle sobre essa parte do mundo garantiria ter um grande mercado consumidor e uma abundante força de trabalho.

A presença da China na América Latina

Um mercado historicamente controlado pelos Estados Unidos agora está ameaçado pela China, que tem uma política agressiva para aumentar sua influência no continente. Esse controle econômico sempre se estendeu também às questões políticas, pois muitos governos foram e são fiéis aos interesses estadunidenses.

Mas, a crise econômica tem colocado outros desafios como a necessidade de a China ampliar seus negócios pelo mundo. A economia chinesa não pode contar somente com seu mercado interno para manter as altas taxas de crescimento, por isso sua política de expansão de negócios para outros continentes e a América Latina é um dos destinos desses investimentos.

Desde 2005 a China tem aumentado os investimentos na América Latina, concentrado em áreas de mineração e hidrocarbonetos (gás natural, petróleo, etc.) e energia e em países como Brasil, Peru e Argentina. O total acumulado de investimento chinês na América Latina já superou 300 bilhões de dólares até 2018, dos quais parte significativa está na área de tecnologia, são 2 mil empresas na região.

Os chineses representam o segundo maior volume de comércio (exportação e importação) com a América Latina, em alguns países já é o principal parceiro comercial. A região é uma das que mais exporta para a China de maneira que há dependência de alguns setores em relação a esse mercado, o que quer dizer que se fechar esse mercado haverá falência de muitas empresas, principalmente no ramo do agronegócio.

A Rússia é outro país que tem procurado expandir seus negócios para a América Latina, ainda que restrito à área de tecnologia e sobretudo de armas. A atividade comercial russa, no geral, é muito parecida com a da América Latina (petróleo, gás, trigo, etc.), por isso, a disputa comercial com os Estados Unidos na região tem sido relacionada ao fornecimento de armas e tecnologia militar.

A América Latina já passou por duas “grandes guerras comerciais”: uma foi dos Estados Unidos com a Inglaterra em meados do século XIX e início do XX e a outra foi dos Estados Unidos com a Alemanha de Hitler que fez uma ofensiva em fins dos anos 30 do século passado. Em ambas os estadunidenses venceram. A atual com a China ainda não é possível apostar o resultado e já produz efeitos na política e nas ações militares.

País com as maiores reservas petrolíferas e a 4ª maior reserva de ouro do mundo, a Venezuela, é um exemplo de até onde essa disputa pode chegar. A China, na procura por uma base para influência, fez vários empréstimos ao Estado Venezuelano, contratos de investimentos, compras de petróleo, etc., uma pressão sobre qualquer governo venezuelano nos próximos anos.

Também é a confirmação de como a situação da América Latina somente pode ser compreendida a partir do processo geral de reprodução e acumulação do capital e permitir compreendermos o papel dos Estados Unidos no Continente.

A defesa da democracia: como os Estados Unidos intervêm atualmente nos países da América Latina

A manutenção desse padrão de acumulação orienta a atuação dos Estados Unidos no continente latino-americano e para isso utilizam os mais diversos instrumentos de desarticulação dos movimentos de resistência.

No século passado, o imperialismo utilizava os golpes militares como a principal arma contra os movimentos sociais de esquerda e até mesmo contra governos que tentavam impor alguma medida nacionalista como controle sobre remessa de lucro, nacionalização, etc.

Parte da reação do imperialismo estadunidense contra as várias rebeliões armadas pelo mundo, que naquele momento contribuía para o aumento da influência soviética, por um período contribuiu por manter vários países sobre sua influência, mas também serviu para unificar a oposição aos regimes militares.

Garantir o domínio pela força sobre os países também servia para alimentar o ódio contra esses regimes e abria crises políticas que, se aprofundassem, poderiam levar ao desenvolvimento de revoluções anticapitalistas.

Por isso, o imperialismo mudou a política de intervenção, passou a adotar uma dominação “mais sútil”, pelas ideias e pela política. Mantém-se o controle com táticas outras táticas, baseadas na pressão política, na cooptação de dirigentes e intelectuais (como a “Escola de Chicago” onde centenas de economistas liberais se formaram, inclusive muitos que ocuparam cargos importantes nos Estados latino-americanos), o financiamento de grupos internos de propaganda (denominados institutos de pesquisas) contra correntes nacionalistas e de esquerda, alinhamento das Forças Armadas (a “escolas das Américas” patrocinada pelas Forças Armadas estadunidenses que já formou mais de 60 mil oficiais dos países latino-americanos), desmonte das organizações sindicais, golpes militares, influência nos Judiciários, dentre outros.

A mudança ocorre também no âmbito de governos do continente e a prioridade continua em apostar na via da democracia-burguesa parlamentar, ainda a forma mais eficiente de controlar a classe trabalhadora. Controle, por um lado, com medidas paliativas como programas sociais e, por outro, com deslocamento dos descontentamentos para a via parlamentar, espaço que dá para administrar as pressões populares.

É por esse mecanismo que a direita latino-americana tem conseguido triunfos eleitorais importantes. Ocupou o espaço deixado por setores ditos de esquerda (Chavismo, Ortega, lulismo, etc) e suas políticas traidoras e elegeu governos como El Salvador, Paraguai, Colômbia, Honduras (eleições fraudadas), Chile, Brasil e Argentina ou organizou fortes movimentos de oposição apoiados diretamente pelos Estados Unidos.

Os “golpes ou manobras parlamentares” também passaram a ser utilizados no lugar dos golpes militares. Foi o caso de Honduras contra Zelaya, no Paraguai contra Lugo e no Brasil contra Dilma.

No entanto, faz-se necessário uma ressalva: Os Estados Unidos priorizar a “intervenção política” não afasta a possibilidade de utilização de suas forças militares, a depender de cada caso concreto de resistência ou de enfrentamento aos interesses estadunidenses no continente. É o caso do Haiti, por exemplo, para atender pedido dos Estados Unidos o Brasil manteve uma força de ocupação por 13 anos.

O subdesenvolvimento da América Latina só pode ser superado com a Revolução Socialista

Esses elementos são apenas parte da teoria marxista da dependência (fundamental estudá-la profundamente) e tem implicações programáticas, diferenciam programa e ação política dos revolucionários latino-americanos da dos reformistas, influem diretamente em questões táticas (como alianças, método de lutas, etc.) e principalmente na estratégia revolucionária para o socialismo.

Na América Latina as propostas nacionalistas burguesas (bolivarianismo a maior expressão), reformismos e etapismos (divide a Revolução em “duas etapas”, uma burguesa para o desenvolvimento capitalista e outra socialista) ainda têm muita força. Essas correntes e também as de origem stalinista, mesmo dizerem formalmente ter rompido com o etapismo, continuam a advogar a tese de constituição de uma frente entre a classe trabalhadora e setores da burguesia nacional por ambas terem interesse no desenvolvimento do capitalismo na América Latina. Para essas organizações o caráter da Revolução na América Latina seria “democrático-burguês”, o que julgamos inaceitável por manter a subordinação da classe trabalhadora à burguesia.

Essas frentes políticas entre a burguesia e a classe trabalhadora não prosperaram por razões objetivas, pois interessa à burguesia de cada país a associação com a burguesia imperialista para se apropriarem e dividirem entre si o excedente produzido pela classe trabalhadora dos países dependentes.

Por isso, não há nenhum exemplo na América Latina de a burguesia apoiar as reivindicações ou pretensões dos movimentos da classe trabalhadora contra o imperialismo porque sabe que assim também perderia seus privilégios. Nas poucas exceções quando as burguesias dependentes mobilizaram as massas, fizeram cuidadosamente para não perderem o controle, pois bem sabiam da impossibilidade de radicalizarem o enfrentamento com o imperialismo e ao mesmo tempo manterem seus privilégios.

Não há negociação com o imperialismo. Toda a sua força política está voltada para não somente manter, mas, aprofundar essa condição de dependência dos países da América Latina para com sua economia. Por isso, as tarefas de libertação nacional do jugo imperialista somente podem ser realizadas pela classe trabalhadora mobilizada contra o imperialismo e contra as burguesias nacionais, que lutarão para manter as formas de exploração que foram construídas no continente.

O caráter socialista da Revolução latino-americana vai permitir realizar as tarefas que as burguesias não podiam garantir como Reforma Agrária, ruptura com o imperialismo, expropriação das burguesias, apropriação e controle de riquezas naturais pelos trabalhadores, industrialização para atender primeiro as necessidades da população e principalmente garantir a unidade do continente, preservar as identidades dos povos originários, etc. Somente assim estará garantida de fato a independência na América Latina.

Sobre o caráter da Revolução Brasileira

Uma tarefa importantes para a esquerda brasileira é aprofundar estudos sobre como foi o processo de desenvolvimento capitalista no país, condição para se avançar em um programa e na Revolução Brasileira.

Cientes dos limites e da insuficiência, nesse momento, destacamos dois elementos estruturais da formação social brasileira, com profundas consequências para a militância revolucionária no país porque estão relacionados ao caráter da Revolução brasileira:

  • Primeiro, o caráter capitalista da colonização brasileira como oposição à tese de o Brasil ter atravessado um período “semifeudal”;
  • Segundo, o caráter dependente da economia brasileira, afirmado aqui a partir da Teoria Marxista da Dependência elaborada principalmente por Ruy Mauro Marini, o qual demarca a dependência como elemento estrutural da formação social brasileira e que não pode ser superada por uma ou outra política econômica como propagado com políticas neodesenvolvimentistas, aplicadas pelos governos de Lula e depois abandonadas no governo Dilma que se aproximou do liberalismo clássico.

A colonização brasileira: parte da acumulação primitiva do capital

Até os anos 60 do século passado, através de influência da vertente stalinista, PCB, no movimento social a tese dominante sobre a Revolução brasileira era a da “fase antifeudal e anti-imperialista”, que fundamentava a posição política do partido para aliança com pretensos setores da burguesia de interesses nacionalistas. Para o PCB o projeto estratégico era o da Revolução democrático-burguesa, uma Revolução liderada pela burguesia sem a atuação do proletariado como sujeito social independente, ou seja, subordinado à direção política da burguesia.

Caio Prado Jr. foi um dos primeiros intelectuais da esquerda pecebista a romper com essa tese e (re)colocar a de que o país desde a sua colonização já estava na etapa monopolista do capitalismo e, portanto, não era necessário passar “por uma etapa democrática-burguesa”.

Desde a colonização as relações sociais e econômicas já eram capitalistas, com o país já inserido no mercado mundial para fornecimento de produtos primários e agrícolas fundamentais para a acumulação primitiva do capital e que depois serviram de impulso para o desenvolvimento industrial na Europa.

Essa constatação é um divisor na interpretação da história brasileira feita pela esquerda. Nas palavras de Caio Prado Jr., no livro A Revolução Brasileira, “definiria a característica de relação com o imperialismo” em uma “situação de dependência e subordinação orgânica e funcional”. Levada à ação prática dos revolucionários brasileiros isso significa a impossibilidade de haver qualquer acordo com setores nacionalistas da burguesia, até mesmo por não existirem.

Assim, a tese pecebista de existir uma burguesia nacionalista, progressista, inimiga do imperialismo e que se opunha aos interesses de setores latifundiários (como representação “dos resquícios feudais”) no país se revela como uma política de conciliação de classes e contrarrevolucionária.

Para um futuro estudo sobre a formação social brasileira também devem ser destacadas as elaborações por fora do PCB, que por serem minoritárias ficaram relegados. Um desses estudos é o de Mário Pedrosa, fundador do trotskismo no Brasil, ao afirmar a subordinação do capitalismo brasileira e da burguesia de forma submissa aos interesses do capital externo e do imperialismo, ou seja, qualquer projeto de emancipação política brasileiro não poderia depender da burguesia, tão somente da classe trabalhadora.

Brasil: país periférico e dependente

A partir desses elementos iniciais, a Teoria Marxista da Dependência (diferente e discordante da teoria da dependência desenvolvida na CEPAL) é um importante instrumento para compreensão da realidade brasileira, pois as condições socioeconômicas que deram origem a sua formulação ainda permanecem válidas em seus aspectos essenciais.

A principal conclusão dessa Teoria é definir o Brasil como um país periférico e dependente em relação às nações capitalistas mais desenvolvidas. E tem como característica, dentre outras coisas, expressar os níveis de crescimento de forma instáveis, alta dependência de capital externo, intensa concentração de riqueza e grande vulnerabilidade às oscilações da economia mundial.

Não se trata de uma condição que pode ser mudada a partir de algum programa econômico que corrige as falhas na economia. Essa constatação, por exemplo, ajuda a compreender as razões estruturais de os governos petistas não terem conseguido levar o país à condição de desenvolvido como os países centrais, apesar de todo tipo de manobra “neodesenvolvimentista”.

Partindo da concepção de desenvolvimento desigual e combinado aponta que a economia mundial corresponde a um todo orgânico no qual o desenvolvimento e o subdesenvolvimento se completam, ou seja, é inerente à lógica do capital produzir o desenvolvimento em uma parte do mundo e, necessariamente, o subdesenvolvimento em outra parte, pois o capitalismo é um sistema mundial, uma totalidade dialética com realidades distintas e contrapostas estruturalmente, mas vinculadas uma a outra. As economias dependentes ao serem subdesenvolvidas contribuem para o desenvolvimento daquelas que estão ligadas por laços de dependência.

Para a manutenção dessa relação dialética de antagonismo e complementaridade entre as economias brasileira e imperialista é imprescindível que ocorra um fluxo contínuo e em grande quantidade de transferências de valores das economias periféricas para as centrais. Como isso ocorre? Há vários mecanismos de transferência de valor em direção às economias desenvolvidas: a) um deles, é a perda nos termos de troca. O país menos industrializado exporta produtos (geralmente do setor primário) que têm menor valor agregado em relação aos produtos de maior valor (tecnologia, produtos industrializados) e importa dos países mais desenvolvidos. Essa relação também produz uma dependência tecnológica, pois os países subdesenvolvidos passam a depender dessa tecnologia para se manterem inseridos no mercado mundial; b) outro, é a remessa de valor das regiões dependentes para os países centrais. Neste caso os valores saem sob a forma de juros, dividendos, royalties, etc; c) A repatriação de lucros das grandes empresas multinacionais, a dívida pública e a dependência tecnológica também são meios importantes de transferência de valor das economias periféricas para as desenvolvidas.

Ao haver tanta remessa de riqueza para fora significa que até mesmo a burguesia brasileira perde uma parte da riqueza extraída da classe trabalhadora. É também uma das barreiras ao desenvolvimento dos países dependentes, pois a maior parte da riqueza é enviada para as burguesias dos países desenvolvidos.

Assim, para avançar minimamente a burguesia necessita criar mais riquezas, ou seja, explorar mais e aumentar a produção de excedente (mais-valia) de tal maneira que mesmo com a enorme transferência de recursos ainda reste riqueza suficiente para alguma modernização no país, no entanto, sem chegar à condição de desenvolvido, no máximo ao nível mediano de desenvolvimento.

Mas, como produzir mais excedentes em meio a uma crônica dependência tecnológica? Ao invés de se tentar minimizar os processos de transferência de valor ou enfrentar o imperialismo, a solução adotada pela burguesia brasileira para garantir a acumulação de capital internamente tem sido a superexploração do trabalho como forma de compensar a riqueza perdida para os países centrais.

É em base a essa superexploração do trabalho que algumas nações dependentes garantiram certos níveis de crescimento econômico em momentos específicos, no caso do Brasil podemos citar o “milagre econômico” protagonizado pela Ditadura Militar e parte do segundo mandato de Lula. Foi exceção na história do Brasil e quem de fato ganhou foi a burguesia.

A cooperação antagônica entre a burguesia brasileira e imperialismo

Outro ponto importante destacado pela Teoria Marxista da Dependência é fato de a burguesia brasileira manter com os países centrais uma relação associada e de forma subordinada. Segue a mesma lógica de outros países da América Latina.

Como a apropriação da riqueza não é de forma igual e a burguesia dos países centrais fica com uma parte importante, isso gera alguns conflitos. Por isso trata-se de cooperação antagônica, uma unidade contraditória por haver interesses opostos nessa associação. No entanto, mesmo com os conflitos, não há um acirramento da luta de setores da burguesia brasileira contra o imperialismo, pelo contrário, na história brasileira esses conflitos têm resultado em acomodação, ou seja, as burguesias brasileira e imperialista constroem os acordos e unem-se para explorar os trabalhadores e se apropriarem do excedente produzido.

Como a burguesia brasileira dependente não conseguiria garantir seu lucro sem esta associação, não pode romper com o imperialismo. Caracterização importante porque coloca por terra as pretensões de existir uma burguesia com interesses nacionalistas e que pudesse enfrentar o imperialismo.

Os limites intransponíveis entre economia dependente e imperialismo

Para reforçar algo já tratado aqui, na divisão internacional do trabalho as economias dependentes sempre ocuparam lugar secundário. Isso ocorre em virtude do atraso nos processos de industrialização verificado em todas as nações periféricas. Mesmo quando houve um projeto de industrialização no Brasil ocorreu com uma tecnologia já obsoleta nos países centrais mas que, no entanto, podiam fazer as empresas obterem lucros em função do valor reduzido da força de trabalho a ser explorada.

Com isso, se acentuou a desigualdade nas relações comerciais entre as nações. As economias periféricas se especializaram na produção de produtos primários e bens de consumo e, por isso, mantiveram a condição de subordinadas e dependentes. E as economias centrais, com o desenvolvimento industrial mais qualificado e desenvolvido, se tornaram importantes produtoras de bens de produção e com isso impuseram-se como centros de dominação.

Também por isso a existência de países imperialistas industrializados e países dependentes desindustrializados ou semi-industrializados é parte da própria estrutura do sistema capitalista mundial, ou seja, não pode ser alterada sem a ruptura com o capitalismo.

Os países dependentes não possuem setores como os, chamados por Marx, “Departamento I” da economia capitalista, que produzem bens de produção. Não são capazes de gerar tecnologia e acumular capital autonomamente, mas, ao contrário, servem de destino para o capital que foi acumulado nos países centrais.

Não é possível transitar da condição de país periférico para de país desenvolvido por meio de aumento contínuo, linear e quantitativo da capacidade produtiva sem que haja um salto qualitativo que implique em rupturas políticas e econômicas, ou seja, guerras e revoluções. Essa guerra ou revolução somente poderia ser liderada pela classe trabalhadora, pois nenhuma burguesia nacional periférica vai dar esse passo, pois estão muito bem acomodadas na condição de sócias menores e subordinadas ao imperialismo.

Além disso, nenhuma burguesia nacional é capaz de armar sua população para enfrentar o imperialismo, porque a população armada poderia se colocar em luta contra o próprio capitalismo.

Podemos, então, resumir a estrutura básica do capitalismo dependente no Brasil em quatro pontos fundamentais: a) transferência de valor para as nações centrais; b) superexploração de força de trabalho; c) associação subordinada da burguesia nacional com a burguesia imperialista e; d) integração do sistema de produção desfavorável com os demais países periféricos.

Diante dessa realidade, um programa para a Revolução Brasileira deve partir do fato de que a única alternativa viável é a de ruptura revolucionária com o capitalismo para uma forma organizativa superior: o socialismo. Conclusão que, na verdade, traz a recuperação de conceitos abandonados por parte da esquerda socialista brasileira e que se contrapõe às práticas parlamentarista, economicista e reformista majoritárias no interior dos movimentos dos trabalhadores no Brasil.